sábado, maio 15, 2010

A parte poética de Lord V

Eu, por mim, deixava logo claro que queria mesmo Lord V. Mas Lord V precisa ser distante pra ser Lord. Então eu aqui - da plebe - fico toda olhos e escondendo o jogo.
Seria muito mais fácil se Lord V não fosse todo dentes e fosse bonito. Queria eu que ele tivesse cara de ter sido feito, que ele tivesse um corpo perfeito, que ele não tivesse marcas de expressão e parecesse de cera.
Se assim fosse, eu nem de longe quereria Lord V rasgando o caminho com aquela cara e aquela voz. Muito menos pensaria em mãos. Mas Lord V não é bonito de primeira e esse é o pior tipo de gente.
Não sei se quero perder aqueles olhos de Lord V e aquela cara que parece ter um traço novo o tempo todo. Uma coisa bonita sempre a ser descoberta. Lord V em pessoa eu quis amontoado em mim - gigante.
Só não sei como fica o flerte se vira coisa densa e posta na mesa.
Da vitrine, Lord V parece uma bela janta

segunda-feira, maio 10, 2010

Iúna – Vitória, uma crônica mal-humorada

Sim, uma das coisas mais íntimas que podem acontecer entre um homem e uma mulher é acordarem juntos. Há quem diga que ver a moça despertar é das coisas mais agradáveis e poéticas. Ainda assim, a regra não se aplica aos ônibus da viação Águia Branca. Principalmente, isso não se aplica nem à linha Vitória-Iúna, nem à linha Iúna-Vitória.
Declaro desde já que detesto essas duas linhas desde que fiz 14 anos e papai e mamãe me deixaram viajar nela sozinha. Detesto quando entram galinhas no ônibus, quando entra alguém com pés sujos carregando pés e mais pés de repolho e detesto quando conversam comigo. Ônibus não é lugar de conversar, minha gente!
Mas, principalmente, eu detestei acordar hoje dentro do ônibus e ouvir um desconhecido cara-de-pau do meu lado perguntar se eu tinha dormido pouquinho à noite e por isso estava com soninho no ônibus. Nem respondi, fechei os olhos e fingi que ainda dormia.
Esses sujeitos têm que entender que não há intimidade nenhuma em ver uma moça acordando depois de dormir muito no ônibus que pegou às 5 da manhã. Principalmente uma moça mau-humorada como eu, vestida de cinza e sem maquiagem.
De bom, a linha tem a parada em Venda Nova, onde se come o melhor pastel. Também gostei uma vez quando entrou um cara com uma sanfona que atendia aos pedidos de todas as pessoas do ônibus.
De ruim, além do já citado, o maldito cheiro de cecê das pessoas que sentaram ao meu lado nesta doce manhã.
Mas o pior não foi nada disso. Nenhum diálogo tosco, nenhuma pessoa invasiva nem nada superou a chegada na rodoviária. Porque a última vez que eu cheguei nessa linha à rodoviária, havia a coisa mais próxima de príncipe encantado que já passou por mim esperando na pilastra.
Ele tinha mandado mensagens bonitas dizendo que eu devia apressar o ônibus pois ele já não agüentava de calor e saudade. Desci e ele tinha um presente bonito desses que só dá quem repara nos detalhes da gente.
Mas hoje não tinha presente, não tinha príncipe e nem calor. Chovia e eu teria que procurar sozinha o ponto de ônibus que nem lembrava mais onde ficava.
A pior parte de tudo é que hoje não tinha felizes para sempre.

domingo, maio 09, 2010

A sobra das sobrancelhas

Hoje eu tinha um bocado de coisa a ser escrita. Um bocado de história a ser contada.
Acontece que hoje as frases estão todas forçadas e nenhuma rima sai com ritmo de quadril. Então não vou contar nada, não vou escrever ficção.
As coisas não vão prestar se não forem moldadas no corpo e se não tiverem fluidez natural, se não forem escritas com fluidos de corpo.
Fica então aqui uma música brega no som e toda aquela confusão na cabeça. Pensemos juntos: melhor confusão que convulsão.
É preciso ter otimismo e um tanto assim de beleza.
Gostaria muito de arrancar fora boa parte dos pêlos das sobrancelhas, todos os pêlos do sovaco e das pernas.
Gostaria muito de manter as unhas feitas.
Nenhuma das histórias não contadas falam de corpo bem estruturado ou organização pessoal.
Todas as histórias são de bares e hálito azedo de manhã.
A casa foi destruída pela manhã e a manhã nem viu se tinha gente em casa.

quinta-feira, maio 06, 2010

MR8

Aquela mania maldita de tentar achar onde estava a minha ferida. Depois roçava as unhas ali, para arrancar casquinha. Olhou sem nenhum tom prepotente na voz e disse o quanto sou insignificante ficando em cima do muro.
Eu podia até ficar muito tempo aqui, se ele não me irritasse. Podia nem ter voltado, se não me irritasse.

Não sei se aguento tanta consequência.

Ninguém avisou que a cara fica muito mais bonita pintada no meio da multidão que grita. Nem sobre os arranhões, os tapas, os cassetetes. Essa coisa arraigada e forte que o faz mais persistente que eu, eu não sabia.

Agora sim talvez paixão.

terça-feira, maio 04, 2010

Insensatez

Poderia ter deixado o “eu te amo” pular da boca. Seria a primeira vez que ele apareceria depois de um não e depois de um fim.
As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios, mas você deu um jeito no mastro com uma corda. Deixou o navio lá e arrumou um bote salva-vidas pra que a gente respirasse.
Nem sei como anda o navio, mas sei que não estaremos de novo por lá.
Talvez fique ainda carinho e mais nada.
Não sei se agüento quando não é mais necessidade de corpo.
Achei bonito e não sei por quê. Teve mesmo que botar o dedo na cara pra dizer que não éramos estreitos nós e que eu estava errada em pensar que conforto podia ser bacana?
Eu querendo conforto, você querendo paixão. Eu querendo pele e você ternura.
Pensou que eu fosse vazia. E fui.

sábado, maio 01, 2010

O não dito

Precisei dormir por três dias sem parar e ficar quase um ano te deixando escondido no canto da cabeça. Fingi que não te via quando aparecia por medo bobo daquele turbilhão. Admito sem a menor vergonha: não aceitei o fim. Não concordo e também não quero saber o que você pensa a respeito.
Não há nenhum problema em sentir tanto carinho assim por alguém. E não importa que você tenha batido na madeira ao dizer sobre namoro. Conheço uma garota que consegue olhar todas as pessoas nos olhos. Ela escolhe a dedo quem pode ou não conversar com ela.
Eu fujo de olhos desde você. Saio mentindo leviana e bela em prosas bestas e ligeiramente poéticas. Tenho muito medo de contar métrica e bater carimbo. Mas acho que poesia exige sim padrão e ritmo – mesmo os ritmos inumeráveis e os padrões inéditos.
Foi você quem primeiro disse que eu precisava escolher. Mas eu, toda leve, saí boiando na corrente e nadando sem destino. Saí pelo mar, me encharcando de sal pra me coçar depois em casa antes do cloro.
Sei hoje que seu ombro ainda existe e que por pior que você seja e mais feridas que tenha, não vai negar um pouco de ternura.

quinta-feira, abril 29, 2010

Murphy e eu, uma história de amor.


Não existe outra hipótese mais concreta: Murphy me ama. Se não me amasse, sua lei deixaria de atuar assim em mim com tanta força. Nada pode ser tão ruim a ponto de não poder piorar e nenhuma maré de azar finda assim em segundos.
Acordei feliz e antes do despertador. Mais feliz ainda fiquei quando vi que podia dormir mais tempo. Consegui me arrumar num tempo razoável e deixar o cabelo apresentável. Saí de casa pronta para resolver o mundo.Mas não.
Burocracia surpreende mesmo quando tudo está certo. Documentos em mão, assinatura faltando. Quem disse que o único possuidor da força da caneta estava presente? Nunca está. Documentos deixados no armário para posterior assinatura e um problema a mais para checar no dia seguinte.
Bom humor intacto.Fui então resolver as outras coisas necessárias para requerer a colação de grau. Todos os documentos certos. Faltava imprimir o boleto. Botão apertado. Botão errado.
Sem problemas.
Imprimi o boleto certo e fui ao banco. Fila gigantesca e 15 minutos para enfrentá-la. Peguei a senha e fui ao caixa. Conta zerada. Fantástico. Não poderia hoje pagar o boleto e muito menos o diploma. Liguei para o detentor do poder monetário de me custear a colação de grau. Belíssimo, tinha esquecido justo hoje o telefone em casa.
Mais um problema sem solução.Resolvi tentar tirar o registro provisório de jornalista. Documentos todos em mão. Sindicato disse que só tira com diploma, mas que eu podia tentar na Delegacia Regional do Trabalho, que providencialmente está em greve. Ótimo, pensei. Ao menos alguma coisa do Trabalho de Conclusão de Curso eu resolvo.
Menos ainda. Nenhuma resposta nova que me permita prosseguir os trabalhos.
Ainda um pouco de bom humor restava e eu sentei para comer um hamburguer porcaria da cantina, que me serviria de almoço. Tive a impressão de que a carne estava meio crua, porque nunca nunca aquele negócio tinha estado tão ruim.Termino o hamburguer, minha irmã me liga.
- Aline, olha aí na sua bolsa se a minha chave está com você.
- Não, Marcela, a minha chave está comigo.
- Olha direito, você saiu com as duas, a minha e a sua.
- Não saí não. Peraí. Merda. Sua chave tá comigo sim.
- Então você tem que passar em casa por que eu estou presa e preciso trabalhar.
- Ótimo.- Vai demorar?
- Não, né? Entro no trabalho as duas. Vou ali resolver um outro problema e chego aí agorinha.
- Tudo bem.
Isso era uma e muito pouquinha da tarde. Cheguei ao ponto de ônibus uma e meia e teria chegado em casa em 15 ou 20 minutos se o ônibus tivesse passado.
Mas quem disse que ônibus passa quando a gente está com pressa?
Já era quase duas e eu liguei de novo pra Marcela.
- Liga pro meu chefe e diz que eu vou atrasar.- Beleza, tô fazendo almoço, vai querer?
- Não. Já comi. - disse pensando na merda do hamburguer e amaldiçoando a falta de uma bola de cristal.
Ônibus passa, lindo e cheio. E se não bastasse, inventam um engarrafamento no caminho que me atrasa ainda mais.
Então voltei ao bom humor, por que não tinha mais solução. Antes de chegar quase às três no trabalho, cheguei em casa gritando._ RAPUNZEL, RAPUNZEL, VIM TE LIBERTAR DA TORRE!
Tá bom pra você, Murphy?Se não estiver, eu não ligo, prefiro que procure uma outra pessoa amanhã.

quarta-feira, abril 28, 2010

Vai, mulher, se riscar em poemas

Pessoalíssima
é claro que te como
e todas as vezes quero as minhas enzimas
te digerindo.
Nem adianta dizer que é muito.
Esse acaso manda
e a gente desce

As suas enzimas podiam mais,
como o resto.
Qual o código para agressividade feminina
Que não mata o macho?


