sexta-feira, agosto 02, 2013

Alvará

Chega com sirene acesa e gritando ao olhar fundo e imponente e ser maior. Grande bosta. Disse que aqui não passava, e não passa.
Insistiu que direito de ir e vir existe. Comigo não.
Em mim, senhor, quem decide sou eu. E não importa em qual categoria de poder você se enquadra: polícia, cachorro, bandido, duque, marechal.
Digo não.

Dê ré. 




Sem essa cara de pateta, por favor, que não é tão incrível entender que exista não. 

quarta-feira, julho 31, 2013

Nojento e babão

Tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Decrépito, ridículo, feio de doer. Não sei a idade, mas devem ser uns cento e vinte anos. E gente assim devia ficar dentro de casa, porque gente nojenta deve ter seu direito de ir e vir cerceado. Inclusive questiono se velhos nojentos deveriam ter direito à liberdade de expressão. Na minha concepção, não.

Na minha concepção gente escrota tem mais é que morrer pra deixar de ser ridícula e de enfeiar as ruas. Nas minhas ruas, só gente jovem e bonita. Isso se essa rua fosse minha, mas não é.

E provavelmente todas as coisas que eu disse acima são assustadoras e desagradáveis de se ler, porque afinal de contas eu não posso me referir a um idoso chamando-o de velho, e muito menos de feio, babão e nojento. Isso acontece porque existe o entendimento de que o envelhecimento e a conseqüente perda da beleza e do viço são coisas naturais, que não podem ser impedidas e, portanto, não podem ser julgadas da forma como eu fiz acima.

Pois bem, entendemos que o conceito de velhice pressupõe respeito. Sempre nos disseram que devemos respeitar os mais velhos e tratá-los com dignidade. Fazemos isso, portanto, e tentamos entender suas limitações e ajudá-los no que for possível.

Mas tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Repito sem me desculpar, porque ele dizia que Deus fez o homem e Satanás fez viado e sapatão. Depois ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que tem nojo quando vê dois homens namorando.

Qual não foi minha surpresa ao reparar que, em todo o café, a única pessoa a estranhar essa colocação fui eu mesma. Da mesma forma que é natural não dizer que um velho babão é um velho babão, porque isso é desrespeito, é natural dizer que homossexuais são nojentos.

A referência me parece difícil de alcançar, primeiro porque eu sou jovem, mal completos vinte e cinco anos e muito pouco conhecimento acerca de preconceitos com a sexualidade alheia. Nunca me ensinaram que um homem que beija outro homem é nojento. De forma que não aprendi a pensar assim. Por outro lado, sempre me disseram que todos merecemos respeito e que ninguém merece ser julgado, e que todos temos direito à defesa.

Fiz-me, portanto, advogada de meus amigos homossexuais, que por não estarem ali, ou não se anunciarem ali naquele momento, não poderiam defender-se das acusações de serem nojentos ou filhos de Satanás.
Expliquei, exaltada, que partindo do pressuposto de que exista um deus_ que eu não sei se existe_, este criou todos os seres humanos.

Mas Deus criou macho e fêmea, retrucou o velho. Sim, genitália feminina e genitália masculina, mas ninguém é melhor ou pior por ser gay. Ser gay não é ser ruim. Ser ruim é ser mau-caráter, tentei ser simples na argumentação.

O senhor velho babão, entretanto, não acredita que, da mesma forma que ele não escolheu ser velho, os viados e as sapatões, como ele disse, também não escolheram sentir atração por pessoas do mesmo sexo.
Eu talvez não devesse tentar discutir, mas ele insistia em Satanás, e eu disse que esse tipo de pensamento é ridículo. Ele disse que ridículo é ser gay. O moço do balcão serviu meu café e disse para que eu deixasse para lá. Eu expliquei que é ridículo disseminar esse tipo de fala porque é isso que faz com que depois um homossexual apanhe na rua e isso seja natural.

O velho disse que ele não disse isso. Eu expliquei que se fica socialmente aceito que Satanás fez os gays, e que todo o pecado deve ser eliminado, isso motiva a violência contra essas pessoas. O velho insistiu que eu botava palavras na boca dele.

Eu disse que não estava botando palavra nenhuma, só explicando as conseqüências do que ele mesmo diz. Aí ele gritou que viado é tudo nojento. Eu gritei de volta que nojento é gente preconceituosa.

É lógico que eu estou equivocada por entrar nesse tipo de discussão com um senhor que, ao que parece, não vai mudar de opinião. É lógico, também, que eu não tenho argumentos bons o suficiente para competir com um preconceito que eu mesma não conheço, nem sinto na pele. Entretanto, não consegui evitar a revolta, nem a discussão. Por fim, me sobra contar o que houve pra ver se mais gente se assombra junto e deixa de ensinar que o inevitável é nojento. 

quinta-feira, julho 18, 2013

cáustica

É que estou toda entupida. Só posso escrever.
Eu até vi primeiro, mas ela viu melhor. Daí ganhou. Não sei.
Fica assim combinado: te ofereço juventude, viço, energia e chatice. Você me oferece conselhos, olhar reprovativo e compreensão. Eu não preciso te entender, nem você a mim, mas a gente se ajuda e vai. Eu como o mundo, você avisa pros outros que isso é necessário.
Meu útero resolveu que tem vida própria, e doeu pra ver se o sangue desce, contrai que é uma beleza. As vias respiratórias também, e os poros.
Meu deus, o que que falta desentupir além de mim mesma antes do resto? Se durmo não dá. A Amanda é mais bonita porque tem olho azul.
Bonita eu não sei pra que serve, mas o planeta Vênus faz um arco com Mercúrio, daí brilha e eu preciso vazar.
O moço não liga pras besteiras que eu falo. Diz ele que não pode, nem gosta de julgar. Nem sei se ele escuta. Meus olhos são estrábicos e sempre serão.

