segunda-feira, maio 31, 2010

Carta praquele cara que eu não escrevi

Ao contrário do que possa transparecer por meus olhos brilhantes, não sou capaz de perdão. Hoje estou com você entalado no esôfago. Pensei em talvez te vomitar para fora junto com toda aquela coca cola que tomei noite passada pra curar dor de cabeça.
Tentei muito lançar seus cabelos ao vaso enquanto enfiava o dedo na goela. E nada. Você ainda indigesto e eu pensando em voo.
Por que talvez ninguém mais tenha coragem de andar comigo dentro de um balão colorido, a não ser você.
A moça me pediu desculpas pelo seu comportamento, que você não devia ter sido seco assim comigo. Eu disse a ela que ninguém precisa pedir desculpas por algo que não tenha feito.
Mas eu não disse que não há perdão para suas mãos e para o seu nome.
Ela talvez não entenda que eu não suporto o fato de não ter te inventado com caneta num caderno de capa cor-de-rosa. Não concordo com isso de outra pessoa ter pensado neste ritmo tão vocálico para um nome.
Não acredito em você fora de um livro, de um conto, de qualquer coisa literária, inclusive eu, porque você não devia ter nascido, nem ser gente de carne e osso. Devia ser personagem. Meu personagem. Paixão de meninas solitárias com best seller na mão.
Nunca pele.

sábado, maio 29, 2010

A parte alheia de Lord V

Lord V bem que podia aparecer à cavalo e me levar prum mundo outro ainda hoje. Se fugíssemos do reino, eu não precisaria fingir que não olho Lord V todos os dias desde o primeiro.
A princesa começou a me soltar segredos sem perceber. Aliás, a princesa nem disse nada e eu entendi que entre os dois havia algo mal resolvido, ou bem resolvido demais de uma forma que não a agradava.
Deram de chamar esta plebéia para os bailes do palácio. Enquanto a princesa estivesse por ali, seria eu sua dama de companhia. Mas em certo momento eu quis ir ao banheiro e a princesa disse que não podia ficar sozinha. Apontei Lord V e a rainha num canto e disse que minha ausência seria rápida e que logo estaria ali para abaná-la. A princesa não quis de forma alguma se aproximar de nenhum dos dois. Preferiu sair comigo a ficar no salão.
Lord V ficou distante de mim por alguns dias, enquanto estava a princesa perto. Mas foi ela olhar para o lado que ele deu jeitos de se encostar na parte exposta da minha pele e me botar com febre.
Passo agora os dias esperando toques.

quinta-feira, maio 27, 2010

Ofício 001

Importante dizer que parte deste texto (a de baixo) foi idéia do @marcosdjavan

Sofrendo certa dificuldade de comunicação interna, protocolei um ofício.

Ofício 001
Venho por meio deste declarar para os devidos fins que tenho sentido fortes lances de atração física descabida e despropositada. A senhora Elizabeth Bennet, inventada pela ilustre Jane Austen, disse-me em certa ocasião que sonetos servem para matar grandes amores.
Tendo em vista que nunca dominei a técnica preciosa da confecção de sonetos, escrevo prosa besta para matar tensões. Já tendo sido declarado que os choques existem e que um toque lança a pele toda em explosões sinestésicas e disparam o peito, não preciso declarar mais nada.
À meu favor, o fato de que os braços nunca estiveram uma linha fora do lugar e que a boca manteve-se seca e fechada.
Solicito então a este corpo que é meu, mas é incontrolável, que despeje de si esses lampejos e volte o mais breve possível a ter auto-controle.

A resposta veio rápido, apesar da burocracia.



Diz o senhor Manoel Bandeira no poema A arte de amar:
“Se queres sentir a felicidade de amar,
Esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo,
porque os corpos se entendem, mas as almas não.”


Ciente do exposto pelo poeta, indefiro.

domingo, maio 23, 2010

A parte galante de Lord V

Lord V resolveu soltar apaixonices. Deu de dizer vez ou outra que eu, plebe pura e sem charme, tenho traços parecidos com os dele. Mas Lord V não entende que estão inventando a luta de classes e que sua nobreza está muito acima da minha capacidade cotidiana de flêrte.
Outro dia, inclusive, Lord V chegou com flores e poemas. Fiquei assustadíssima. Me meti até num canto desses de rua com outro plebeu pra me proteger da sorte. Tinha quase certeza que um corpo avulso me tiraria a cabeça da cara de Lord V.
E coisa nenhuma.
Lord V fez que não sabia de tudo o que se passa no mundo, como se não tivesse lacaios prontos a lhe contar qualquer fofoca da nobreza ou da plebe. Percebia de longe que eu tinha começado a correr da corte feita com tanta gentileza. Parece estar criando suas estratégias novas, ou ter desistido.
Do outro lado, eu percebi que os olhos grandes de Lord V sequer chupam os meus se a princesa do reino vizinho aparece.