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Aviso aos navegantes: Mariana está de férias. A segunda temporada acabou. Dia qualquer desses eu volto com a terceira temporada - alucinante.
=*

segunda-feira, abril 26, 2010

as orelhas que a gente esquece

Talvez nenhum ambiente seja tão povoado de vozes simultâneas quanto o de uma rádio. O locutor fala do estúdio, algum ouvinte liga, a gente(repórter, produtor, editor de áudio, apresentador fora do ar, entrevistados perdidos tomando café) conversa entre si. Depois toca alguma música e o comercial e tudo o mais.
Aos desacostumados talvez seja aterrorizante, mas os tagarelas têm grande facilidade de adaptação ao ambiente. Eu mesma já me sentia em casa ali antes de ser funcionária. E apesar de todas essas vozes já descritas, meus chefes ainda têm a coragem de dizer na cara dura que eu falo demais.
Assumo. Falo um bocado. A meu favor há o fato de que todos ali falam demais. Contra mim, duas orelhas injustiçadas. É claro que seu dono fala e enche o ambiente de comentários ácidos, cortantes e às vezes indiscretos. Mas os comentários são salpicados e na maior parte da manhã o dono das orelhas escreve e lê, pouco diz.
Se saímos ao sol para tomar a brisa diária, encho-o com a minha rotina absolutamente sem graça. E não sou só eu que o faço. Fazemos todos. E o impressionante é que ele ouve. Não dá muitos conselhos ou emite opiniões conclusivas. Demonstra ouvir e pronto. Diz um você tem que ver ou um é foda mesmo. Manifesta esta característica que eu não lembrava de existir depois do advento da internet: a de manter-se reservado.
Contra todos nós, ele consegue ser mais ouvinte que falante. Não sei se quer provar alguma coisa, sei que pela manhã depois de algumas brisas me vi falando e outros falando e falando falando e falando e me senti incomodada de vê-lo apenas ouvindo.
Depois ri comigo mesma e silenciosamente aplaudi.

sábado, abril 24, 2010

Teogonia

A coisa mais bonita em você é o tchau. Demorei a ver ou entender qualquer coisa. Mas são poucas as vezes que você diz, e todas são absolutamente sinceras. Se eu vou embora, você beija e pronto. O ônibus chega e a gente não pensou. Ninguém diz nem até amanhã.
Eu fico mastigando os seus restos na pele. Parece mesmo que eu multiplico na sua língua e nas suas mãos. Parece que eu crio um corpo novo e troco de pele a cada contato. Chega a parecer que é só pele. Mas há muito de cabelo e muita verdade oculta.
Não é isso? Amor e corpo e pele: a mesma coisa.
Você diz pouco com os olhos, como eu. Talvez tenhamos muito a esconder e medo desse espelho que eu tenho em você e você em mim. Você não quer ver a amargura de amanhã e eu não quero ver os sonhos do ontem. Mas você diz tchau olhando nos olhos e rasgando com isso toda a pele, a minha e a sua. Você diz tchau sorrindo como quem tem um cedro de rei na mão – ou um chicote. Você machuca quando diz tchau e fica grande como um deus.
E até ontem eu não sabia que você controlava os sete mares, nem que viajava por eles quando quisesse. Não conhecia o seu tridente e nem nada que não fosse paixão. Eu não pensava que você pudesse ser grande. Não tinha visto direito que seus olhos nasceram muito antes do resto do corpo e que tudo em você é leviano, a exceção do tchau.

quinta-feira, abril 22, 2010

História difícil de decodificar

Depois desses anos de novela eu não devia me assustar com nada. Achei que as séries tivessem temporadas com enredos bem definidos e episódios que valessem neles mesmos. Ninguém precisaria de tanta contextualização assim para acompanhar a história.
Então vieram quatro anos de idas e vindas malucas o suficiente para não justificar qualquer coisa televisiva.
Começou num dia besta em que ele levantou e eu sentei. Depois veio um bombom num dia em que ele teve ciúmes. Foram algumas tardes de fingimento mútuo.
As duas personagens eram complicadas e interessantes demais para que a novela seguisse um ritmo padrão.
Parecia tudo muito tenso e muito grande, quase insuportável.
Declaramos fim de história e seguimos os rumos depois do último dia no muro.
Dois amigos se atracavam num canto escuro e nós decidíamos não passar do ponto. Final super televisivo e cinematográfico para uma primeira temporada.
Passou um tempo e tentamos novamente.
erro número 1.
Passou mais um tempo e tentamos ver se dava.
erro número 2.
E nessa história toda sem pé nem cabeça talvez haja dois componetes sólidos. Paixão do começo e impacompatibilidade do final.
E o tema mesmo não são gênios, são corpos.

quarta-feira, abril 21, 2010

Mariana XXXIX

Tinha ficado tanta coisa atravessada
Tanta coisa não dita
Que Mariana quase confessou ao cachorro
que doía cada vez que um Lucas
Era carne
E queria ser posse
em trocas de saliva com ela.
O cachorro soube apenas
que corpo esponjoso e mucosa
eram coisas sérias
demais
para que Mariana os misturasse
sem envolvimento.
E ele sorriu
para depois sumir.
E Mariana abriu sua temporada de caça ao Cachorro
Pensando que talvez houvesse solução
e esperança
Quando abanassem o rabo e se farejassem
Mas ela não sabia
Que o cachorro faria questão de ser tão etéreo quanto ela
E fugia como mulher.
Os dois se encontravam
E ele se enroscava em outras moças
Então aquele ciúme que andava perdido
voltou a embriagá-la
E Mariana teve raiva
do cachorro
E de si.

Então tomou mais um suco de laranja
com o cara de quem ela não gosta.

sábado, abril 17, 2010

Ciranda


Clarinha disse que ia ser pra sempre aquela coisa e que as duas podiam até morar juntas, que nenhuma panela seria capaz de separá-las. Mas Joana foi mudando de cor e ela e Clarinha se desentenderam mesmo sem ter, assim, tanto contato.
Os cacos ficaram espalhados no chão e o mundo inteiro participou das brigas. Verdadeiro espetáculo ver gritos de duas moças tão bonitas. Nem Clarinha nem Joana sabiam ao certo como tinha acabado aquele laço bonito.
Mas um dia Clarinha disse a Joana que a culpa era das mudanças de personalidade. Joana ficou triste triste e até desabou no chão de chorar. Pensou que devia se moldar a Clarinha, mas esqueceu que as coisas têm de ter dupla face.
Era muito triste pensar que não havia solução.

quinta-feira, abril 15, 2010

Hoje não tem revisão

Se você quer saber, hoje eu nem vou escrever nada no word. Decidi, boba e imatura, que vou ser sincera de uma vez por todas. Disseram que a gente não pode muito falar de escrita, o leitor acha chato e a angústia é só minha. Que se exploda!
Não quero agradar ninguém.
Não vem, também, agora dizer que está acostumado com doçura e reclamação ou outra coisa, pois este post foi pensado metalinguístico no meio de um cigarro no meio da tarde quando eu não devia estar fumando e muito menos pensando em blog.
É que a cabeça da gente não tem freio e a gente acaba pensando fora de hora em coisas óbvias. Pois hoje eu preciso confessar que eu minto todos os dias e que a primeira pessoa é uma fuga muito segura. E que as verdades a gente inventa personagens pra dizer. E que muitas vezes nem é nada disso.
Aquele cara bigodudo falou há um tempão que a verdade é uma moeda gasta, quase sem valor.

Acho muito justo dividir a angústia do dia, que nem é tão grande e nem é tão grave. Porque você não sabe, mas eu aguento tudo e tanto que ser Atlas já nem tem mais graça.
Então eu vou especificar que não sei até que ponto eu estou certa de estar sendo assim tão mercenária.
Tenho cometido falha grave, vendido textos.
Pequei.
Venho pecado há 6 anos, quase 7.
Fui corrompida ainda em 2003 por uma caixa de bombons que nunca veio. Vendo textos desde então, um atrás do outro, com ou sem assinatura, com ou sem estilo, com ou sem paixão.
E hoje, no meio do cigarro, me senti culpadíssima e agora estou debochando. Na verdade(ainda sinônimo de moeda gasta e sem valor), eu não sei por que me sinto assim culpada em ganhar uns trocados.
Nunca fui comunista nem nada (embora meu pai jure que sim e me envie e-mails dizendo nas entrelinhas que eu não devia sê-lo). Sempre estive muito dentro dos padrões pagando de maluca. Na quinta série diziam até que eu era cdf - coisa essa que eu não entendia, já que as minhas notas nem eram lá essas coisas. Só mais tarde eu me toquei de que a culpa era do par de óculos de aro grosso e das lentes muito fundas coroando a má postura e a magreza.
Mas é que hoje pareceu meio crime corromper o sagrado trocando dinheiro por letras que deviam ser moldadas em saliva, corpo e paixão. Nada de dissimular, inventar, medir...
E acrise vai até continuar e o sagrado vai permanecer sagrado se assim o for, mas eu precisava encher este quadro de edição com palavras impensadas enquanto pensava mesmo em mim.

quarta-feira, abril 14, 2010

Mariana XXXVIII - Segunda temporada

Quero parar de falar de Mariana,
Mas os meus pulsos frágeis
sequer dóem quando é sobre ela que escrevo
Sendo personagem, Mariana não devia
deixar tanta angústia
na cabeça de sua autora

Disse que saiu farejando o cachorro,
flertando com o cara de quem ela não gosta,
e querendo não se envolver.
Para completar,
recebeu uma carta do bicho papão.
“Você ainda guarda mágoa de mim?”
E respondeu:
“Não. Só não te quero perto.”
E ele:
“Se não quer perto, é porque há mágoa”
E ela escreveu outra carta, que entregou apenas para mim:

“Bicho Papão,
Quando eu te matei não foi por mal, nem foi físico.
É que eu não agüentei vê-lo beijando a minha irmã, a minha prima e aquela outra Camila.
Depois também teve a cena de você com aquela atriz fazendo tanta verdade no sexo (que você quis que eu cresse) cênico...
Não sei entender teatro.
É que eu engoli todos os sapos sem nunca ter comido nem perna de rã.
E eu te falei que estava com ânsia de vômito, mas você não saía da minha frente! Falou que sem mim ia encher a cara de maconha.
Tanto discurso!
Detesto palavras bonitas, Bicho Papão. Foi um tiro. Só pra nunca mais as minhas mãos tremerem.”

domingo, abril 11, 2010

Alice

Passou a páscoa e não nos vimos. Me vesti com as palavras mais bonitas e me perfumei com doçura. Fiquei até feminina demais. Passei maquiagem e esqueci que a minha onda sempre foi meio intelectual.
Caí na besteira de querer dizer logo que eu sou meiga, achando que você agüentaria. Mas eu devia ter ido na de sempre. Jogos sem beicinho. Sinceridade aparente. Tapas. Bando de frases rasgadas e muita briga. Xingamentos. Devia ter ofendido cada uma de suas gerações.
Nesse corpo aqui não mora princesa nenhuma. Mora um bicho agressivo que vive de garras à mostra. Mas depois daquele outro ter dito eu-te-amo, o bicho amoleceu e eu fiquei menina. Mole mole, receptiva até com a carência. Achando mesmo que os contos de fada estão aí pra ser vividos.
Foi bom você aparecer assim, de verde. Dizer que não me obedece nem nada. Mostrar que meiguice nenhuma vale e que o feminino é forte. Que o feminino existe mesmo quando a gente pula aqueles muros que os fortões têm medo, mas que ele não era aquela coisa morna que eu tinha pensado antes quando estava crendo em contos de fada.

sábado, abril 10, 2010

Mais um pouco de raiva

Eu te esperei de besta porque eu sabia que daí não vinha nada. Eu disse mais besta ainda que você é um idiota e você veio dizer que eu me vitimizei dizendo que sou inocente. Mas você não entende que a inocência vem da crença em coisas dando certo e a importância de um beijo de adeus. Você não entende nada com esse romantismo avesso da praticidade.
E você é literal demais pra esse tanto de ternura. Acha que é tudo disputa de poder e não admite sentimento. Não admite qualquer folga. E não me admite. Sai pisando nos astros distraído, sem saber que a aventura dessa vida é sentimento puro que não se engole por que não se agüenta.
Não me agüenta e principalmente não sabe como me querer, mesmo sabendo que essa coisa pequena e gasta e feminina te atormenta mais que as outras coisas. E talvez por isso o medo. Talvez por falta de quem diga.
Você precisa ouvir só as piores partes. É pra poder ir embora com um mínimo de culpa e crença numa força minha que não existe.

quarta-feira, abril 07, 2010

Mariana XVII - Segunda temporada

A verdade é que o cachorro
não esperava nada.
E nem queria entender.
Mariana o tinha ferido sem saber
quando ainda usava a placa de "love for sale".
Ele disse que já a tinha visto

antes de placas.

Quando ela ainda estava ligada apenas ao homem que não adjetivava.
Quando ainda era óbvio.
Quando ela nem sabia que ele existia
Ele já via.
E essa ternura posta na mesa
foi um soco em Mariana
E lhe secou o pulmão.
Sem respirar, ela pensou no cachorro
como muito mais que um bicho.
Ficou tão sentida
Que quis que o italiano aparecesse
abriria até mão do não
que tinha feito só para ele.