O bom é que eu sempre vejo mais do que uma flor, e sempre entorto. 

sexta-feira, julho 05, 2013

Tem gente na Assembleia Legislativa do Espírito Santo

“A flor e a náusea

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Carlos Drummond de Andrade


A polícia chegou a dizer que não poderiam levar comida para os manifestantes, mas um deputado enfrentou o coronel e disse, fica você sem comida, então. Na rua a polícia desceu o cacete, mas os moços de dentro e fora da casa de leis permaneceram. Permanecem.
Do alto de nossas cadeiras e computadores ligados na câmera ao vivo, apoiamos a permanência, a força, a resistência. Por algum motivo, não nos sentimos capazes de tomar posse de uma casa nossa que nunca nos pareceu lar. Mas assistimos e torcemos. Agora parece lar. Um homem levou nutella para os manifestantes.
Um homem levou nutella e mais de duas mil pessoas viram o pote sendo dividido ao vivo, no live stream. Um homem que leva nutella manifesta-se tanto quanto quem acampa, ou mais. O que ele diz não é apenas tenho esse pote aqui e acho que vocês precisam de comida.
O que ele diz é: vocês que resistem por mim, merecem comer e receber o que há de melhor. A alegria dos meninos com frio, acampados por uma ideia, os meninos que nem precisam tanto desse dinheiro do pedágio, mas que entendem que todos precisamos de investimentos em outras áreas e que pessoas são mais importantes do que um pedágio.
Os meninos, os moços, as meninas, com nome de comida, com apelido, com frio, com uma força que, meu deus, eu não tenho. Eu de covarde não acampo, não durmo fora de casa, não quero que me vejam feia e fico aqui prezando pela privacidade do meu próprio bafo matinal, das minhas remelas.
Eu que sou tão egoísta, tão pequena, não posso deixar de derreter porque nasceu, em mim, que sou de asfalto, uma flor. Um homem levou nutella para aqueles que têm a coragem que eu não tenho, uma coragem absurdamente necessária.


quarta-feira, julho 03, 2013

Ba-der-na

Esse siso vandaliza minha boca mais que fio dental. O cabelo parece que memória. Entre os braços, hidratação de pele. Entre pele, memória de vulcão. Calores de falta de vento, maquiagem bloqueando poro, peito aberto. O corpo anda dizendo aos quatro ventos que não sou mais ontem.

_ Abriu-se, danou-se. Simples assim. 

terça-feira, junho 25, 2013

Açaí

Me esconda no céu da sua boca e chupe qualquer líquido que haja.
Esfarele tudo o que seja osso, que seja denso, duro, constante.
Reinvente a moça cuspida com saliva em lugar de costela e a desconheça pra nunca mais ver.
O que sobrar, você nega, encosta num canto, esfola e chuta pra rolar no morro e te tirar de dentro forever.

quarta-feira, junho 19, 2013

Mais vinagre, mais amor, juntinho, moço.

Olha, moço. Estou desesperada com essa arruaça que virou meu facebook, meu instagram, a rua da minha casa. Não me acostumei ainda com tanta revolta não sendo só minha, com esse cheiro agudo de vômito coletivo.
Olha, moço, a gente quer que o mundo seja mais bonito, mais florido, todo mundo mais educado, a gente quer conseguir ir ali sem passar raiva, a gente quer poder ficar calmo. Não quer?
Moço, me desculpe, mas eu nem posso dizer que meu cansaço do entorno é maior do que o seu, então vamos juntos dar mais uma vomitada pra ver se o cheiro cresce, a Pec desce, a cura o gay, o resto todo.
Ai, moço. Todo dia alguém me violenta quando cai meu telefone, quando de noite dá medo de atravessar a rua, quando tenho que trabalhar por pouco dinheiro. Ai, moço, tá bom não, moço. Sei lá porque você também acha tudo. Sei lá de onde veio esse grande dedo na goela da galera toda. Mocinho querido, nem te conheço, mas tenho medo de amanhã a gente não lembrar que hoje a gente faz tanta questão de mudança geral.

segunda-feira, junho 17, 2013

churrasquinho

Das coisas que eu não entendo, seus olhos ocuparam presentemente o centro do arquivo. Divido-me em cinquenta e nada de fazerem sentido. Queria que fosse você mais vesgo pra eu saber que não é pra mim que olha, ou saber menos. Entretanto, há brilho. De brilho, meu bem, só sei que derreto.
Já sou de fogo, posso muito pouco com faísca. Quando esvazia parece que caio num fosso, num poço, num breu. Por favor, me olhe desse jeito mesmo, de brilho, de besta, igual ao cachorro que queria que eu jogasse carne pra ele na calçada e comia com afinco a gordura do resto de picanha fria.

