segunda-feira, abril 15, 2013

eu, carrasco.


Tirei meu amor do armário sem aviso prévio. Num choque de raiva, sentei-o, amarrado e vendado, na cadeira. Acendi uma luz forte, peguei o chicote e comecei a inquisição:
_ Até quando o senhor vai ficar estragando as músicas, eim?
_ Dona, nunca que isso foi intencional.
_ Não foi intencional uma ova!_ bati estalado na cara do amor. E o chicote, que não sei empunhar direito, arrancou-lhe as amarras sem que fosse essa a intenção. _ É bom o senhor parar agora com isso.
_ Paro, sim. Já parei. É tudo coisa da sua cabeça. Me deixe solto. Me deixe.
_ Está solto sim. Desamarrado, até. Anda, vá pra bem longe.
_ Mas, dona. Eu só gostaria de lhe fazer companhia.
_ Não sem tapas, meu senhor. Nunca sem tapas. Ou fica pro açoite ou some que agora não é hora de você.
O amor me fez cara de medo, mas ao mesmo tempo tão doce que não disse não. Assumi-o morando perto. E se me perguntarem, conto que existe, mas que por contenção de despesas anda passando fome.  

domingo, abril 14, 2013

De novo.


Eu tenho raiva de você com outra moça. Também comigo, tenho raiva seca. Hoje, molhada, a raiva e a falta e a lembrança.
Quis que fôssemos fáceis como um anagrama. Que meu nome, desordenado, coubesse dentro do seu, mas não cabe. Nem sobrenome, nem fonema, nada parecido. Oposto. De novo. Oposto. Volto.
Já disse mil vezes que não quero, e inclusive que torço muito para que você case logo e pare de existir no mundo em que eu vivo.
Não quero nenhum esbarramento, nem este emburramento, nem seus dentes.
Tudo, menos os dentes.
Aceito, em troca, até esse seu nariz ridículo que você diz que existe. 

sexta-feira, abril 12, 2013

essa bomba vagabunda de pulsação

Meu coração, dos frangalhos de antes, dos restos colados, do quebra-cabeça, resolveu existir aqui no peito. Ele, que andava escondido porque eu queria, que andava contido porque eu dizia que não há necessidade de qualquer coisa ser assim tão espalhafatosa.

Ele me acordou de madrugada, pesou no peito e disse:
_ EU FICO.
Meu coração diz que é resistente, e que o sangue pra ele é pinto pois há muito mais que fazer. Minha falta de calma, minha ignorância, meu peso. Eu digo, calma lá, coração, não, coração, não me sufoque. Me deixe quieta que sou e estou mui bien de cálculo.
Mas ele hoje não. Tomou foi posse, tocou um foda-se. Disse:
_ Sou eu, e pronto, quem hoje samba no seu lugar.  

quarta-feira, abril 10, 2013

Meu poema das necessidades


Para encalço, há cálcio.
Pare agora o mundo. Pare pra a gente subir.
Televisionem a revolução.
Quero ouvir mais grito que zunido.
Rasgar, perder, romper amarras como hímens, afundar em montanhas de gente, chafurdar na espuma de mais que amor.
Grite, por favor, seu grito mais profundo.
Meu coração não é maior que o mundo.
Meu coração nem é de posse, é de ponte.
Onde ontem eu quis ser mãe, hoje quero pergunta, hoje quero resposta, hoje quero gosto de agora na boca.
Cantem nos elevadores,
Leiam poemas do Bandeira.
Estejam embriagados, mas profundamente sóbrios
Sigam as suas verdades
Gritem no compasso de pandeiro, que a nossa percussão de peito é maior, bem maior, do que esse silêncio apático que faz necessário um sono longo. 

segunda-feira, abril 08, 2013

rascunho de contrato


Meu estômago está numa reviravolta só. Nem embrulha, nem desembrulha, mas roda, treme, enche. Parece que ele entende que eu sou exatamente a mesma, mas um pouco mais honesta. Está, o estômago, se acostumando agora. Eu também.
Devo avisar que não sou exatamente fácil, embora pareça. Mato minhas próprias baratas, abro minhas próprias garrafas e as tampas de todos os potes. Não preciso de você por conta disso, e, na verdade, não preciso de nada além de um dia ou outro acordar junto.
Não consigo ficar muito tempo abraçada, não consigo dizer coisas bonitas de primeira, não consigo concordar com tudo o que você diz. E nem vou. Nunca. Também não espero que você concorde comigo, e vou estranhar muito se isso acontecer.
Não vou conseguir gostar de todas as coisas que você gosta, nem você de todas as que eu gosto, mas talvez te faça companhia só por cafuné.
Não vou me enfiar em barca furada, não vou correr risco de vida, não vou fingir absolutamente nada.
Pode ser que eu me preocupe, pode ser que eu exagere, pode ser que eu fique brava com atraso sem aviso (isso, por certo). Pode ser que eu te largue pra lá, mas pode ser que eu fique.
Não consigo ficar mole logo. Vou fazer comentários rasgados, vou ser irônica, mas também vou ser doce e não sou capaz de mentiras. Funciono no modo: não quer saber, não pergunte, mas, por favor, me ouça se eu quiser falar.
Não acredito em nada sem conversa e só vou ficar mole se conseguir ver verdade em você. Não tenho nada pra pedir. Vou ouvir tudo em troca de história. E pronto.
Evite os olhos brilhantes se não gostar do texto. 

quinta-feira, abril 04, 2013

blim blom

Sem violão, nunca tranquila. Casa é violão, eu sou de corda, o resto a gente regula naquela ponta do braço que, além de tudo, era a coisa mais de brincar criança.
Vai estourar, Aline, meu pai brigava.
_As cordas estouram o tempo todo, pai. É só repor. _ Respondo hoje, mal criada e grande, mas tão pequena que qualquer violão ainda me causa numa batida a sensação de pertencimento.
Dedilho, bato com palheta, enfio ela na boca dele como se fosse ainda uma boca de gente.
Vejo sempre boca e olhos em qualquer violão. E lago.
Eu tinha medo de cair lá dentro, queria ver o eco, fazer tambor, bater na parede. Também brincar de pique esconde enfiando braço, ombro, tudo, naquele oco de som.
Era só ser menor.
Daí mudei de ideia. Se não dá pra caber, quero ser. Tocada. 

segunda-feira, abril 01, 2013

mais um de saudade dela


Fiquei procurando em mim aquela ruga que era sua, as bolsas embaixo dos olhos que eram dele, mas estou nova. A genética só me deu a barriga e nem os peitos me salvam a vida. Mas você, mesmo deposta, deu seu jeito de dizer: siga, minha filha, me deixa aqui, eu estou bem.
Ainda procuro em mim as suas bochechas, a sua cor, seus traços. Não sou você nem tenho tanta paciência. O sonho não me disse que ela foi construída, mas você me disse aquele dia perto do espelho:
_ És uma batalhadora, minha filha. Igual à sua avó.
Sou uma batalhadora, vózinha. Não tá sendo fácil, não, mas você me disse pra te deixar quieta e eu vou deixar, vou fazer bolo, vou seguir em frente, vou tentar aplicar aquelas coisas que aprendi com você.
É na frente que a gente anda, né? Quem quiser que venha atrás porque você foi igual uma japonesa ascendendo os caminhos.
Eu vou também.