Depois chorou.

segunda-feira, abril 05, 2010

O dos pássaros

Daqui a pouco eu começo com aquele tom de auto-ajuda de sempre (de quem acha que pode dar conselho sobre tudo). Mas não some ainda não, que eu vou sentir falta do seu cheiro.
As coisas não precisam pesar e talvez eu até arranque seus pêlos com as mãos para guardar numa caixinha.
Não quero mais saber de nenhum beijo em nenhuma boca vazia. Hoje a salada-mista só vale com eu e você. O resto do mundo é café com leite.
De um jeito ou de outro, eu não vou te amar. Não tenho medo dessas coisas não. Mas depois daquele outro ano, nenhuma coisa faz tanto sentido e eu acho que não consigo ficar de novo sem respirar. Eu sei que você também já entendeu como funcionam essas coisas de dor. E você também pôs fim com medo de morrer sufocado. Também teve medo do calor e chorou.
Também acha que um dia o tempo volta.
Mas você, como eu, preferiu voar.
Não sei agir depois de tanta entrega – só sei sumir.

sábado, abril 03, 2010

Se o príncipe me liga

Talvez ele me procure de novo - pelos livros, pelos discos, pelas fotos, pelos filmes. Por conta de uma palavra ou outra muito mal posta e daquele humor sarcástico e doce que eu apresento quando não quero mostrar a cara cheia de lama.
Mas ele não entende nada de pele e não conseguiu chegar nas minhas estruturas, nem nos problemas. E não tem a menor graça se não tem problema. Mas talvez ele queira mesmo aquela coisa morna que ofereci junto com os lábios para não ter que dizer não.
Ele não entende nada de contato e talvez não possa nunca segurar um furacão. Então talvez com ele eu passe a vida sendo humor doce e ácido e nada de mim mesma. Nada de me dissolver ou derreter ou sambar ou gritar ou dizer não.
Por que ele é doce e talvez mereça o céu inteiro para ele, junto com todos os abraços e os beijos lentos. Nunca um não. Talvez ele tenha sido feito em molde de livro infantil e eu não tenha sabido reconhecer ali o príncipe das histórias. Mas eu tenho certeza que ele tem um sapato de cristal escondido em algum bolso e que o número bate com o pé da mulher que ele quiser.
Não vão faltar sorrisos, mas talvez faltem mãos e flores e fluidos. Talvez ela não queira laço, como eu não quis. Mas se ele procurar de novo, eu não digo não. Não tenho medo nenhum de afogamento.

quarta-feira, março 31, 2010

Mariana XXXVI - segunda temporada

Mariana não podia mais olhar na cara do ombro
sem um tanto de raiva
um tanto de medo
e sem se perguntar por que não tinham funcionado.
Flertava com o cara de quem ela não gosta
E tentava entender a história toda
Como se houvesse princípio e fim
Como se não fosse tudo cabeça de Mariana numa bandeja de prata
E sangue.
Nem o flerte era natural.
Tinha raiva do italiano
E de si
Queria não entender tudo
chutar o balde
gritar
Tinha emoção lhe enchendo a boca
E tanto peso por tantos homens
que quis ser só
mesmo que ninguém tivesse ligado
depois da placa que ela deixou pelas ruas
oferecendo recompensa
para quem encontrasse seu não.
E, refletindo,
topou com o cachorro,
mas não abanou o rabo.
Pediu que ele entendesse que ela já não podia
Querer bem a ninguém.
Mesmo bichos de estimação.

domingo, março 28, 2010

Antes de ter falta

Vai dizer que é tudo a mesma coisa e que nenhum vício se justifica. Vai dizer que a pele é muito pouco para tanto e que essas coisas são vazias. Vai mandar que eu me cale e bater com chicote, forte, porque mulher não pode ter desejo se não tem filho no bucho. Depois ainda vai dizer que a coisa do piano é besteira e que nenhum sonho vale nada.
E vai mandar que eu me cale e vai me trancar no quarto, chorando. Vai esquecer todas as datas e vai sair de casa dizendo que não volta. E eu vou grudar nos seus pés e tentar sugar um resto de mel das orelhas. Vou arranhar suas coxas tentando fazer você ficar enquanto finjo que sou gato.
Você então vai cuspir no chão para não me cuspir na cara e vai me olhar dum jeito que fique claro que eu não sou mais que poeira. Então eu vou mergulhar em mim e sentir muita angústia. Vou cortar cebolas pra justificar o choro, mesmo pensando que não devia nunca chorar de amor. Vou deitar em concha pra tentar sentir braços em volta de mim, mesmo que meus.
E todas as noites eu vou procurar aquela colcha de pele que você fazia quando me imprensava num canto sem se preocupar com meu espaço e com a minha coluna. Depois, vou ficar amarga e parar de olhar para os lados.

Mas chorar?

Depois de acostumar com a falta eu não choro mais.

sexta-feira, março 26, 2010

clímax

O ápice é sempre sem beijo. Alguma coisa faz brotar ternura no peito, então paixão desembestada e crua. E só é forte e grande se por um momento parece que nada da carne importa, porque os olhos estão ali.
Tudo fica sendo coisa de mão, vontade de ouvir e de contato sem pretensões imediatas de orgasmo. Toque para abrir camadas, estreitar laços, fazer carinho, encharcar o peito de afeto.
Sempre parece que ternura eu não agüento. A parte que queima é muito mais fácil do que a parte que adoça e fecha a garganta.
E quando as coisas são doces e densas, parece que qualquer toque é puro e definitivo.

quinta-feira, março 25, 2010

Mariana XXXV - Segunda temporada

O meu telefone tocou.
- Aline, houve um terceiro Lucas.
E eu sabia o que significava isso:
Mariana começava a fugir do Italiano.
- Não sei por que me meto com esses homens
que tem nome próprio e letra maiúscula.
Jamais houve Lucas que significasse, Aline.
Esse mesmo parecia tão singelo
que eu saí correndo desembestada para não subir na moto que se tornaria cavalo branco.
Nenhum Lucas pode ser príncipe.
- E o Italiano?
- Sumiu de novo, na segunda vez. E eu só estava preparada para entender sumiço depois da terceira.
Então Mariana desligou seu telefone para que nenhum Lucas ligasse.
E foi procurar seu não de estimação
que continuava sumido.
Quando ela viu o Italiano pela terceira vez
E quis crer que seria para sempre.

segunda-feira, março 22, 2010

A Vacaí

Meti duas tranças no cabelo e fui ser criança na casa do meu pai. Eu e meus dois irmãos pequenos. Davi, que estava com febre e Heitor, que estava carente. Os dois montaram nas minhas pernas logo de cara para ouvir histórias.
Foi O menino maluquinho, a Chapéuzinho Amarelo, um começo de Pequeno Príncipe e depois o Homem-Aranha no youtube. Davi, mesmo com febre, era o mais agitado.
Minha madrasta insistiu que me deixassem estudar, mas eu nem ligava para os compromissos. Foi ficando tarde e os dois foram ver TV. Estudei pouco. Heitor disse que o Mister Maker era o máximo e eu fui conferir.
Cama de casal. Crianças. A TV ficou esquecida. Começamos a pular e a rir e os dois me fizeram de cavalo. Tentei ensiná-los a dançar macarena, mas a coordenação motora deles não passava de “tu cuerpo balança alegria e coisas buenas”.
Então, surge a madrasta – que é bicho estraga prazer – pra dizer que era hora de acalmar. Deitaram os dois e eu leria mais uma história. Nem bem comecei e eles levantaram da cama. Tentei continuar e eles pulavam.
A madrasta entrou no quarto.
- Heitor e Davi. A história que a Nini conta é igual a do papai. De ouvir deitado. Se não obedecer eu chamo a Vacaí.
- Quem é Vacaí? – perguntei e ela disse que depois contava.
Os dois dormiram e eu fui caçar a tal da Vacaí.
- Aline, é muito simples. Outro dia, Davi estava na beira da cama e seu pai gritou: vai cair! Vai cair! Vai cair! Davi achou que fosse um monstro, a Vacaí.

sexta-feira, março 19, 2010

Mariana XXXIV - segunda temporada

Quando Mariana começou a me contar, nem quis ouvir.
Mas ela estava tão radiante
Que nem pude botá-la no chão.
Minha amiga disse que os dois pensavam parecido
e que ela estava perdida,
mas que não se apaixonaria.
Ele já tinha explicado as regras do jogo.
Três encontros seguidos próximos no máximo
depois deviam ser ao menos três semanas sem se verem.
Assim, protegiam-se das armadilhas de um eventual envolvimento.
Me assustei com um acordo tão frio,
mas Mariana parecia satisfeita em crer
que podia não mais se envolver.
Sabia, até, que o italiano não valia nada
E por isso estaria em seus braços
sem nem querer saber onde se enfiou o não.

terça-feira, março 16, 2010

Sem drama

O tesão foi todo pelo ralo junto com aquele aviso de fim. Ficou vontade de abraço e carinho. A primeira ternura boa de sentir.
Dessa vez não dói.
Parece mesmo que apareceu alguém no mundo que entende o que se passa nessa cabeça de cá.
O contato que eu fico querendo é fresco. Básico.
Talvez haja pontadas de ciúmes na sala.
Jamais houve não que viesse em melhor hora.

É. Ainda não deu pra crer.

Estou com uma vontade danada de mandar flores ao delegado e de bater na porta da vizinha pra desejar bom dia, de beijar a tia do boteco da esquina. Por que hoje, apareceu no site da ufes que eu ganhei um prêmio.
E pode ser, sei lá, que seja engano.
Mas, enquanto não descobrem isso lá em cima, eu grito entendendo mais ou menos o que quer dizer felicidade clandestina. Dessas felicidades grandes que eu não sentia desde que eu passei no vestibular.
Veio de longe, mas é minha por que eu busquei.
Contei pra minha mãe e ela disse que eu devo ter puxado meu avô. É claro que ele escrevia bem à beça e que é muito injusta a sua falta de fama.
Mas, com todo o respeito, não puxei Anphilóphio de Oliveira não senhor. Ele escrevia soneto e eu me dou muito mal com versos.
Não vou dizer que não tenha tentado ou que não ache importante. Não tem outra forma de aprender ritmo que não seja contando a métrica.
E nem é falta de paciência ou aptidão para artesanato, mas a minha metáfora é fraca e eu não tenho talento pra palavras tão fortes em verso.
Meu lance é mesmo contação de histórias e volta e meia conversa.
Diálogos delirantes.
Meu lance é delírio e jogos de palavras. Brincadeirinhas verbais que se lêem aqui e lá e em cadernos soltos pela minha casa.
Um poema ou outro fica engasgado e desce sem querer, mas eu sou toda prosa.

sábado, março 13, 2010

Dos galhos e das safras

Chega a ser curioso quando, num conselho, suas amigas dizem que é melhor não se apaixonar. Decerto, parece uma decisão prudente e lógica. Principalmente se considerarmos toda a lama que as paixões inventam de fazer no cotidiano.
Se você não se apaixona, não se atrasa, não dorme em serviço, não sonha acordada, não chora de noite nem nada. Se não se apaixona, vai logo arrastando as coisas e nem se afeta.
Entretanto, nem parece ser possível decidir sobre isso. Se tem de ser paixão, as coisas te comem logo e a pele da gente fica diferente, o céu também, a cor da rua também. E tudo também.
As pupilas dilatam e muitas músicas resolvem sair da sua boca todas num mesmo minuto. Parece mesmo felicidade instantânea num começo de conversa.
E nesses começos, você nem pensa que quando acaba a gente se estrepa e abre feridas que podem não sarar nunca - ou sarar amanhã.
E quando sara a ferida de ontem, a gente pula pro galho de hoje e canta, e dá bom dia pra todo mundo, e beija pontas de narizes.
E sonha.
Fica nesse ciclo contínuo de coisas. Safras longas, safras curtas, período de descanso da terra.
É na entressafra que as amigas aparecem:
- Não, querida, não se apaixone agora.

quinta-feira, março 11, 2010

Mariana XXXIII - segunda temporada

Foi pouco depois que o italiano resolveu voltar à cena.
Quis logo Mariana de baixo para cima.
Acontece que o Não estava firme com ela
e Mariana resolveu utilizar-se da arte de esnobar.
Disse logo:
- Não combinamos.
E pensou nas pernas recentes do velho amigo.
Mas o Italiano era inteligentíssimo
e não deixaria Mariana escapar.
Ficou doce, próximo.
Fingiu até olhá-la de cima para baixo.
Então o Não foi ao banheiro
E Mariana sentiu o cheiro.
Caiu.

segunda-feira, março 08, 2010

On the road

Então é isso: acordo de cavalheiros. Não fico par nem ímpar, mas na corrente. Corremos por todos os lados. Contra Deus. Contra aqueles caras.
Eu entro com a faca e você entra com o corpo.
Eu uso as pernas, você usa os braços. Você bate enquanto eu uso mini-saia para distrair o guarda.
Acende o cigarro da moça e eu ajeito o batom.
Você não percebeu ainda o quanto somos bonitos com todo esse instinto assassino.
Seguimos a regra de três e pronto. Nada de embriaguez. Seremos absurdamente racionais, com nossas facas, nossas brigas, suas idéias.
Você entra de sola e eu entro de salto.
Acho que depois a gente entra em cana, mas nada...
Você masca o mundo feito chiclete e eu estouro as bolas.

sexta-feira, março 05, 2010

Os medos da Clarice

Carlos,
Eu sei que tenho até certo charme e que você gosta dessa proximidade. Mas não me deixe te estragar, por favor. Sou melhor observada que tocada.
Muito mais prudente não se misturar.
Não deixe que eu te adivinhe. Suma. Depois volte como se não fosse nada. Finja que dá importância para as minhas crises e não negue colo nunca.
Então finja que eu só falo besteira e deixe isso evidente.
Depois fique perto perto a ponto de eu achar que somos a mesma coisa. Então grite. Depois peça desculpas.
Só não me obedeça. Só não chegue perto demais.
Não quero que você vá embora.
A paranóia daqui é grande por que eu tenho medo bilateral.
Saudades,
Clarice

terça-feira, março 02, 2010

Mariana XXXII - Segunda temporada

Então o não deixou Mariana solta
quando ela resolveu ir ao dentista
Foi o tempo certo de fugir
para as pernas do velho amigo.
Vaziíssima, Mariana representava
como num palco
tentando ser discreta.
Eram dois corações desgastados
em seus próprios braços
um amontoado de gestos ensaiados,
pernas misturadas,
dança,
Nenhuma mísera lasca de esperança.
- Não vai ter paixão, velho amigo. - ela disse.
- Conheço bem as peças do meu xadrêz. Seremos frios. - ele bradou durante um cafuné.
E Mariana se traiu.
- Se isso é um jogo, combinemos de não sacrificar a dama.