A gente podia ser bicho e o resto além da carne podia ser nada. A gente podia só se comer. 

sexta-feira, junho 14, 2013

A culpa é do Marlon Brando

Um nome que eu sempre gostei foi Victor, com c mesmo. E Daniel, Danilo, Marco Antônio, Thalles. Thalles tem que ter a frescura toda, que parece que Tales não tem a mesma graça. Nenhum desses nomes gostaria que fosse de filho meu.
 Filho meu é Francisco. Os outros nomes de homem são nomes que eu só gosto de saber que existem. A verdade é que eu não gosto de falar os nomes das pessoas que eu gosto, a não ser que fosse cria. Chamo de outra coisa. A Natasha eu chamo de Marcelinha, a Marceliha eu chamo de Natasha, a outra Marcela eu chamo de irmã.
Só o Heitor eu chamo de Heitor, mas é só porque ele anda meio chato. Se ele estivesse apenas fofo, sem chatice nem chantagem, se chamaria meu lindo, não Heitor. Que nem Davi, que só é Davi quando é pra se referir a ele. Quando ele é ele, é essa coisa linda, meu amor, meu doce, lindeza, pequeno ou qualquer outra coisa que não o nome.
Explico: peguei medo de nomes depois de ver O último tango em Paris.
E me perdoe se não vê motivo. Digo apenas que Marlon Brando e manteiga são motivos enormes pra filme. Depois a gente conversa.

quarta-feira, maio 29, 2013

ternurinha

Meu benzinho, se você soubesse a diferença e o tamanho do carinho. Se você soubesse dos meus armários, do volume de doçura, da tendência ao cafuné e do resto, nem ligava pra falta de força no braço. Meu benzinho, se você soubesse a graça desses diminutivos e a suavidade da ternura, se você soubesse que sou suavíssima casca grossa, permitiria a delicadeza. Meu benzinho, eu sei que não te permito a entrada, mas calme-se. Qualquer dia me envolvo e te envolvo num abraço tão doce que a gente fica sendo praticamente um danoninho.

segunda-feira, maio 27, 2013

avesso

Eu avisei mais de cinco vezes. Eu disse repetidamente: seja feliz. Torci convulsivamente pra você arrumar uma moça leve e bonita pra juntar e descolar esses seus traumas dos quais eu não dou conta.
Aí, depois de quatro anos, você resolve obedecer.

Pronto. Agora eu vou doer até amanhã porque você conseguiu amar, e não fui eu. 

terça-feira, maio 07, 2013

Arranquem a pele, e que fique só carne.


Nem piscina, nem gasolina, nem carolina. Saber quero nada. No limite da tampa, sentir ferver e pronto. Nunca mais só o átomo, nem a firmeza crua de um talvez. Nunca mais talvez sendo sim.
Nunca mais nada disso, que meus pratos internos ainda são de vidro, mas não hão de se quebrar por pequenices.
Amor puro fantasma, mas que assombre de verdade. Que seja porrada na cara de primeira, que se cruzem os olhos como se já houvesse enlaçamento prévio. Que nos meus pulos não limite.
Abismo. Pulmões de sufocamento, peso de abuso, rasgamento.
Nunca mais conforto.
Nunca mais fraqueza. E se nada, no nada, existe. Que exista ao menos inteirice, tombamento, ferida aberta lavada com álcool.
Menos não vale nem o grito, nem o abraço.  

domingo, maio 05, 2013

carta praquele cara com mania de príncipe

Estou decidida a arrumar meus armários. Limpar, tirar roupa velha, jogar fora o que for obsoleto. Quando digo armários, digo todos, inclusive os meus, internos, os da cabeça, os que ninguém vê. Você me mora numa dessas gavetas das quais não costumo tirar poeira, mas devia. Os ácaros são um problema sério e a sujeira que isso faz talvez não seja calculável, por não ser vista a olho nu.
Não lido bem com as coisas sem cálculo. Demorei a entender, mas sou calculista e pronto. Não posso apertar o botão do elevador sem calcular a possibilidade de qual dos dois chega mais rápido. Aperto os dois, porque também sou de fogo e acredito em encalço e plano b.
Pode até ser que muitos de meus problemas sejam originados de excesso de precaução e planejamento junto com este excesso absurdo de cálculo, mas é assim que eu sou.
Isso de ser assim torna incompatível comigo uma crença em conto de fadas da qual você tanto me cobra. Não. Eu não sou, nem posso ser, a princesa. Eu não quero ser princesa, meu bem, nem acreditar em príncipe, nem final feliz, nem nenhuma dessas coisas mágicas.
Eu sei, você é de signo de ar, de outubro, de libra, de indecisão, de retorno. Mas é muito injusto que essa sua indecisão e a bem provável boa índole, boa vontade, vontade de me ajudar ou qualquer coisa do tipo fique no meu caminho. Eu não sou uma seta com uma meta de tiro ao alvo e pronto, sou até bem cheia de meandros.

segunda-feira, abril 15, 2013

eu, carrasco.