quarta-feira, maio 19, 2010

Nos embalos dos abraços de seus braços

Sempre gostei muito de abraço. Sempre fui muito de abraço. Mais abraço do que beijo, inclusive. Se fosse pra escolher, era aquele casaco de braços e tórax e peitos que eu queria em volta de mim. Mais nada.
O melhor abraço era sempre o da Fernanda. Nem era muito minha amiga, nem nada, mas tinha uns peitos grandes que confortavam bem qualquer pessoa. Tinha aquele abraço macio e aquele sorriso complemento que fazia de tudo muito mais sincero. Mas nela eu nunca fiquei encolhida por que o conforto era ocasional e pouco íntimo.
Uma vez tinha um menino que eu conheci criança e tinha um cabelo todo feito de cachos. Também tinha pernas grandes, um corpo todo grande, uns braços que pareciam capazes de envolver o mundo inteiro. Talvez muita gente tivesse medo de toda aquela imponência, mas eu abraçava e parecia estar dentro de um daqueles cachos. Segura.
Outro lá, antigo amor morto e enterrado, tinha um timing perfeito. Era pequeno, mãos finas, um corpo sem muitos atrativos e cheiro sempre igual do mesmo desodorante. Não sei se era o cheiro ou os braços, mas ali eu tinha o corpo todo misturado com o meu e parecia inteira. E eu não precisava de mais nada se estivesse triste.
Mais tarde apareceu um outro garoto com cachos muitos que antes de abraço me fez massagem nos ombros. Nele aninhada eu ficava pequena e quase sumia. Parecia que aquele abraço me acompanharia por pelo menos dez anos.
Então veio um outro rapaz que parecia ser todo carne. Vendo-o assim, não podia fazer outra coisa que não comê-lo. E comi. Mas ele, do outro lado,talvez não visse assim tanta carne. Pegou seu grande corpo e seus grandes braços e fez dele próprio o meu lençol. Me abraçou.
Caí inteirinha.
Ninguém precisa de mais nada para matar solidão.
Só ternura.

segunda-feira, maio 17, 2010

A parte apoética de Lord V

Lord V tem olhos enormes que ficam chupando meus olhos quando eu olho de volta. Lord V corta a sala de estar com os dentes à mostra, afiadíssimos.
Os dentes de Lord V combinam com meu pescoço, percebi de cara. Antes mesmo de saber que Lord V tinha me visto - e antes de saber que eu era possível olhar Lord V dentro dos olhos.
Dia desses, eu e Lord V saímos para tomar chá. Quase não falamos, comemos apenas. Talvez ele soubesse, como eu já sabia, que qualquer coisa dita seria fatal.
Eu e Lord V preferimos provocação mútua constante – sem comprovação de qualquer tese.

sábado, maio 15, 2010

A parte poética de Lord V

Eu, por mim, deixava logo claro que queria mesmo Lord V. Mas Lord V precisa ser distante pra ser Lord. Então eu aqui - da plebe - fico toda olhos e escondendo o jogo.
Seria muito mais fácil se Lord V não fosse todo dentes e fosse bonito. Queria eu que ele tivesse cara de ter sido feito, que ele tivesse um corpo perfeito, que ele não tivesse marcas de expressão e parecesse de cera.
Se assim fosse, eu nem de longe quereria Lord V rasgando o caminho com aquela cara e aquela voz. Muito menos pensaria em mãos. Mas Lord V não é bonito de primeira e esse é o pior tipo de gente.
Não sei se quero perder aqueles olhos de Lord V e aquela cara que parece ter um traço novo o tempo todo. Uma coisa bonita sempre a ser descoberta. Lord V em pessoa eu quis amontoado em mim - gigante.
Só não sei como fica o flerte se vira coisa densa e posta na mesa.
Da vitrine, Lord V parece uma bela janta

segunda-feira, maio 10, 2010

Iúna – Vitória, uma crônica mal-humorada

Sim, uma das coisas mais íntimas que podem acontecer entre um homem e uma mulher é acordarem juntos. Há quem diga que ver a moça despertar é das coisas mais agradáveis e poéticas. Ainda assim, a regra não se aplica aos ônibus da viação Águia Branca. Principalmente, isso não se aplica nem à linha Vitória-Iúna, nem à linha Iúna-Vitória.
Declaro desde já que detesto essas duas linhas desde que fiz 14 anos e papai e mamãe me deixaram viajar nela sozinha. Detesto quando entram galinhas no ônibus, quando entra alguém com pés sujos carregando pés e mais pés de repolho e detesto quando conversam comigo. Ônibus não é lugar de conversar, minha gente!
Mas, principalmente, eu detestei acordar hoje dentro do ônibus e ouvir um desconhecido cara-de-pau do meu lado perguntar se eu tinha dormido pouquinho à noite e por isso estava com soninho no ônibus. Nem respondi, fechei os olhos e fingi que ainda dormia.
Esses sujeitos têm que entender que não há intimidade nenhuma em ver uma moça acordando depois de dormir muito no ônibus que pegou às 5 da manhã. Principalmente uma moça mau-humorada como eu, vestida de cinza e sem maquiagem.
De bom, a linha tem a parada em Venda Nova, onde se come o melhor pastel. Também gostei uma vez quando entrou um cara com uma sanfona que atendia aos pedidos de todas as pessoas do ônibus.
De ruim, além do já citado, o maldito cheiro de cecê das pessoas que sentaram ao meu lado nesta doce manhã.
Mas o pior não foi nada disso. Nenhum diálogo tosco, nenhuma pessoa invasiva nem nada superou a chegada na rodoviária. Porque a última vez que eu cheguei nessa linha à rodoviária, havia a coisa mais próxima de príncipe encantado que já passou por mim esperando na pilastra.
Ele tinha mandado mensagens bonitas dizendo que eu devia apressar o ônibus pois ele já não agüentava de calor e saudade. Desci e ele tinha um presente bonito desses que só dá quem repara nos detalhes da gente.
Mas hoje não tinha presente, não tinha príncipe e nem calor. Chovia e eu teria que procurar sozinha o ponto de ônibus que nem lembrava mais onde ficava.
A pior parte de tudo é que hoje não tinha felizes para sempre.