Mas Mariana largou a representação de lado e fez-se dura.
Despediram-se como se nunca mais fossem ver-se.
E ela voltou a dar o braço ao não depois de ter o dente obturado.

domingo, fevereiro 28, 2010

Desses começos

Outro daqueles textos velhos que eu acho e posto.
Esse é de dezembro passado.

Pratico todos os dias um canibalismo conseqüente. Mordo orelhas, ombros, pescoços, cantos das minhas próprias unhas. Essa ferida que você me fez eu lambo para ver se seca, se some, se é verdade que saliva tem poder cicatrizante.
Enquanto eu como as unhas, você não liga. Enquanto eu passo as unhas em todas as pequenas feridas que acumulo, você some. Então eu sangro por todos os lados sem canibalismo nem nada. Nem agüento assim tanta hemorragia. Nem agüento mais nada sem você do lado.
Fiquei besta. Fiquei tonta. Me explica onde eu esqueci aquela razão que sempre me deu tanto orgulho. Minha lógica está morando onde, mesmo?
As músicas mudaram de gosto e eu queria muito mesmo saber tocar piano. Praticaria todos os dias aquela nudez renascentista e musical, tocando todas as coisas. Óperas, sambas, tangos - qualquer coisa que coubesse em teclas. E tocaria suas pernas. Dedilharia todos os pedaços e depois beijaria os braços, o nariz e as pontas dos dedos – arrancando notas. E meus dedos percorreriam seu rosto com meus olhos fechados, como para decorar o caminho. Te tocaria em cada ponto de corpo com muitas músicas ao fundo.
Então seria sua vez de tocar acordeom na minha cintura, entender a dinâmica de tudo. Decorar os meus caminhos só para depois inventar rumos novos, novos truques, esquecimentos.
Mas eu como unhas, não toco piano e você não me liga.

sábado, fevereiro 27, 2010

Mariana XXXI - Segunda temporada

Ele disse
Te amo, Mariana.
Ela perdeu a voz.
Não acreditou e não acreditaria.
Tinha que esperar pra ver
se o ombro
não queria só mantê-la fiel enquanto se acertava em outros cantos
Passou um mês e Mariana estava ainda pensando em paixão.
O ombro sumiu com as frases feitas no bolso
e ela ficou com pessimismos
e flertes avulsos

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Tia Paquita

Baseada em fatos reais



Espanhola de família, Paquita cresceu no interior do estado do Espírito Santo. Casou-se com um filho de italianos, Lucas. Conheceram-se por que ela quis. Era dele a voz bonita que dizia "senhores passageiros com destino a não sei onde, embarquem na plataforma em cinco minutos".
Paquita ouvia aquela voz e quis saber quem era o dono. Foi da cabine ao altar.
Lá pelas tantas, resolveu aparecer na tv uma tal Xuxa que cismou em chamar suas assistentes todas de paquitas. Foi aí que começou a zona.
A Paquita tinha que explicar sempre que era Paquita legítima, de cartório, e aguentar espantos ao dizer o nome. Sempre lidou muito bem com isso, apesar de tudo, exceto nos dias de mal humor.
Paquita está já na casa dos mais de cinquenta menos de sessenta. Fez inclusive uma tatuagem dia desses, quando estava de saco cheio das próprias pernas sem figuras.
E nem faz muito tempo, ela foi ao banco receber a aposentadoria. Chegou lá, enfrentou fila, perdeu um pouco da paciência e finalmente foi atendida. Deparou-se com um desses caixas engraçadinhos.
- Mas é Paquita mesmo?
- Sim, Paquita.
- Da Xuxa?
- Claro! Aposentei-me, vim receber.
Então andou dois passos para trás, pôs as mãos na cintura e cantou em alto e bom som, no meio do do banco com as pernas em pêndulo, uma, depois a outra, em chutes altos.
- Ilarilariê ô ô ô! Ilarilariê ô ô ô! Ilarilariê ô ô ô! É a turma da Xuxa que vai dando o seu alô!

terça-feira, fevereiro 23, 2010

De amizade falecida


Coisa chata isso de amor. Resolve que coça num dia, resolve que dorme no outro. Resolve doer numa visão besta cheia de falta de contato.
Coisa estranha isso de ausência e esse fingimento de integridade e completude quando a base nem me olha na cara. Passa e vira, finge que sou fantasma. Finge que não incomodo, quando a verdade é que qualquer música do Chico ou alguma risada besta madrugada a dentro lembram que eu ainda existo.
Nem falo de pele não. Existo forte na cabeça, com Chico, com chaga, com casca, com Drummond e Bandeira e volta e meia Augusto dos Anjos.
Nunca mais vai ler Viviane Mosé.
Nunca mais pra não ter na cara que a falta que eu te faço é a mesma que eu sinto.
Mais fácil continuar bebendo, enchendo as fuças de outra coisa não tão amiga e não tão cúmplice. Qualquer coisa não verdade, que verdade demais incomoda e parece qualquer coisa ofensiva, mas nunca carinho. Nunca ternura. Nunca o que eu fui pra você por todas as ligações e os anos e as linhas de peças de teatro.
Não aprenderemos a sambar como gente prêta, que minha mulatice e sua loirice não são páreo para esses quadris.
Ninguém vai dizer o que você não gosta de ouvir. Ninguém vai estar lá. Ninguém vai conseguir entender esses gritos da mesma forma que entende os sorrisos.
Completude a gente não vai ter mais, sem uma à outra.
Risada não vai ter mais do mesmo jeito.
Da última vez foi um abraço perguntando de ódio. Abraço bêbado.
Caí logo de cara, que não sei mesmo lidar com isso de ternura. Mas como é que depois de tanta dor eu vou confiar de novo?
Sobrou a pedra da Fafi.

domingo, fevereiro 21, 2010

Mariana XXX - segunda temporada

A menina atemporal
arrumou tempo para trabalhar o despudor.
Sem medo, Mariana encontrou por aí aquele cara de quem ela não gostava
(o mesmo que deu início à sua novela)
Então ela, que não mais se desespera,
flertou sem qualquer culpa
com o sarcasmo de quem ela ainda diz não gostar.
O grande problema foi que
já na boca da fera
ela disse não.
Queria o que?
só no início da novela ele era
a boca do leão.
Mariana e seu não andaram então
dignos e vazios
por mais uma transparente escuridão
- sem fuga de ombro.

Para não falar nada

Tela em branco e eu transbordando. No corpo, feixes de ondas, luz e transes involuntários. Nada de palavra e uma ânsia doida de escrever qualquer coisa.
Vale a marca do lado da boca. Um vermelho aqui. Um roxo ali. Uma pancada dessas feitas em quinas baixas.
Memória de cheiro parece coisa muito impalpável quando eu mesma tento e nada vem em baixo do nariz.
Algumas coisas conseguem ser mais bonitas do que parecem. Precisam ser vistas com luz baixa.
Não quero esconder coisa alguma.
Dizer o que com a boca se é tudo pele inteira?

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

A bela adormecida

Criança ainda, perguntou à fada madrinha sobre o que ouvia nas histórias das janelas:
- Que coisa é fim?
- Fim de que, Aurora?
- Fim que todo mundo diz que dói.
- De amor?
- Isso acaba?
- Se acaba de um lado dói à beça.
E Aurora pediu à fada madrinha que nada doesse. Morria de medo de dor e passou a ter ainda mais medo de paixão. A fada não sabia como paixão podia não doer. Falou que dava um jeito, mesmo sem saber que jeito.
Aurora foi crescendo e o rei e a rainha resolveram apresentá-la à sociedade. As outras fadas vieram todas. Encheram a menina de presentes. Uma deu beleza, outra deu inteligência, uma ainda inventou que Aurora não cheiraria mal nunca.
A fada madrinha foi entrando em pânico, que com todas essas coisas, Aurora não ia nunca ficar sem sofrer, nem sem paixão.
Falou então que a menina morreria aos dezesseis com dedo espetado.
Baniram a fada, mas ela deu um jeito de se comunicar com a princesa. Combinaram que se Aurora um dia sentisse muita dor, a chamaria sem ninguém ver, então o encanto da fada faria com que ela dormisse sem envelhecer até a dor passar.
Aurora ficou tão confortável que se esqueceu dos muros. Deu de piscar os olhos e distribuir sorrisos. Arrumou logo um monte de gente lhe desejando os lábios. Deu-lhos a um ou outro, até aparecer um tal príncipe.
Tiro e queda.
Aurora ficou burra burra. Deu-se inteira e se rasgou. Sentia-se feliz todos os dias. Fogos de artifício dentro dela. Mas o príncipe deu de ter mais o que fazer, foi deixando Aurora de lado e se enfiando em outras saias menos reais.
A princesa quis desmanchar. Acabou tudo e se ardeu em febre. Doía tanto que ela achava que nem podia mais.
Foi quando apareceu a fada madrinha e uma agulha que os pais se esqueceram de esconder. Aurora se furou com gosto e dormiu.
Acharam que com beijo de príncipe ela acordaria, mas nada. A fada tratou de botar ali um dragão pra dar um jeito de a menina dormir com seus dezesseis anos super duráveis.
Foi passando o tempo e a dor ficou cozinhando ali até quase passar. Faltava a cartada final. Dragão dormiu estrategicamente e um príncipe inconsequente resolveu beijar Aurora pra ver se ela acordava. Matou o dragão para contar vantagem.
Aurora acordou meio zonza, sem bafo graças ao encanto da outra fada. O príncipe era simpático e o sono ensinou que estabilidade era coisa boa.
Nunca mais quis saber de paixão.
Casou com aquele mesmo e inventou de ser feliz para sempre.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

A menina dos poemas

Cecília escrevia todos os dias. Vício mesmo. Tentava muito com versos, mas um dia percebeu que não conseguia nunca não ser confessional. Confessional por confessional, resolveu escrever uma carta aos amantes e pregar pelas paredes da cidade.
Dizia muito claramente que era absolutamente psicopata, que investigava vidas alheias, que queria saber de todos os detalhes de todas as coisas que escapam às outras pessoas. Peguntava de cada amante a cada pessoa conhecida e discreta que tivessem em comum. Fuçava passados, olhava os astros, jogava i-ching e fazia mapa astral.
Completamente paranóica. Cecília não gostava de coisas que não podia prever. Então inventava as próprias histórias de amor pra depois chorar sozinha.
Chegou a um ponto em que nem sofria. Era ela, suas histórias e as muitas investigações.
Jamais se sentiu culpada, tinha técnica apuradíssima para que ninguém soubesse o tanto que ela sabia. Acabavam falando mesmo, então vinham mais detalhes.
Quando pregou nos muros a confissão, ninguém nem acreditou.
Cecília era doce demais.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Se eu fosse Drummond

