terça-feira, janeiro 30, 2007

Manhã de Verão

E amanheceu sem céu azul. O cinza claro, quase branco, dava um toque de outono àquele verão. E eu me sentia perdida no meio do mundo. Era como se o mundo girasse e tudo passasse e eu estivesse à parte. E eu não mexia em nada. Não mexia com ninguém. A minha cadeira balançava pouco e eu não sambava, que eu nunca soube dançar.
Eu parei.
Olhei pros lados e tudo me parecia cinza e terra. Era como se o meu quarto fosse substituído por uma daquelas árvores alaranjadas de filmes. Os tons eram todos doces e fechados e eu tinha cara de filme antigo. Tinha cara de drama ou romance. E mesmo que eu estivesse num mundo à parte e já num tronco ao invés de cadeira, eu continuava sozinha.
E eles apareceram pra mim, todos eles. Os pequenos e os grandes e as pequenas e as grandes. Eram todos médios, na verdade. E eu tinha uma pena na mão. E eu tinha papel e apoio. E eu escrevia a cena que eles dançavam pra mim. E tudo tinha uma música instrumental que as folhas e o vento - e violinos invisíveis – tocavam pra enfeitar. E eu não queria que eles me vissem. Na minha frente, eu os norteava e eles não interagiam comigo.
Estavam todos ali, todos desde a minha primeira história que eu nem sei quando surgiu. Todas as meninas, as velhas, os fantasmas, as fadas, os cafajestes e os bons-moços. E eu tinha uma bela gama de mocinhas românticas. E todas tinham traços meus. E eu tentava mudar, o cabelo não era meu, e a voz não era minha. E no fim, as mocinhas eram todas espelhos por que meus joelhos eram os delas. Elas tinham as minhas marcas. Elas sorriam com os meus dentes. E umas sorriam pra que eu não chorasse. E elas se aproximavam de mim. Elas olhavam pra mim e eu queria sumir do meu mundo à parte. Os outros dançavam sozinhos já. Eu já os tinha escrito e eles tinham vida própria. Mas elas – inúmeras – não se incomodavam em me ver acuada. E não falavam comigo. Eu não as podia guiar. Aqueles braços eram todos meus. Uma delas sentou e escreveu um poema. E eu sabia que aquele poema também era meu. Eu não podia sequer levantar. Quis a minha cadeira e o fim da ilusão. Elas sorriam. Eu tentava jogar nos meus papéis palavras livres. E quando alguma se soltava, surgiam outras. E todas tinham o meu brilho nos olhos. E todas eram diferentes e iguais. E umas voltavam depois. Umas tinham várias caras.
Eu, entorpecida delas, não agüentava mais nada. Rasguei o papel e elas, sem cerimônia, entraram em mim pra que eu não saísse mais da ilusão.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Pensar deve doer.
As pessoas ficam com as caras sérias.
Elas perdem o foco da visão e respiram pouco.
Você pergunta o que é
e elas dizem estar pensando.
Não quero conjugar esse verbo.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Mariana VI

Mariana é uma pessoa das mais estranhas que já conheci.
A última dela é uma dessas últimas confusas e bestas que nos levam do céu ao inferno em um segundo.
Mariana é feita de céus e infernos.
E Mariana tem um instinto primata que a faz pular de galho em galho.
A última dela é coisa do óbvio.
Depois dela ter parado de bater na própria cara
e começado a achar o cara que ela não gosta um chato, piegas e desnecessariamente irônico
(apesar de bonito, ela fez questão de frisar)
Mariana resolveu mostrar gotas de sentimento,
O óbvio, no entanto, não dava indícios de que percebia.
Mariana não queria enxergar o óbvio!
Bom, o caso é que enxergou.
Enxergou e mordeu o óbvio.
Mariana e o óbvio, ela disse, entraram numa de flirt
E eu lembrei de Nelson Rodrigues quando, parafraseando-o eu disse:
- Você quer dizer pra mim que foi um flirt. Quer-me convencer?
- Foi.
E meu momento Lúcia/ o dela Alaíde parou nesse trecho de Vestido de Noiva.
E o óbvio talvez não saiba das intenções de Mariana,
Mas ela se engana quando diz sacana que não ama.
Mariana acha que é flirt.
Ela tem que entender que às vezes os macacos gostam dos galhos.
Mariana escolheu, por hora, um galho óbvio.
Ah! A confusão: Mariana morre de ciúmes, tem achado que as pessoas enxergam o óbvio como ela.
E nessas, ela vai dum céu de um flirt, um flirt à-toa!(palavras Rodrigueanas dela)
A um inferno de ciúmes melados.

domingo, janeiro 21, 2007

Queda de braço.

Eu estava bonita dum jeito descostumeiro. Não parecia que era eu naquele corpo que era meu. Vermelho e salto alto não fazem meu estilo, costumo ser rosa pink e havaianas. Eu sou menina! Naquele dia eu queria ser mulher e que ele visse que eu era mulher, mas não sabia o que queria. Eu sei que a brincadeira tomou um rumo estranho. Eu me perdi. Aliás, eu estava segura como não sou. Bem, eu sou menina! A impressão que eu tive, de tudo, é que eu cresci. Eu não mexia no cabelo, eu não coçava o braço, eu não comia as unhas. Eu simplesmente ria e olhava pra ele. E ele me comia com os olhos sem saber se podia comer. E ele dizia que estava sem graça. E ele dizia que não sabia. E ele demonstrava que não era o bicho papão. E a cada instante eu me fazia mais forte. Quando parecia que eu ia ganhar, eu percebi que não era batalha.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Mariana V

Mariana me ligou por esses dias
Ligou lá da Bahia.
Ela tem costume de ir pra lá todo verão.
Ela me disse que lá esquece qualquer poeira de cidade.
Que lá conhece gente que eu nem imagino existir.
Ela disse que esquece o tempo, o óbvio e aquele cara de quem ela não gosta.
E fica sendo Mariana flutuante,com vida nova.
Mariana com vida à parte, longe de qualquer leão.
Na Bahia Mariana concentra pra depois escorrer.
Ela disse que não aguentava.
Precisave me contar algo que nunca ninguém soube.
Nesse pedaço de mundo à parte,
A Mariana, longe de tudo, olha de longe um outro cara.
O mesmo cara desde menina.
Ele passa por ela com seu olhar reto,sua postura perfeita e os músculos rijos.
Mariana lambe com os olhos a pele de bronze.
Mariana se faz vento e escorre entre ele, entre as pernas dele.
Mariana venta.
E ele faz do corpo dela um temporal.
E ela ferve.
E ele passa.
E ela só olha, que a Lolita se perdeu em poeira de cidade.