domingo, maio 09, 2010

A sobra das sobrancelhas

Hoje eu tinha um bocado de coisa a ser escrita. Um bocado de história a ser contada.
Acontece que hoje as frases estão todas forçadas e nenhuma rima sai com ritmo de quadril. Então não vou contar nada, não vou escrever ficção.
As coisas não vão prestar se não forem moldadas no corpo e se não tiverem fluidez natural, se não forem escritas com fluidos de corpo.
Fica então aqui uma música brega no som e toda aquela confusão na cabeça. Pensemos juntos: melhor confusão que convulsão.
É preciso ter otimismo e um tanto assim de beleza.
Gostaria muito de arrancar fora boa parte dos pêlos das sobrancelhas, todos os pêlos do sovaco e das pernas.
Gostaria muito de manter as unhas feitas.
Nenhuma das histórias não contadas falam de corpo bem estruturado ou organização pessoal.
Todas as histórias são de bares e hálito azedo de manhã.
A casa foi destruída pela manhã e a manhã nem viu se tinha gente em casa.

quinta-feira, maio 06, 2010

MR8

Aquela mania maldita de tentar achar onde estava a minha ferida. Depois roçava as unhas ali, para arrancar casquinha. Olhou sem nenhum tom prepotente na voz e disse o quanto sou insignificante ficando em cima do muro.
Eu podia até ficar muito tempo aqui, se ele não me irritasse. Podia nem ter voltado, se não me irritasse.

Não sei se aguento tanta consequência.

Ninguém avisou que a cara fica muito mais bonita pintada no meio da multidão que grita. Nem sobre os arranhões, os tapas, os cassetetes. Essa coisa arraigada e forte que o faz mais persistente que eu, eu não sabia.

Agora sim talvez paixão.

terça-feira, maio 04, 2010

Insensatez

Poderia ter deixado o “eu te amo” pular da boca. Seria a primeira vez que ele apareceria depois de um não e depois de um fim.
As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios, mas você deu um jeito no mastro com uma corda. Deixou o navio lá e arrumou um bote salva-vidas pra que a gente respirasse.
Nem sei como anda o navio, mas sei que não estaremos de novo por lá.
Talvez fique ainda carinho e mais nada.
Não sei se agüento quando não é mais necessidade de corpo.
Achei bonito e não sei por quê. Teve mesmo que botar o dedo na cara pra dizer que não éramos estreitos nós e que eu estava errada em pensar que conforto podia ser bacana?
Eu querendo conforto, você querendo paixão. Eu querendo pele e você ternura.
Pensou que eu fosse vazia. E fui.

sábado, maio 01, 2010

O não dito

Precisei dormir por três dias sem parar e ficar quase um ano te deixando escondido no canto da cabeça. Fingi que não te via quando aparecia por medo bobo daquele turbilhão. Admito sem a menor vergonha: não aceitei o fim. Não concordo e também não quero saber o que você pensa a respeito.
Não há nenhum problema em sentir tanto carinho assim por alguém. E não importa que você tenha batido na madeira ao dizer sobre namoro. Conheço uma garota que consegue olhar todas as pessoas nos olhos. Ela escolhe a dedo quem pode ou não conversar com ela.
Eu fujo de olhos desde você. Saio mentindo leviana e bela em prosas bestas e ligeiramente poéticas. Tenho muito medo de contar métrica e bater carimbo. Mas acho que poesia exige sim padrão e ritmo – mesmo os ritmos inumeráveis e os padrões inéditos.
Foi você quem primeiro disse que eu precisava escolher. Mas eu, toda leve, saí boiando na corrente e nadando sem destino. Saí pelo mar, me encharcando de sal pra me coçar depois em casa antes do cloro.
Sei hoje que seu ombro ainda existe e que por pior que você seja e mais feridas que tenha, não vai negar um pouco de ternura.