Parece que faz muito tempo, mas não tem nem quinze dias. Um arquivo aqui e outro ali que abro por acidente, então enxurradas de memória.
Perguntei por que os dias tem passado assim tão devagar. Ando completamente sem noção de tempo.
Parece que faz muito tempo que eu disse alguma coisa pela última vez. Parece que foi ontem que eu senti todas as coisas.
Não tenho dormido bem, por mais tempo que dure o sono.
Ando sem referência.
Pedaços de Aline aos quatro cantos da cidade.
Enforquem e esquartejem!
É pra servir de exemplo daquela máxima fatal:
proibido passear sentimentos.

sábado, fevereiro 06, 2010

Mistura

Não foi o que você disse quando disse não. Não foi o corte arterial de um eu te amo. Nem os sorrisos nos horários certos ou a visão de outras pessoas de mãos dadas.
Abri um pote de plástico grande na garganta e fui enchendo de raiva, paixão, sal, mel, vinagre e lágrima. Ferveu ali mesmo. Misturei sangue e mágoa.
Eu estava dormindo quando transbordou.
Não foi acúmulo.
Sem querer a cerveja caiu no tal do pote e ainda assim a mistura se manteve densa.
Quando vi, já estava do avesso e o pote era o centro de todas as coisas muito mais que a pele.
Os pêlos contavam histórias com mímica. Balé de arrepio em meus braços.
Não foi o vento.
A mistura toda derramou quando eu fiquei parada. Dormi. Sacudi o pote involuntariamente e a densidão não segurou o fogo.
Podia ter explodido, mas caiu.
O sono resolveu rever os ingredientes pra fazer análise e entender o surgimento do pote. O plástico amoleceu e descobriu-se que o problema era a fragilidade falsa da base de tudo.
O pote se manteve intacto.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Biotônico fontoura

Disseram que os cabelos ocultam a verdade.
Cortei.
Sempre há problemas.
Vida mesmo.
Vamos crescer?
Eu sei que essas coisas de gente grande resolvem todas doer um tanto, mas eu não tenho mais medo de escuro.
Tem vela na bolsa, esqueiro, celular, lanterna.
Não pode nunca ficar sem família. Nem sem peso.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Migalhas

Pensei que a bola na garganta fosse só fumaça demais. Mas esses sentimentos são muito físicos
paixão na bariga. Nojo na garganta. Raiva na cabeça.
Não sou capaz de engolir tanta mentira.
Dei corpo, alegria, veias saltando e a voz já nem resta.
Foi gota d'água toda culpa fez sentido. Down on me. Down em mim.
Banheiro nem foi igreja de nada.

Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.
Vamos que é hora de cortar o cabelo.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

cola

Quando aparece pesa grande e inventa uma bola na garganta. Fica fazendo volta, jogando redes, envolvendo meu corpo sem dedos e com dedos e com máscaras.
As marcas ficam e depois vem culpa.
Dor.
Quando inventou de existir botou logo fogo só para incomodar depois não dar em nada.
Mas é que quando você não existe irrita tanto.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Outro fim

Um esqueiro vermelho, um cigarro sendo aceso e uma raiva gritante nos olhos dela. Ele na frente. Palavras soltas sem nexo para qualquer pessoa de fora. Alguma coisa de choro e a maquiagem dela borrando.
Seria fim.
Ele disse que deviam ser amigos, que ela era maravilhosa. Que talvez não fosse o momento certo de as coisas funcionarem. Ela quis xingá-lo de todos os nomes depreciativos que lhe vieram à cabeça, mas manteve-se muda.
Depois falou de dor e de pedaços arrancados dela mesma a cada fim. Disse que amor é coisa que marca e que teria graves problemas com as reverberações deste ainda atual que seria fim em cinco minutos.
Ele disse que ela era das mulheres mais bonitas do mundo.
Ela disse que isso não adiantava coisa alguma.
Ele negou.
Ela perguntou de que servia ser bonita.
Ele ia responder quando uma castanha caiu em cima da cabeça dele vinda especialmente da árvore que ficava acima da mesa.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Janeiro

Incômodo constante.
Da próxima vez eu pedalo e pronto, sei lá. Faço qualquer coisa que não envolva angústia.
Talvez a Marcela tenha razão e eu seja mesmo uma descompensada.
Vou tentar guardar as coisas no peito até fritar tudo.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Diário de férias

A Shelha disse que eu devo ser o Darth Vader ou a prima da Bruxa Má do Oeste, mas não é bem assim. Sou super amiga das crianças. Praticamente uma delas - me camuflo bem graças à estatura. Ontem mesmo, fui de guia no dia em que as crianças iriam à Sal & Mel pela primeira vez desacompanhadas. Nenhuma reclamou da minha presença.
Eram 4: Pedro, 10 anos, Guilherme, 9, Rafaela, 8, e Carolina, 10. Todos muito limpinhos e nenhum sinal de catarro. Fomos amontoados no carro e eles escolheram a mesa. Eu estava de espiã dos adultos.
Foram lá montar a pizza sozinhos. Eu estava deixando, mas resolvi dar uma olhada e percebi que não havia molho de tomate. Avisei que era a primeira coisa a se botar numa massa de pizza, ensinei como fazia e voltei ao meu lugar. Quando percebi que demoravam, fui ver o que acontecia e a pizza não tinha queijo. Desrespeitei o poder ultra-jovem e taquei queijo.
Me agradeceram depois - eu tinha razão em dizer que pizza sem queijo não tem graça. Depois eles se encheram de sorvete e voltamos à pé, juntos à beira-mar.
Hoje minha companhia matinal foi Guilherme. Lemos juntos 30 páginas d'O Mágico de Oz. Depois, quase na hora do almoço, decidimos ir à praia e fomos nós dois - sem pai nem nada. O pai do Guilherme até estava na praia, mas foi comigo que ele entrou no mar.
Depois fui ensiná-lo a arte de cavar poças de areia. Não é necessário se espalhar muito. O importante é escolher um ponto e cavar o mais fundo possível. Não se pode estar perto do mar, a não ser que haja vontade de que a poça dure pouco. A distância deve ser pouco depois da marca do quebrar das ondas. Então se cava e cava e cava até que a areia caia no buraco cavado por vontade própria. Então retira-se os excessos e se cava mais até que caibam pessoas dentro da poça.
Rafaela tentou dizer como fazer uma poça. Tinha a autoridade dos seus 8 longos anos. Avisei que eu já fazia essas coisas antes dela nascer. Então cavamos e eu fui ficando areia pura. Praticamente um monstro... Sem nem pensar em nada...
Depois fomos ao mar e o Heitor quis mergulhar no fundão (talvez para afirmar sua condição de rapaz de 3 anos). Eu jogava ele na água depois pegava. Então a Rafaela foi junto e eu jogava o Heitor pra ela. O menino quase nadava. Ficou feliz da vida. Nem quis ir embora.
Todos estávamos felizes da vida.
Eu tinha esquecido que ser criança é bacana assim.

sábado, dezembro 26, 2009

Mais um começo de verão

Os que acompanham este blog há algum tempo já sabem: verão é tempo de incomodar crianças. Tenho sido vilã de alguns verões registrados por aqui. Faço maldades como desligar a tomada do playstation e roubar a cadeira da cabaninha. Então, as crianças gritam em coro que a Aline estragou o verão.
Ontem lembrei-as disso na mesa de jantar e soltei (sem pensar em nenhum plano maléfico) que já sabia como fazer para estragar o atual verão. Meu irmão José já avisou que se eu desligar o PSP não vai adiantar nada por que o jogo fica salvo. Meu primo Guilherme fez cara de mal.
Então eu insinuei que poderia esconder o negócio e os dois avisaram que esconderiam antes.
Eu acho que toquei o terror.

Verão é tempo de rir à toa.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Açúcar

A gente deitou na varanda e ficou fazendo nada. O céu todos os dias continua céu e eu nunca soube dividir isso com ninguém. É muito importante olhar o céu da janela e reconhecer uma ou outra estrela, falar da lua.
Olhava o céu da varanda e pensava em como as nuvens se ajeitaram entre um brilho e outro e em como a gente se ajeitava entre uma vida e outra. Dois universos inteiros se misturando sem nenhuma responsabilidade.
Eu queria saber quem é cachaça, quem é limão e por que, raios, precisa de tanto açúcar?!
Da próxima a gente tenta uma mistura nova. Eu fico sendo água tônica, você fica sendo gim e a gente arruma algumas gotas de limão. Depois eu fico sendo vermelho, você fica sendo amarelo e a gente inventa as outras cores.
A gente deita de barriga pra cima e olha pro céu. E pronto. Depois a gente anda molhando o pé no mar.
Depois a gente come até explodir.
E se abraça.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

Meu caso com a playlist

Impressionante a cadência dos ritmos em uma playlist. Algumas coisas simplesmente encaixam e o automatismo do computador capta muito de sentimento. Tanto mais que a tranca da porta. Tanto mais que os carregadores ou as tomadas.
Estou elétrica.
Há quatro anos shampoo anti-caspa significava algo completamente distinto do que sinto agora. Não são caspas. Há uma semana ver o dia nascer tinha outro sentido. Sempre esperança.
Desde pequena.
Eu costumava pular na barriga do meu pai para olhar pela janela os começos de claridades. Nunca fui lá muito de dormir.
Eu sou elétrica.
Dizem por aí que existe algo de pilha correndo com meu sangue. Mas a bateria aqui precisa de um pouco de férias e de sentir por fora o que sente por dentro.
Ontem eu chorei.
Impressionante que o Windows consiga prever o que eu quero ouvir. Primeiro a Gal, depois o Chico. Por que Anos Dourados significa mais do que qualquer shampoo. E os cheiros dignificam as coisas. Significam a pele.
Algumas coisas simplesmente encaixam e o automatismo do tempo não vai levar nada de esperança. Nem que o dia nasça. Nem que o tempo passe. Nem que as coisas todas acabem e eu precise começar de novo, do zero, sem charme.
Há quatro anos shampo anti-caspa significava uma pessoa exata. Conheci Fabiana cheirando-lhe os cabelos e dizendo ter certeza que aquele cheiro era o mesmo que vinha de outra pessoa. Não é a caspa.
Eu agora uso shampoo anti-caspa e o meu travesseiro tem cheiro de shampoo anti-caspa, manga e suor.
Tudo tem andado tão quente que volta e meia chove.
E eu não gostava de chuva, até descobrir que era eu quem chovia.
Depois o dia nasceu.
As coisas todas acabam em solos de guitarra. Magistrais.
Eu nunca aprendi a tocar piano.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

O fantástico diário de Aline Dias (parte 2)

São mais de trezentas postagens e os problemas continuam iguais. Talvez eu mesma não cresça. Mas isso aqui tudo queima queima queima.
Então, quando eu sou pela metade querendo ser inteira, vem um monte de texto na cabeça. Umas peças de teatro, umas rimas. Um monte de narrativa e tanta carta sem endereço!
Ainda lembro quando mandei uma carta dessas e depois ninguém respondeu.
Tive que puxar da memória a ordem das frases para poder digitar tudo no computador para olhar cinco anos depois.
Quase passaram cinco anos daquela carta.
Os sentimentos dali todos morreram.
Mas é que hoje eu estou tão adolescente que eu entendo quando alguém me diz que odeia e ama ao mesmo tempo a mesma pessoa.
São mais de trezentas postagens sem automatismo.
Continuo sentimental.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

E não minta

Nunca mais eu peço paz no réveillon. Não sei se você viu, mas a cidade se cobriu novamente de luzes de natal e nós estamos apagados. Hoje eu sei que não há nada mais sincero e imediato do que andar descalço pelo asfalto. Noite ou dia. Andar descalço é o cúmulo do contato. Do sincero. Do mundo.
Não vou te chamar para pisarmos ambos na grama ou sentirmos terra entre os dedos; e nem vamos juntos à praia. Um dois três e quatro, dobro a perna e dou um salto. Viro e me viro ao revés. E se eu cair? Conto até dez.
Depois essa lenga lenga toda recomeça. Ninguém que anda descalço vive na ponta dos pés, mesmo que haja sol de rachar e chão quente. Os pés engrossam e hoje eu engrosso mais um pouco por conta da maldita paz que eu pedi no último réveillon e não veio. Não existe vida nova no dia primeiro de janeiro – e eu sei que isso não te parece nem um pouco confortável.
Ficam muitas músicas na minha cabeça e eu queimei a ponta dos dedos com água quente tentando curar uma maldita espinha que insiste em crescer logo ao lado do nariz para que eu sinta dor na face.
Posso sim aceitar que você minta para o mundo inteiro. E você mente. Desesperadamente mente. Mas, por favor, arranque as botas, ponha os pés no chão uma vez. Sinta a irregularidade das coisas e não diga que quem simplifica tudo sou eu. É uma grande mentira. Seja sincero.
Não vai ficar tudo bem amanhã por que eu continuo nas suas beiradas, te corroendo e dizendo coisas que você nem ouviu. Por que não é tão esotérico, mas é sim complicado. Por que nunca é fácil dizer não querendo dizer sim se você não cresceu mulher.
Onde esse dois mil e nove enfiou a paz? A cidade está coberta de luzes de natal e eu não ligo a mínima para qual será o meu presente. Os Beatles vão continuar tocando aqui e você vai continuar tocando aí como se nada.
Por que antes nem havia unidade entre nós dois. Por que antes não havia eu, nem você, nem nada. Só réveillon e uma paz que fica me atormentando por ser uma maldita impossibilidade.
Look all the stars. Diga que hoje ainda vai andar de pés no chão. E não minta.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Crônica da irmã mais velha.