Tirei meu amor do armário sem aviso prévio. Num choque de raiva, sentei-o, amarrado e vendado, na cadeira. Acendi uma luz forte, peguei o chicote e comecei a inquisição:
_ Até quando o senhor vai ficar estragando as músicas, eim?
_ Dona, nunca que isso foi intencional.
_ Não foi intencional uma ova!_ bati estalado na cara do amor. E o chicote, que não sei empunhar direito, arrancou-lhe as amarras sem que fosse essa a intenção. _ É bom o senhor parar agora com isso.
_ Paro, sim. Já parei. É tudo coisa da sua cabeça. Me deixe solto. Me deixe.
_ Está solto sim. Desamarrado, até. Anda, vá pra bem longe.
_ Mas, dona. Eu só gostaria de lhe fazer companhia.
_ Não sem tapas, meu senhor. Nunca sem tapas. Ou fica pro açoite ou some que agora não é hora de você.
O amor me fez cara de medo, mas ao mesmo tempo tão doce que não disse não. Assumi-o morando perto. E se me perguntarem, conto que existe, mas que por contenção de despesas anda passando fome.  

domingo, abril 14, 2013

De novo.


Eu tenho raiva de você com outra moça. Também comigo, tenho raiva seca. Hoje, molhada, a raiva e a falta e a lembrança.
Quis que fôssemos fáceis como um anagrama. Que meu nome, desordenado, coubesse dentro do seu, mas não cabe. Nem sobrenome, nem fonema, nada parecido. Oposto. De novo. Oposto. Volto.
Já disse mil vezes que não quero, e inclusive que torço muito para que você case logo e pare de existir no mundo em que eu vivo.
Não quero nenhum esbarramento, nem este emburramento, nem seus dentes.
Tudo, menos os dentes.
Aceito, em troca, até esse seu nariz ridículo que você diz que existe. 

sexta-feira, abril 12, 2013

essa bomba vagabunda de pulsação

Meu coração, dos frangalhos de antes, dos restos colados, do quebra-cabeça, resolveu existir aqui no peito. Ele, que andava escondido porque eu queria, que andava contido porque eu dizia que não há necessidade de qualquer coisa ser assim tão espalhafatosa.

Ele me acordou de madrugada, pesou no peito e disse:
_ EU FICO.
Meu coração diz que é resistente, e que o sangue pra ele é pinto pois há muito mais que fazer. Minha falta de calma, minha ignorância, meu peso. Eu digo, calma lá, coração, não, coração, não me sufoque. Me deixe quieta que sou e estou mui bien de cálculo.
Mas ele hoje não. Tomou foi posse, tocou um foda-se. Disse:
_ Sou eu, e pronto, quem hoje samba no seu lugar.  

quarta-feira, abril 10, 2013

Meu poema das necessidades


Para encalço, há cálcio.
Pare agora o mundo. Pare pra a gente subir.
Televisionem a revolução.
Quero ouvir mais grito que zunido.
Rasgar, perder, romper amarras como hímens, afundar em montanhas de gente, chafurdar na espuma de mais que amor.
Grite, por favor, seu grito mais profundo.
Meu coração não é maior que o mundo.
Meu coração nem é de posse, é de ponte.
Onde ontem eu quis ser mãe, hoje quero pergunta, hoje quero resposta, hoje quero gosto de agora na boca.
Cantem nos elevadores,
Leiam poemas do Bandeira.
Estejam embriagados, mas profundamente sóbrios
Sigam as suas verdades
Gritem no compasso de pandeiro, que a nossa percussão de peito é maior, bem maior, do que esse silêncio apático que faz necessário um sono longo. 

segunda-feira, abril 08, 2013

rascunho de contrato


Meu estômago está numa reviravolta só. Nem embrulha, nem desembrulha, mas roda, treme, enche. Parece que ele entende que eu sou exatamente a mesma, mas um pouco mais honesta. Está, o estômago, se acostumando agora. Eu também.
Devo avisar que não sou exatamente fácil, embora pareça. Mato minhas próprias baratas, abro minhas próprias garrafas e as tampas de todos os potes. Não preciso de você por conta disso, e, na verdade, não preciso de nada além de um dia ou outro acordar junto.
Não consigo ficar muito tempo abraçada, não consigo dizer coisas bonitas de primeira, não consigo concordar com tudo o que você diz. E nem vou. Nunca. Também não espero que você concorde comigo, e vou estranhar muito se isso acontecer.
Não vou conseguir gostar de todas as coisas que você gosta, nem você de todas as que eu gosto, mas talvez te faça companhia só por cafuné.
Não vou me enfiar em barca furada, não vou correr risco de vida, não vou fingir absolutamente nada.
Pode ser que eu me preocupe, pode ser que eu exagere, pode ser que eu fique brava com atraso sem aviso (isso, por certo). Pode ser que eu te largue pra lá, mas pode ser que eu fique.
Não consigo ficar mole logo. Vou fazer comentários rasgados, vou ser irônica, mas também vou ser doce e não sou capaz de mentiras. Funciono no modo: não quer saber, não pergunte, mas, por favor, me ouça se eu quiser falar.
Não acredito em nada sem conversa e só vou ficar mole se conseguir ver verdade em você. Não tenho nada pra pedir. Vou ouvir tudo em troca de história. E pronto.
Evite os olhos brilhantes se não gostar do texto. 