Não adianta procurar. Não tem sentimento mais singelo do que amor de irmão. E quando eu falo, pode saber que é com propriedade. Se tem uma coisa que eu sou, é irmã (tenho 7).
E Eu sou a irmã mais velha, mesmo o Fábio sendo mais velho que eu. Nasci primeiro, depois veio a Marcela de pai e mãe. Depois os pais seguiram rumos diferentes e a minha mãe casou de novo. Com o padrasto, vieram o Fábio e o Caio. E foi o Caio, poucos meses mais novo que eu, quem me ensinou a abraçar pessoas. Enquanto isso, o Fábio me ensina todos os dias como é possível se manter gentil em todas as adversidades.
Marcela é a mais irmã de todas. Implica com meu jeito de vestir, me liga de madrugada quando eu não lhe faço companhia, me ouve gritar com ela no meio da faculdade e ainda me aguenta. Foi com a Marcela que eu aprendi a ser irmã e a comprar brigas. Sendo irmã mais velha, ela arrumava as brigas e eu entrava com os tapas.
Depois vem José e Manoel, só pra eu poder dizer para todo mundo que eu tenho um irmão Zé e um Mané. Nasceram quase juntos, um do pai e um da mãe. Manoel me ensinou a trocar fraldas aos onze anos de idade. José me ensinou que por mais novo que ele seja, é uma injustiça arrancar uma pessoa de frente do computador.
Todos me ensinaram muito sobre crueldade e sobre doçura - por que não há irmão mais velho sem tirania. Acontece que, na casa dos vinte, me nasceram mais dois irmãos.
Quando eu olhava para o Heitor pequeno, eu pensava que nem sabia no que aquilo ia dar, mas que havia um amor imenso no peito que ia durar para sempre. Então eu o ninava, cantando Chico Buarque, e o ensinava a dançar funk e ouvir histórias.
Meses de idade e Heitor amava a Chapéuzinho Amarelo. Davi também. Os dois montam na minha perna para ouvir histórias e ver vídeos no youtube. Mas com esses irmãos eu não moro nem brinco na rua. Não tem puxão de cabelo nem nada dessas coisas de irmão. Fico tirando fotos e achando tudo lindo, com aquele vazio de não ser criança.
Mas aí teve domingo um churrasco de família e eu vi uma coisiquinha de uns três anos e cabelo quase na bunda chamando a mãe dela para brigar com meu irmão de três anos de idade, o Heitor. Fiquei a postos para entrar em defesa. A menina gritava que o Heitor tinha brigado com ela e o Heitor olhava gaguejando para a enorme mãe ao lado.
- Mas é que, mas é que, mas é que, mas é que...
Peguei o Heitor e perguntei o que tinha acontecido. E ele me respondeu, numa altura que a mãe assustadora também ouvia.
- Ela zogou liço no são.
- Foi? E o que você fez? - perguntei.
- Cantei pra ela. Zogue liço no liço, não zogue liço no são. Quem zoga liço no são é porquinho.
A mãe da menina não falou nada. A menina, por outro lado, descascou um chocolate e tacou o papel no chão.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

tentativa de cura para os problemas da primavera

a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima
a vida também
tudo também
mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de nuncaras.
Amar-amaro, Drummond

Um pouco mais de dor na garganta, apenas. Depois a gente resolve a azia. Você precisa entender que as bactérias se reproduzem por cissiparidade. A cada minuto elas dobram dentro de você. Então é bom ficar quieto, agüentar a dor na garganta e não tomar gelado. Vai ser só um pouco, prometo.
Para azia, leite de magnésia ou bicarbonato de sódio. Mas eu sei que é mais complicado digerir coisas do que matar bactérias.
Pra sentimento, entretanto, recomendo livros mais pesados do que antibióticos. Não existe a possibilidade de distração. Para matar sentimentos é preciso manter a cabeça ocupada o tempo inteiro. Jamais tome bebidas alcoólicas. Como com antibióticos, a bebida atrapalha a matança.
Quanto mais filmes, melhor. E amigos. É preciso muitos amigos e flertes. Problemas em casa também funcionam.
Os tratamentos vem sendo testados há séculos e séculos a fio e há quem diga que nem interromper o contato com a matriz das coisas é assim tão eficaz. Nem mesmo os livros, nem nada.
A indústria farmacêutica está em crise essa semana com tanto sentimento. Trata-se de um surto que ninguém via desde o último prêmio da mangueira no carnaval carioca.
Os cartolas, inclusive, disseram que já deram jeito simples de curar amor de carnaval. Cachaça com engov antes, vodca depois. Nem tem paixão que sobreviva à amnésia. Então houve todo aquele marketing sobre pecado e desmistificação dos corpos misturando-se por que é tempo de se misturar.
Mas a indústria jamais lidou bem com a primavera. Os tempos ainda não são tão quentes, há chuva e focos de dengue. Quem é que se preocuparia com paixão se há tanta gripe?
Então segue a primavera sem remédio. E enquanto você devia se preocupar com a dor de garganta ou com a azia, ficamos ambos tentando matar sentimentos com tesoura sem ponta de cortar papel.
Eu juro que se descubro o remédio, registro e te dou parte dos lucros.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

canção de peito errante

"Nos demais,
todo mundo sabe,
o coração tem moradia certa,
fica bem aqui no meio do peito,
mas comigo a anatomia ficou louca,
sou todo coração."
Maiakovsky


Tenho certeza que há um pedaço de peito vagando por aí. Errante errante. Nenhum destino pra peito arrancado.
Dizem que volta e meia ele pergunta onde fica tal lugar e ninguém sabe responder. Nem existe dó praquele peito. Ninguém nem bota no colo nem acalenta.
Então ele se arrasta, melancólico e nada vertical. Talvez ande em círculos, talvez reclame, talvez coma chocolate com a vontade que tu comes.
Soube que por um tempo o pedaço de peito esteve quente, mas que o clima dos trópicos o anda esfriando.
Ademais, nenhuma notícia nova, nenhum acompanhamento.
Acredito que quando for pegar o trem, alguém jante o peito e seu dono fique vazio de vez.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Pequeno discurso sobre a raiva

As coisas só podem ser vistas com clareza quando estamos com raiva. Se os fatos provam o contrário, o problema é deles. Toda frieza do mundo deve ser tirada de filetes de raiva.
Funciona como canudo.
Pegue a raiva do peito e sugue com a boca. Depois mastigue cuidadosamente. Se quiser fazê-lo enquanto fuma, é bom que incendeia.
Para engolir a raiva é necessário tomar cuidado. Raiva empedrada no estômago causa graves problemas de indigestão.
Então não engula. Rumine. Masque a raiva feito chicletes. Jamais faça bolas. Não é necessário explodir. Apenas sinta o gosto da raiva e com ela na boca, faça alguma coisa.
Tome todas as piores decisões.
É importante ser fiel ao próprio peito, apenas.
Depois é só cospir a raiva fora.

segunda-feira, novembro 23, 2009

Aconselha-se ler ouvindo música



Em cinco minutos a gente interrompe o coito. Alguma coisa diz que as pessoas vão passar pela janela e os nossos pés vão denunciar a história toda. Resolveram tocar na rádio aquela música com acordes intensos demais.
Eu fico frágil pensando na falta que é estruturante. Eu fico lágrima pensando em interromper as coisas. Diz logo que vai comprar cigarros e leva embora o fusca.
Quebro duas ou três xícaras. Cheiro livros por semanas a fio. Mas quando eu passar fio dental no dente e cospir sangue, a história vai para os encanamentos e eu volto a me sentir só.
Você não sabe, mas a solidão é minha melhor amiga.
As coisas não têm que acabar. Elas podem simplesmente parar.
Mas eu tenho uma tesoura e um ímpeto assassino.
Os acordes continuam muito sentimentais. Parece que cada corda da guitarra corre pelas veias. 6 minutos e meio de música.
Agora, a gente interrompe o coito antes que cesse a voz.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Como proceder no dia mais quente do ano

É preciso bom senso para passar o dia mais quente do ano. Não adianta filtro solar, nem sombra. O sol pede um short curto e folgado, um tomara-que-caia e presilhas no cabelo. É preciso charme, também, para manter a beleza depois do suor.
Óculos escuros são assessórios importantes. Se forem grandes, melhor.
Bom também beber bastante líquido. Água, cerveja, caipirinha, coca-cola. Do vinho, manter-se distante se não quiser calor demais.
Sobre outros calores, o dia mais quente do ano não é o ideal para se apaixonar. Flertes de olhares e cabeças em ombros podem ser incômodos e mais grudentos do que o necessário. Então que a paixão seja logo consumada, sem muita frescura (nada que pareça fresco sobrevive ao dia mais quente do ano). Aconselha-se tomar sorvete com paixonites, casos ou amigos. Cerveja também. E milk shake de vódka parece ser muito agradável.
E se a cabeça fritar, é preciso respirar e tomar ainda mais água.
Manter o sangue frio é tarefa impossível. Há previsão de conflitos e vozes altas para o dia mais quente do ano.
Então, não se deve tomar café.
Marcela costumava usar cubos de gelo para curar todas as feridas do dia mais quente do ano.
De resto, é bom praia.

terça-feira, novembro 17, 2009

Se não fosse febre, seria ficção.

Eu escreveria sim um poema de auto-ajuda - se as rimas saíssem do meu corpo. Se não é assim, escrevo essa febre, essa vontade e esse ritmo estranho no acontecimento das coisas. Nenhum fio de lógica. Talvez haja flashes doidos de sinceridade e um tanto de previsão de futuros.
Da próxima vez, eu prometo que jogo fora o tarô e me concentro apenas em olhos. Leituras abstratíssimas.
Mas quando as coisas ficam presas assim no corpo, aparece uma garganta fechando, uma pele ardendo, pernas doloridas e nada de versos.
Nossa lógica não vê estrutura. Então como vamos fazer poemas sem forma? Narrativa tampouco. Nossa lógica não permite que as histórias aconteçam. Fico eu com a minha febre e você com sua saudade.
E não tem remédio se não tem poema. Se não tem linha coerente. Se só tem olhar.

Nem linhas nem lágrimas. Desse corpo aqui só desce febre e pus.


sexta-feira, novembro 13, 2009

Considerações sobre boemia.

O problema dessa gente que faz samba e amor até mais tarde é que a gente não se arrepende. Nunca não. As loucuras diárias vão sendo feitas, mas nunca sem vontade. Mais fácil se arrepender do que não fizemos.
Mas acredite, os boêmios acreditam no não. Usam o não. E muitas vezes pensamos que aquele não foi mal colocado.
E quando a gente dança fica tudo colorido. Fica tudo besta besta. A gravidade que fique para o dia a dia. Esse negócio de cabelo alinhado, pés em salto alto e cara corada de vida pela frente são coisas nem sempre necessárias.
Volta e meia, quando o cansaço bate, sabemos que a cura mora num copo de cerveja mais do que em cama quente. Então gritamos uns com os outros e rimos em mesas de cadeiras desconfortáveis. Por que se há conforto completo, não há de que reclamar e a graça se perde junto com a fumaça dos cigarros.
E nos olham como leprosos, pedem que levantemos até o meio da rua e disparemos fumaça em qualquer outra direção.
E saímos sem direção. A vida toda acesa.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Cafajestes ou mal-humorados, eis a questão.

Em algum momento da vida, as mulheres decidem odiar todos os homens do mundo. Mesmo que seja apenas por segundos. Não há distinção. Certas vezes, o ódio é tão exato e tão intenso que não pode ser direcionado a uma só pessoa. Precisa vazar, como som pelas paredes e luz de sol pelas frestas. Hoje foi a minha vez e o motivo é simples: falta de gentileza.
Nem eu, nem a maior parte das mulheres gostamos de homens mal-educados. Pesquisei e a conclusão foi que esses mal-educados precisam ler Don Juan. Questão simplíssima: sempre há perdão para o cafajeste. Entendemos as fraquezas da carne e até conseguimos acreditar nas suas caras porcas. Entretanto, a grosseria é imperdoável, inconciliável, impensável, insustentável e pesadíssima.
Às favas com marte e vênus e os escrúpulos já caíram por terra. Todo mundo gosta de mentiras sinceras e tanta educação para destilar terceiras intenções. Entretanto, nenhuma mulher se sentirá feliz ao ser abandonada no meio de uma conversa ou antes de terminar o café. Que se exploda a sinceridade masculina! Em relacionamentos, ela não é prioridade. O mal-educado pode até ser um cara bacana, mas Don Juan jamais gritaria com uma dama. Sumiria sem aviso quando ela não estivesse vendo, porém com muita classe e com uma desculpa pronta para caso de descoberta posterior.
É preciso, no entanto, deixar claro que há perdão para o mau-humor, se ele não for constante. Algumas pessoas podem até soar engraçadas com mal-humor. O problema, como já foi dito, é a falta de gentilezas.
É muito mais fácil engolir Juan. Perguntei a 26 mulheres que encontrei pelo caminho se elas preferiam homens cafajestes ou mal educados. Dessas, 20 responderam que preferiam os cafajestes, 4 responderam que preferiam os mal-educados e duas disseram que aguentariam ambos.
Mas os cafajestes de terceira linha se esquecem que há necessidade de sorrisos para que não haja conflito e o perdão seja sempre possível. É preciso que eles aprendam a ser cafajestes de primeira linha, desses que são reconhecidos a quilômetros de distância e que todas nós sabemos que não valem um tostão furado.

quarta-feira, outubro 28, 2009

It’s not tupi. É o Tom.

Quem canta aqui é Ella Fitzgerald. Ela está dizendo que só dança samba e eu aqui do outro lado, do mesmo lado e de pernas cruzada à índio, ando dançando letras. Rebolo mais que Ella, que a minha pretice é brasileiríssima. Inclusive, estou hoje mais brasileira do que de costume.

E ultra fora do meu tempo.

Caríssimos sete (meus únicos) leitores de estimação, bom dia. Boa tarde. Ótimas noites! Ando com muito orgulho de falar português, mesmo não sabendo sambar um átomo sequer. Gostaria de declarar como quem grita que palavra boa em português nasce de Pindorama desde a carta de Caminha.
Quem disse não fui eu, foi o Zuenir Ventura numa palestra que eu tive a sorte de assistir. Pense, leitor número sete, que a carta que olha para as vergonhas descobertas das índias desavergonhadas é samba puro. E o Zuenir disse também que há muito de crônica.
Mas, meu Deus! Tupã! Zeus! Thor! Me digam: que raios é essa coisa de crônica? Zuenir Ventura disse que pode ser tudo, mas não pode ser chato. Disse também que Rubem Braga era o máximo falando de nada. E que delícia ler sobre suas aulas de inglês!
Está tudo lá, em bom português. Rubem falou do que parecia não ser um livro, do que era um cinzeiro, esse samba todo de aprender língua dos outros...
Depois, minha cabeça automática pensa em Drummond falando que “fulana é toda dinâmica, tem um motor na barriga. Suas unhas são elétricas, seus beijos refrigerados, desinfetados, gravados em máquina multilite”. Mas Drummond sequer conhece fulana. E eu? Eu sou brasileira que não sabe nada de samba nem de letra.
Então, eu danço com Ella. Americanizadíssima. Voltei assim do último filme de Hollywood. E Ella? Brasileiríssima cantando um monte de Jobim nessa playlist que é americana até no nome.
Façamos então o seguinte: vamos agora Caetanear! Perguntemos juntos no meio da música dele: o que quer, o que pode essa língua?
Mas se não há resposta para vocês, como não há para mim (e eu espero mesmo que essa resposta nunca venha inteira), vamos dançar, sambando ou não. Dancemos palavras, sons, Ella, eu, vocês e os braços todos dados!
Agora, vamos todos brincar de roda (de samba ou de leitura, ou de qualquer outro sentido)!

terça-feira, outubro 20, 2009

As Marcelas e o meu coração

Marcela não entende nada de paixão. Aliás, nenhuma Marcela entende essas coisas. Minha vida tem duas Marcelas principais: A minha irmã, que é só Marcela, e a Marcelinha, que é Marcela Rangel, a classe em pessoa – nome e título.
Pois aconteceu que eu inventei neste fim de semana de, só para variar, viver uma história de amor. A Marcela minha irmã riu da minha cara e avisou que independente de qualquer história, era bom eu tirar os sapatos do chão do quarto por que a faxineira não tinha qualquer obrigação de saber onde eles ficam guardados.
Quase que eu chego atrasada ao encontro com a minha paixão de fim de semana que a Marcela já sabia que iria embora na segunda. Aposto com todas as fichas, como se eu tivesse uma quadra de ases na mão: se eu tivesse ficado doente, Marcela não me fazia arrumar os sapatos.
Mas todos somos duríssimos com as paixões dos outros e com as nossas próprias, inclusive eu, que nunca digo eu te amo para ninguém e saio fugindo de quaisquer possíveis amores. Não há tempo de se apaixonar nem de sofrer quando a gente têm tanto trabalho.
Sapatos arrumados, atraso computado, jantares e beijos sem nenhum mísero gole de vinho. Fiquei besta e brega encantadíssima com minha primeira e ainda única paixão de fim de semana. Então fui toda boba contar para Marcela Rangel, a classe em pessoa, a história bonita que eu tinha vivido.
E ela riu na minha cara. Disse que eu sou brega e que eu fico acreditando em tudo que qualquer gordinho fala para mim.
Mas ela não estava lá. Nem ela nem a outra Marcela. Se elas estivessem, nem sapatos arrumados nem risada. Talvez ambas tivessem chorado comigo na despedida e sentido um aperto no peito o dia inteiro.
Por que a minha paixão foi para longe de mim dois dias depois do início e nós decidimos, por sugestão minha, combinar uma música para lembrar um do outro. E eu não gostei da música escolhida, mas tenho perfeita noção de que neste momento, qualquer pessoa que me leia me acha mais brega que o Wando.
Mas a culpa não é minha. Também não há culpados a procurar. Talvez eu tenha me transformado repentinamente na última romântica deste litoral.
Marcelas não tem que entender nada.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Escapismos

Ao Sido

A rua de repente ficou vazia. Vazia. Não tinha nada que ver além do que estava dentro. Nenhuma dança no dia anterior, apenas peixe e um enxame de palavras que mesmo desmembradas estavam carregadíssimas de sentido.
Sentia com cada canto de pele, unhas dos pés, fios de cabelo, pêlos. Sentia principalmente dentro do peito sem poder fazer nada a respeito. Sequer podia pensar que não podia ser peito, mas cérebro. Esqueceu-se do cérebro por que a rua continuava vazia e os olhos não viam nada além do sol.
Gente passando por todos os lados.
Solidão.
O carro partiu com ele para longe e ela nem olhou para trás.
Comprou cigarros e pronto.
Sempre havia ombro amigo pra cospir fumaça.

domingo, outubro 11, 2009

O poder ultra-jovem ao telefone

Ligo para a casa do meu pai e atende uma vozinha esganiçada de criança cujo dono tem três anos de idade:
- Alô!
- Oi? Heitor?
- Ahan!
- Oi meu bem!
- Quem tá falando?
- Sua irmã preferida.
- Vó Euza?
- Não. Sua irmã. A Vó Euza não é sua irmã, é sua avó.
- Aline...
- Ô coisa linda!
- Marcela!
- Não. Aline.
- Aline, cadê meu presente de dia das crianças?
- Não tem presente, meu bem.
- Eu quero falar com a Marcela!
- Seu pai está aí, meu bem?
- Não. Ele está trabalhando.
- E sua mãe?
- Minha mãe está ocupada. - E enquanto ele dizia com toda a sua firmeza de quem tem três anos de idade, sua mãe gritava ao lado: “Heitor, eu estou aqui sim! Deixa eu falar com a Marcela!”
- Heitor, deixa eu falar com a sua mãe, por favor.
- Ela está ocupada! E eu quero falar com a Marcela agora!!
- Tudo bem. - afastei o telefone da boca e gritei – Marceeeela! - dei um tempo e voltei ao telefone. - Oi meu amor.
- Ei Marcela!
- Deixa eu falar com a sua mamãe?
- Não deixo!
- Heitor, é Aline ainda, eu estava fingindo que era a Marcela. Deixa eu falar com a sua mãe.
- Não! - e ria sua risada vilanística de quem tem três anos de idade. Então, num surto, eu pensei não estar falando com Heitor, meu irmão de três anos, mas com Alice, minha prima de cinco que tem um princípio de transtorno obsessivo compulsivo e não pisa na parte branca da calçada nunca.
- É Alice!
Do outro lado. A mesma risada de criança.
- Alice, me deixa falar com a Kátia!
- Ahahahaha! Enganei o bobo na casca do ovo!
- É Alice ou Heitor?
- Eu vou desligar.
- Deixa eu falar com a sua mãe!
- Não. Vou desligar. Tchau.
E a peste desligou o telefone. Liguei de novo e a Kátia – minha madrasta e mãe do meu irmão - atendeu. Não era Alice ao telefone coisíssima nenhuma. Era mesmo o Heitor fazendo hora com a minha cara e manifestando com todo o seu charme o absoluto poder ultra-jovem.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Pesquisa de campo

Três ou quatro detalhes escaparam aos dois quando decidiram que era hora de parar. Não devia ter sido fim, mas nem ela nem ele sabiam lidar com trocas de olhares posteriores.
Ela era dessas pessoas secas que acham que absolutamente tudo é matéria. Que cada coisa serve para coisas futuras. E ela ia comendo esses detalhes para compor canções - pouco ligando se ele iria ou não ouvir.
Os homens não eram mais que objeto, teste, estudo de caso.
É claro que ela se envolvia. Se não o fizesse, não conseguiria compor qualquer coisa e tampouco haveria verdade. Mas ele gostava de afeto enquanto ela gostava de carne.
Então, decidir parar de não se aproximar foi fatal.
Toque e fim.

domingo, outubro 04, 2009

Lua cheia

Talvez essas redes não tivessem que fazer sentido. Eu não devia te dizer, mas essa lua cheia transforma tudo em lobo. As redes eu rasguei com as unhas pra tudo ser lua.
É mesmo uma bela visão.
Não há nada que não possa ser desfeito com boas unhas. Mas talvez as redes sejam as coisas mais graves, grandes e misteriosas.
Não sei mesmo pra onde vou depois daqui. Nasceu um filho de um amigo meu e a outra lá disse que estamos ficando isoladas com nossos cigarros acesos. Trata-se de perseguição óbvia.
Como é óbvio que eu quero fugir dessas redes que fazem sentido.

terça-feira, setembro 29, 2009

Para não pensar em açúcar

Eu hoje queria escrever algo que fosse doce. O problema é que não gosto de coisa muito melada. Eu sou dessas pessoas que vivem à mil e são grosseiras de tão francas. Geralmente, eu gosto mais do que rasga e menos do que adoça.

Acontece que ontem, a Marcela Rangel – que é a classe em forma de gente - disse que é preciso ter filtro na língua e que se é para falar sem pensar, melhor tirar o cérebro logo que ele é desnecessário. Eu, que tenho orgulho em dizer que adoro sinceridade, me assustei um tanto com esse discurso.

Depois concordei.

E hoje de manhã eu comprei um chaveiro de leão de pelúcia enorme e uma caneta com cabeça de vaquinha. Me senti tão meiga e terna que nem lembrei que a ternura é das coisas que mais dóem em mim.

Foi quando eu saí da sala de aula e vi uma árvore linda. Foi tanta coisa feliz e doce junta que eu nem pensei em mel. Fiquei imaginando todas as histórias que já se passaram em baixo daquela árvore. E ela continuava parada na minha frente ventando aquelas coisas secas parecidas com vagem que ficavam penduradas ali sem fazer muito barulho.