quinta-feira, abril 04, 2013

blim blom

Sem violão, nunca tranquila. Casa é violão, eu sou de corda, o resto a gente regula naquela ponta do braço que, além de tudo, era a coisa mais de brincar criança.
Vai estourar, Aline, meu pai brigava.
_As cordas estouram o tempo todo, pai. É só repor. _ Respondo hoje, mal criada e grande, mas tão pequena que qualquer violão ainda me causa numa batida a sensação de pertencimento.
Dedilho, bato com palheta, enfio ela na boca dele como se fosse ainda uma boca de gente.
Vejo sempre boca e olhos em qualquer violão. E lago.
Eu tinha medo de cair lá dentro, queria ver o eco, fazer tambor, bater na parede. Também brincar de pique esconde enfiando braço, ombro, tudo, naquele oco de som.
Era só ser menor.
Daí mudei de ideia. Se não dá pra caber, quero ser. Tocada. 

segunda-feira, abril 01, 2013

mais um de saudade dela


Fiquei procurando em mim aquela ruga que era sua, as bolsas embaixo dos olhos que eram dele, mas estou nova. A genética só me deu a barriga e nem os peitos me salvam a vida. Mas você, mesmo deposta, deu seu jeito de dizer: siga, minha filha, me deixa aqui, eu estou bem.
Ainda procuro em mim as suas bochechas, a sua cor, seus traços. Não sou você nem tenho tanta paciência. O sonho não me disse que ela foi construída, mas você me disse aquele dia perto do espelho:
_ És uma batalhadora, minha filha. Igual à sua avó.
Sou uma batalhadora, vózinha. Não tá sendo fácil, não, mas você me disse pra te deixar quieta e eu vou deixar, vou fazer bolo, vou seguir em frente, vou tentar aplicar aquelas coisas que aprendi com você.
É na frente que a gente anda, né? Quem quiser que venha atrás porque você foi igual uma japonesa ascendendo os caminhos.
Eu vou também. 

sexta-feira, março 29, 2013

muito ar num mapa só


O estranhamento é pior que a leveza e eu não sei como agir. Mistério sempre há de pintar. Embate é raro. Perdi o fio narrativo e talvez a história completamente mude de rumo, talvez siga. Há um desfiladeiro, uma encruzilhada, uma escolha de norte sul leste oeste que é muito menos simples do que quatro direções.
Puro meandro. Talvez eu não siga. Tanta coisa na cabeça que mais do que detalhe, fundo. Eu funda, leve. Afundei sem ver que afundava. Não me levanto, ainda. Necessário passar maquiagem, vestir o sorriso, fingir que não.
_ Pra quem?

sexta-feira, março 01, 2013

as coisas não precisam de você


É seu cheiro de guardado e o cheiro dele de naftalina. Sou eu roupa seca no sol e nada disso. Cabelo seco no vento, eu. Queria não crer em oposto. Queria secar a roupa, queria lavar tudo na mão.
Não há tempo, não há vagas. A rua continua existindo, os carros à toda, eu tendo que ter salário porque existe dia cinco, dia dez, conta que é uma merda, imposto de renda, iss fixo.
Não pago a sua conta, mas uma cerveja ainda vai. Aceitaria de troco um amor.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

Para a principal (e desobediente) leitora deste blog


Mulher forte também quebra, véia. Não adianta a maquiagem nem a postura impecável. Todo mundo quebra, véia, e se você que é tão grande e consegue fazer bolinho de chuva ficar redondo e milho virar bolo bom também quebra, eu fico vazia.
Conserta logo, veia, que esse tamanho de rombo a gente não aguenta nem se for forte que nem você. Dá esses pulos que você sempre deu. Olha pra morte e diz que fica. Ninguém nunca conseguiu te convencer de outra coisa que você não quisesse.
O procedimento deve ser aquele mesmo, acenar que sim com a cabeça, dizer “tá bom é isso mesmo” e fazer do seu jeito.
A gente precisa muito. A gente quer você perto. 

quarta-feira, janeiro 16, 2013

não sei de nada


não me deixe largada na beira da estrada sem eira nem beira sem nada, sem casco, sem lead, sem praga. ao menos um xingamento, um respiro, um norte. por favor um amanhã que eu estou cansada de todos os ontens.
você tão futuro hoje, meu deus. você é quase religião. não me deixa não. fica mais meia hora que amanhã a gente toma um chá. acho muito estranho não gostar de café, mas apesar disso ainda consigo sentir coisas.
olha, você deve ser mesmo de outro mundo que a vida sem café não sei pensar. por que raios você existe e existe calma e existe outro país? eu vou ter que ir, você não volta mesmo e a gente tem que andar ao infinito, e além.

segunda-feira, janeiro 07, 2013

Before Sunrise


Se fosse uma comédia romântica, você não atendia o telefone, mas a gente se cruzava na esquina e se beijava e você não ia embora. E se você fosse, a lembrança seria forte e bonita até o segundo volume, num outro país, outro continente, diálogos engraçados e alguns tombos.
Estaríamos sóbrios, também, e os olhos da gente seriam muito mais bonitos. E você seria o amante perfeito inatingível, e eu, complicadíssima e completamente machucada de outros amores.
Mas a gente se curaria junto inteiro e seria, por alguns momentos, felizes como se infinito houvesse. 

quinta-feira, janeiro 03, 2013

sempre?