E eu não sei que árvore é aquela e nem quero saber. Um professor de barba branca uma vez disse que o conhecimento acaba com a paixão. O negócio é o mistério.

Então eu não vou procurar nada sobre a árvore. Me basta olhar o tamanho e saber por dedução que ela é mais velha do que eu.

O resto são histórias em que a árvore bonita é mero pano de fundo. Mas é bom não esquecer que o cenário influencia bastante no drama.

Enquanto isso, as pessoas falam sobre tipos de dor na aula em que eu penso em quantos beijos existiram à sombra daquela mesma árvore.

Então lembro que as árvores da minha rua de criança tinham nome de gente e não podiam ser aparadas sem enfrentar maciça revolta infantil.

A vista da minha janela também sempre foi árvore. E quando chovia, era o melhor cheiro do mundo aquele de umidade com terra e folhas.

E agora as histórias todas continuam - independentemente de mim - e eu tenho certeza: as coisas mais doces são as árvores. Principalmente perto da janela.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Fluidos

Foi furando o ventre de uma vez só. Lançou um jato logo de cara e nem deu pra engolir. Automaticamente todas as coisas pararam diante de Marina quando aqueles olhos castanhos fixaram-se nos seus.
Não parecia ser nada e ela não deu importância. Todavia, foi só pegar no sono que a garganta ficou entalada e o sangue foi vazando pelos poros.
Talvez as duas bolebas castanhas estivessem então dentro do corpo de Marina fazendo internamente o caminho externo que já tinham de cor.
Mas ela queria engolir as bolebas junto com o resto ao invés de sentí-las furando-lhe os olhos e conhecendo um corpo tão desprevenido.
Foram três dias de incômodo e nenhuma solução.
Se estivessem nas órbitas, Marina não perdia tempo em dar um peteleco nas duas bolebas.
Ou talvez apanhasse-as com as pontas dos dedos, cheirasse, lambesse e devolvesse os seus olhos no lugar.
Marina queria troca de coisas que não fossem olhares.
Fluidos.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Descalça

Da última vez que passou por aqui alguma coisa próxima de paixão, ficou toda presa nos pés. Primeiro os ossos pareciam fora do lugar, depois o pé simplesmente doía.
Eu acho que esmaguei a paixão.
Mas não. O certo seria dançar e pensar qualquer coisa como um respiro apaixonado para continuar sempre ofegante.
O homem só respira dignamente quando ofega.
Eu acho que o lance agora é cair no samba (talvez os pés façam subir alguma coisa).

terça-feira, setembro 01, 2009

Mais uma sobre tempo

Vou eu de novo falar de tempo, de medidas, de segundos e ponteiros de relógio. Fiquei sabendo que de maio pra cá ninguém tem notícias do relógio que habitava a casa dos Braga. Os cachoeirenses conhecidos se dividem em indignados e indiferentes.
Para os conhecidos cachoeirenses indignados, é um absurdo alguém ter pego da parede um relógio que um dia pertenceu a Rubem Braga. Porque Rubem além de ser o maior cronista brasileiro é principalmente um cachoeirense nato. E todos nós que tivemos a sorte de nascer naquelas terras quentes temos muito orgulho de tudo aquilo, mesmo as águas barrentas do Itapemirim ou o tempo estranho. Os cachoeirenses de verdade tem por obrigação tácita carregar consigo o bairrismo dos arredores do Itabira.
Mas o fato é que eu não tenho relógio e nem sei se preciso. Se me roubassem um, jamais sentiria falta dos ponteiros. A ânsia louca de marcar todo tempo em unidades de medida me apavora, mesmo sendo eu uma dessas pessoas que gosta de saber a hora do planeta.
É que um relógio em si não é ruim e é bem bonito, mas o contar dos segundos de tudo tira parte do prazer das coisas como todo e qualquer padrão. Tudo que é feito com tempo muito contadinho tem preocupação demais.
Eu tenho uma tia que adora “O pequeno príncipe” e sempre me lembra que as pessoas grandes se preocupam demais com números e esquecem de saber se tem flores em casa. Esses relógios são a marca disso. Dos números que sobem à cabeça das pessoas deixando-as cegas e antipáticas.
Essa minha tia é cachoeirense e não parece se importar com o sumiço de um relógio. Mesmo ele tendo pertencido a Rubem Braga.
Mas tem outra coisa. O relógio pendurado na parede de um museu é uma afronta aos amantes dos números. Como é que pode um objeto com fins tão específicos como contar o tempo servir assim de enfeite? Pois contar o tempo deve ser papel principal e não importa se a medida escolhida é subjetiva ou as ampulhetas e os relógios de sol são muito mais charmosos!
Eu não roubaria um relógio de parede. No fim das contas, só é um enfeite muito bonito quando não está torturando pessoas com horários.
Meu problema não é o tempo, esse amante inevitável que fica ao meu lado todo dia entre flertes e risadas. Meu problema são todos esses números asfixiantes.
Então, eu não tenho relógio. Rubem Braga também não tem mais.

domingo, agosto 23, 2009

Heitor, Davi e a história das brigas de irmãos


Ela me ligou e mandou eu falar com ele por que somos filhos dela e irmão não pode brigar. Fiquei com aquilo na cabeça, mas não fiz nada. Pensei em tudo: Caim, Abel, Esaú, Jacó, as gêmeas Olsen, Ruth e Raquel, Sandy e Jr, Flora e Donatella...
Eu e Marcela.
A gente tinha os mesmos amigos e sempre brincava na rua junto. Ela ensinava para os outros como me chamar de bom bril e eu contava que ela comia as roupas. E eu brigava com as crianças maiores que ela que brigavam com ela por que eu era a irmã mais velha que batia nos outros. Aí a gente cresceu e agora tem dois irmãozinhos pequenos com a mesma diferença de idade da gente.
O Heitor é mais velho e também é mais bobo. O Davi é um grande palhaço. Os dois são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, mas tem um monte de outros irmãos mais velhos.
Hoje, eu estava fazendo montinho no Davi (o mais novo) e o Heitor resolveu entrar na brincadeira. Ficávamos os três pulando na cama, rindo, as praguinhas puxavam meu cabelo e eu fazia cócegas em ambos. Até a chupeta do Heitor cair atrás da cama.
O menino se desesperou, aí eu arrastei a cama e fui pegar a chupeta. O Heitor reclamou que o Davi, um ano e seis meses mais novo, estava batendo nele. Olhei e não vi nada. Depois eu peguei a chupeta e o Davi meteu a mão na cara do Heitor. Entreguei a chupeta e mandei o Heitor ir lavar. O que o Davi fez? Arrancou a chupeta da boca do outro e jogou de novo atrás da cama.
Heitor abriu o berreiro e lá fui eu resgatar a chupeta.
Chupeta de volta nas mãos do Heitor. Chupeta na boca do Heitor. Davi arrancou de novo o objeto e mandou pra trás da cama. Heitor abriu o berreiro.
Pesquei a chupeta. Heitor chupou. Davi arrancou. Eu comecei a rir. Chupeta atrás da cama. Heitor começou a chorar. Davi ria da cara do Heitor.
Chupeta resgatada, Heitor pulou da cama. Davi desceu atrás. Heitor sentou na cadeirinha e o Davi pegou o chapéu de festa junina pra brincar e ficou fazendo umas palhaçadas. Tentou colocar dois chapéus ao mesmo tempo e depois desistiu. Heitor resolveu pegar um chapéu. Davi não deixou.
O Heitor este tempo todo estava reclamando e berrando e voltou a tentar sentar na cadeirinha. Acontece que num erro de cálculo o menino se espatifou no chão com a cadeira ao lado. Chorava escandalosamente.
E o que o Davi fez?
Arrancou a chupeta do Heitor e jogou longe.

sexta-feira, agosto 21, 2009

ode ao seda anti-caspa

Não. Eu não pensei nada. A idéia era só comprar pasta de dente, shampoo e sabonete nas lojas americanas e depois ir embora pra casa. Aí surgiu aquela grande prateleira cor-de-rosa cheia de vidros azuis de shampoo anti-caspa e eu lembrei de todo o resto. Três anos sem sentir aquele cheiro ou qualquer coisa relacionada a ele.
Lembrei de todas as caspas, os piolhos, as fugas e muito cabelo pintado de cores distintas. Água oxigenada e aquele maldito shampoo anti-caspa que me olhava ameaçador. Fiquei pensando o que sentiria. Fiquei aflitíssima de frente para um dócil vidro de shampoo.
Depois me aproximei.
Fui lembrando de quando reconhecia de longe aquele mesmo cheiro de shampoo em qualquer pessoa e tinha memórias mil de muitos toques e frases canastronas.
Abri o maldito vidro e cheirei.
Nada.
Fui embora feliz.

sexta-feira, agosto 14, 2009

seco.

É que de repente, todos os ossos, os músculos e a pele ficam pregados e endurecidos como se nada mais pudesse ser solto.
Então tudo pulsa meio torto e os olhos andam mais inchados sem qualquer motivo.
nem nada.
Por isso as pessoas rebolam.

quinta-feira, agosto 13, 2009

Carta despretensiosa para a solidão

Olá, solidão. Você sabe que por muito tempo eu te quis do meu ladinho para poder trabalhar, escrever, pensar coisas e conseguir ter a minha individualidade inabalada e bagunçada. Mas chegou num ponto em que eu não me reconheço no meu quarto e que eu sinto falta de sentir falta de você.
Não teremos muitos problemas. Já somos amigas a tanto tempo que você sabe que eu grito com muita gente pra estar com você ouvindo música, fumando ou dançando aquelas coisas doidas que só se dança escondido.
Você também sabe que eu confio muita coisa a você e que eu não sei passar muito tempo longe, que eu sou grudenta e que eu tenho necessidade de reconhecimento. Mas, solidão, esse eco constante da sua vaziês está me corroendo.
Vamos sair pra almoçar qualquer dia, mas hoje eu quero me embriagar de outras presenças.
Espero que não dure muito,

mas isso é uma carta de despedida.
Muito obrigada pelo nosso tempo produtivo.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Respiro

Acordou com muita vontade de jogar as sacolas de lixo pela janela do apartamento. Ao mesmo tempo, a cama parecia ter um imã e a boca parecia estar sem um pedaço. Então foi estalar as costas para ver se o corpo esquentava e as sacolas saíam do lugar.
Andou dançando pela casa e pelas ruas rodeada de muitíssimas flores. Então lavou o cabelo e partiu-o conforme a música.
Achou que tudo ia começar de novo e a vida mudou de gosto mesmo sem paixão de carne.

terça-feira, julho 28, 2009

Salto

E nessas eu fui ficando pelas metades, torta. Meio suja meio limpa, meio cansada, meio acordada, meio dormindo, meio confiante, meio insegura.
De saco cheio e muito vazia.
Talvez se ele voltasse atrás e me mostrasse um abraço com o sorriso e se ela dissesse que se confundiu e se aquele outro não fosse tão seco, estivesse tudo bem.
Mas acontece que os livros de auto-ajuda todos dizem que a gente se faz nagente mesmo com ego à toda e muita classe.
Não tenho classe e não gosto de livro de auto-ajuda, mas se eu soubesse escrever um poema, teria ritmo de samba e não ficaria pela metade.

quinta-feira, julho 23, 2009

A fantástica aventura da contação de histórias.

Então eu fui contar para o Heitor, de 3 anos, o Davi, de 1 ano, o Guilherme, de 8 anos e o José, de 10 anos, a história do Harry Potter. Nos centamos em círculo para que eu lesse o primeiro livro da saga.
Primeiro o José e o Guilherme reclamaram que o chão é frio e bom mesmo seria se lêssemos sentados na cama dos pequenos.
Então fomos para a cama.
Aí o José reclamou que o Davi estava calçado e ele dormia ali e ia sujar tudo. O menino tirou o sapato e começamos. Tudo certo na narrativa e todo mundo acompanhando até o Davi pular da cama por que queria que eu contasse a história do Lobo-bolo.
Então o Heitor pediu pra ler um pedaço.
- Heitor, você não sabe ler. - respondi.
- Sabe sim. - Heitor retrucou.
- Certo, então o que está escrito aqui? - perguntei.
- Harry Potter - José soprou baixinho no ouvido do pequeno e eu fingi que não vi.
- Mary Poppins - Heitor respondeu, muito convicto.