As cicatrizes são do tamanho exato da ponta dos meus dedos. Medi enquanto ele dormia. Olhei, sim. Olhei muito sem entender porque aquele tamanho de pudor de toque quando havia nudez absoluta.
Não consegui abraçar por trinta segundos. Não entendi porque a garganta se transforma em liquidificador quando há proximidade.
Quase nada, insisto. Nada mesmo, insisto. Não vou, quase grito. As cicatrizes conferem ternura que não existe, mas incide. Explodo como se o verbo existisse. Como se nem fosse pessoa, mas força, fluido, fogo.
Cedo.

quinta-feira, dezembro 27, 2012

Correnteza


 Meu corpo parece o mar.
Vale a briga daquele homem que olha atravessado sem admitir qualquer mergulho?
Nade, homem. É um braço, depois o outro_ e os pés dando estabilidade quando se debatem.
Brigue sim a minha água. Enfrente o infinito que há, uma fauna inteira de coisas além do possível afogamento.
Olhar o fundo é um erro, meu bem.
Não é preciso viver sem prender o ar. 

segunda-feira, dezembro 24, 2012

As festas


Se é finitude coisa leve ou pesada, não sei. Mas a existência pesada dela é insustentável. Sempre quis, de qualquer forma, o infinito. Mas o infinito é um átomo, um instante, um brilho avulso de olhar.
O que eu quero de natal ou de promessa de ano novo, ainda não pensei. Mas a Argentina está logo ali e eu tenho muito bons amigos.
Continuo detestando qualquer tipo de espera, e por isso baseio a pontualidade no instante crasso.
Acaba o ano, o mundo também. Não sou exatamente a mesma coisa, e talvez por isso absolutamente vulnerável.
Que tudo brilhe e escorra, enfim, em um 2013 sem entalações.


terça-feira, dezembro 18, 2012

Sumo

Sendo a anatomia uma loucura, sinto os amores no estômago. Ao invés de disparamento cardíaco, vêm voltas e voltas, problemas de digestão. Ele, por exemplo, nem desceu na garganta e mesmo a fome que vem, de pão, não pode ser morta antes de um desentalar.

Não venha ele querer só sumo, que eu tenho a casca grossa. Há que se morder com força, de arrancar pedaço, casca, sumo, semente. E que seja a bocada tão intensa que ele sinta o gosto, goste e entale e durma até que eu chegue perto prum despertar. Aí sim, o sangue sobe, circula, festeja e fica disritimado o coração.  

domingo, dezembro 16, 2012

Che


Vou lembrar que as melhores pessoas são as loucas que explodem como fabulosos fogos de artifício e que foi nesses fogos que veio seu olhar de cachorro na frente da assadeira de frango da padaria. E foi pra mim. E foi em mim. E foi com a boca.
Dos telefonemas pela madrugada e de todos os ombros, que não foram poucos, nem pequenos. A firmeza da pele e a voz quando era firme.
Acho que foi Sófocles que eu te dei de presente quando veio aquele sorriso descrente, surpreso, da minha própria lembrança.
Vou lembrar que você não ficou bravo descobrindo que eu tinha olhado a sua carteira de identidade pra saber a data do aniversário que nunca havia sido dita para quase ninguém. Nem quando eu disse para todos os nossos amigos que era aquele, o dia.
Aquela garra, aquela força, aquele chão em que você se jogou e apanhou, aquela luta, aquele não. Você dizendo que ia embora, e não indo.
Você ali em chuva e em sol, e sempre, e tanto, que mesmo espaçado, o tempo, era tenso. As brigas, vou memorar com carinho, e remoer com ternura.
E aquele dia que você disse que eu tinha olhos bonitos e levou no bolso meu brinco como se fosse um pedaço de carne. Minha.
Deixa pra lá que também foi ruim. Você ainda deve ter o brinco e o beat, mesmo que mangue.

quinta-feira, novembro 01, 2012

Corrente. Fluxo. Água. Mar. Graça. Horizonte. Equilíbrio. A vista mais bonita da cidade.


Com ela as coisas foram rápidas. Comigo tudo tinha intervalo e obstáculo. Lapso. Taí: eu fiz tudo pra você gostar de mim.
Fiz planejamento estratégico da marca, estratagema de entregas. Investi no serviço de atendimento ao consumidor. Gerei pauta positiva na imprensa, estudei trilha sonora, cavei e estruturei três ou dois castelos. Tentei ver raça de cachorro.
Bons resultados de curto prazo, mas nada de marca fortalecida e estrutura bem fundamentada.

Queria tanto não ter tido que fazer nada.

- Minha filha, amor não tem coisa de planejamento.  

sábado, outubro 27, 2012

Quase nada


Primeiro trocar as senhas, depois esquecer as datas. A presença dele me sufocava. Estava no ar da cidade, no cheiro de qualquer pano, no travesseiro, no muro, no mundo. Pensei em ter esperança, mas não. Quis voltar a vê-lo, mas não. Preciso tirar as lembranças do alcance, botar numa caixa, destituir a presença. Preciso parar de trata-lo de você, pois é ainda autoridade que me fez curvada (cheguei até a pensar em mudar de hábitos). Mas eu não sou de tanta curvatura, sigo fora da linha, torta, reta, sigo.
A presença dele me sufocava e eu de ansiedade ficava grogue, pequena, gasta, medrosa, travada. Não. Preciso ser só o que sou: muito. 

sexta-feira, setembro 14, 2012

da chatice


Caro colega, avulso leitor, amantíssimo colecionador diário de sei lás, estou preguiçosíssima hoje. Não vou levantar da cadeira, não vou olhar pro lado, não vou fumar cigarro (não agora, só daqui a pouquinho), não vou inventar foto. Só superlativos.
A professora ensinou um monte de coisa quando dava na minha cabeça com aquele português. E eu entendi que sou superlativa e insubordinada por que as coordenadas são muito mais simples de entender. Restritiva ou explicativa, depende com quem eu falo.
Mas a Cláudia Sabadini, que tem menos preguiça que eu, disse que é sempre insubordinada e pronto. Daí a minha avó me apontou a medusa nos cabelos quando eu levantei, e eu lavei. Porque lavar existe porque existe água.
E eu estou enrolando pra dizer que detesto quando cismam de inventar desculpa pra qualquer coisa, embora este pretenso texto seja apenas uma desculpa pra dizer um tanto mais do que já digo.
Caro colega colecionador de sei lás, você não está mal porque a vida está corrida agora, nem porque o flamengo vai mal, nem porque hoje o dia está frio, nem porque ontem esteve quente, nem porque talvez amanhã melhore. A gente sempre vai ter algum tipo de problema qualquer que seja; e, se não há, é só porque você não viu.
Mas o não ver é escolha e pronto. Então chega de desculpa. Subordine-se, insubordine-se, invente, volte, vá, fique, tenha preguiça, beba, sei lá. Colecione também sins e nãos. Depois você vê no que deu, mas com desculpa, por favor, não me atente.

terça-feira, setembro 11, 2012

do ciúme


Ninguém deu a ele o direito de gastar com outra moça a música que eu disse que era nossa. Também eu devia ter inventado as coisas direito, passado cola, grudado, ficado. Aí ele não emagrecia e lia e me contava que outra moça chegou sem ser eu.

Ninguém disse que ele podia ser completo sem me ter. O mundo também não parou e ainda gira e eu nem consegui mudar o cabelo.

Talvez ele fique feliz sendo longe. 

Espero mesmo que engorde. E volte. 

quarta-feira, agosto 08, 2012

Que ternura brota e floresce




Queria mesmo ser capaz de abraçar o mundo. Dentro dos braços formar ninho e proteger aquela menina, a outra menina e todo mundo que eu não quero ver chorar. De forma alguma eu com mundo nos braços aboliria lágrima. Governaria as coisas salpicando dor e delícia pra encorpar o tempero do molho.
Queria ela com os olhos vivos e os braços firmes, as pernas firmes, cabeça em riste. Queria o mundo coração de moça, e o meu coração materno, paterno, fraterno, eterno.   

domingo, julho 29, 2012

conversa de pele batida


Quero saber como anda a sua tosse. Você mandou eu não rir e eu disse trinta e três trinta e três trinta e três enquanto tentava chutar o mais alto que podia.
Não boto meu pé atrás da cabeça, mas queria que você daqui gostasse. Quando eu danço, é por cima de você. Que você olha.
Mas você é duro, José.
Tinha pensado te mandar um poema mole mole do Bandeira, que é mais duro que você e talvez te amoleça. Você me bate na cara e manda calar a boca. Eu continuo falando mais ainda, que é pra te irritar.
Você faz uma enquete na praça pra ver se é constante a minha chatice e descobre que ela foi feita no seu molde. Eu descubro que daqui há um tempo você deve emagrecer.
Tenho medos de mudança e você quer que eu voe.
Vou. Mas volto. Veja se cuida longe de mim essa tuberculose. 

sexta-feira, julho 27, 2012

A roda da fortuna e o rei de paus

texto meu publicado no caderno Pensar do jornal A Gazeta

A sala era fumaça pura à meia luz. Um cheiro forte de incenso e cigarro e uns olhos pretíssimos, pintados com kohl. Adalgisa, mesmo vendo muitas cores na cartomante, achava que nos olhos estava o principal. Quis, logo de cara, aquele negrume para si. Sentou-se tímida, afoita, desatada e destrambelhada – desesperada de primeiro amor. Não disse nada além de boa noite e do nome perguntado de cara pela cartomante.

quarta-feira, julho 25, 2012

porque também, além de tudo, a cabeça-dura é quase que genética


E você também não sabe nada de mim. Não tire fora a graça do descobrimento. Você precisa navegar uns mares e eu preciso nadar contra a corrente. Sim, claro, com terra vista em mim, havia meta depois da meta, ou coisa alguma, mas corpo visto.
 É que, ainda seca e quente, a pele é pele. Está comprovado que você tem mãos e um corpo todo, inteiro, grande, denso. Todavia, eu quero coisa respiratória: que você, ou alguém, me invada todos os pulmões.
Vi sim que houve certo caminho narina à dentro e que o cheiro ocupa um mundo todo. Pensei que o querer não era fato. Achei a beleza que incide de uma interrogação, ou de um afastamento.
Saiba ao menos isso de mim: sou puríssimo afrontamento. 

terça-feira, julho 17, 2012

Tubo de ensaio


Fui ficando sem perspectiva. Ele tão bonito que nem parecia meu. Tão meu que nem parecia bonito. Não tentei entender as cores, que são óbvias. Quis mesmo entrar naqueles olhos grandes, enormes.
Encostei a testa e olhei dentro. Encostei a testa e olhei forte. Encostei a mão e disse que seria pra sempre nós dois. Junto. Junto. Junto.
Não concebo sem ele a vida. Quero a vida sóbria. Ele ali me transferindo a dimensão. Escorbuto é quando não tem laranja. Ele é cor de rosa. Não vou passar mal.
A testa dele disse “Não faz assim”.
Cantou. Tão alto, tão forte. Não vá pensando que eu sou seu.
Foi embora. Bonito como se nem existisse. 

terça-feira, julho 03, 2012

Bússola


A coisa está ruim no peito porque o mar estava calmo. E calmo, o mar, atrai os peixes que são homens para o fundo. O mar é um engano.
A vida não vem com bula em que assumidas estão indicações e contraindicações de atos. Não há sapiência justa para dor de amor. Nem mesmo atenuante, há. O inconsolável vem seguindo a maresia.
A ressaca convida para as lambidas das ondas. Vai o homem se dissolver ali pra digerir as dores. Volta o homem dali porque não é possível morrer sem conclusão.

terça-feira, junho 19, 2012

Comecinho de amor


Dorme, por favor. Essa dor nas suas costas só resolve se você estiver dentro aqui de mim. Queria muito que você coubesse e enchesse à ponto de eu precisar vazar. Tenho me esticado pra engolir você.
Já entendi que o cozimento é lento e que não curtes esta onda de canibalismo. Quer lamber primeiro, ver primeiro, cheirar primeiro.
Mas olha aqui: eu não sou vinho. Se for beber, vire como cachaça. 

segunda-feira, junho 11, 2012

fábula do sabãozinho apaixonado


Quando o sabãozinho apaixonado se deu conta de seu estado, esperou a coisa dissolver. Depois de decidido, foi à sabãozinha ainda meio perdido, mas com o amor crescido não se segurou. Ele acreditava em amor sendo estado físico. Disse, então, de sopetão:
- Eu te omo.
E quando disse, ela nada entendeu. Mas é que o sabãozinho queria mesmo tornar-se sabão em pó, e que a sabãozinha também o fosse. Nesse estado, os dois podiam dissolver na mesma água, misturar-se de verdade, fazer espuma. Em pó eles lavariam muita roupa suja juntos e o sabãozinho torcia para que limpassem principalmente lençóis de casais. Queria ele lavar o amor físico dos homens e concluir assim a função de uma paixão que não tem fim. A sabãozinha, já meio gasta, ao entender o fino propósito de tudo, sorriu em barra. Torciam juntos a roupa dos outros e tiravam as manchas do mundo enquanto faziam a mesma prece.

sexta-feira, junho 08, 2012

Tango?

Ele tem cara de abóbora e o outro tem cabelo cinza. Eu queria uma esquina com um, um banco com outro. Mas qual o um que vale a conta?
Aprendi que a alma é grande grande como eu sou pequena. E também que a estatura não vale a curvatura de nada. Mas se ele voltar, que coisa linda!
E o outro, quem é? Se nenhum é número, qual vem em primeiro, não sei. Só queria um volume mais baixo, às vezes, mas outras uma série grande de explosões.
Não vou acordar ninguém de noite, que eu mesma nem sei abrir os braços.
Olhe bem, não sei esse negócio de quadrilha, mas a gente pode brincar ainda de roda.

quinta-feira, maio 31, 2012

floresta


Eu que não abrevio beijo, que não gosto de nada pela metade, tomo café forte, sou ligada na tomada, falo alto pra cacete, xingo e, de vez em quando, sambo, não sei como é o caminho. Ouvi umas coisas que não queria, e outras que cabiam como uma chuva. Mas se eu disser que era isso mesmo que eu esperava, sendo negativa...
E entrando aquele samba e a cerveja e os quadris. Como é que ele diz? Mas se os quadris não mandam nada, onde fico? Eu tenho uma nuca forte, uns calos grossos, um sangue que ferve. A pele é lisa, o sorriso é largo. Desato se não me quer carne, você. Embora até ontem eu mesma não quisesse nem um naco. Não abrevio nada de nada. Mas o sangue, esse não ferveu.
Olhe, o medo é maior de alma. Venha com tato, por favor, entre rasgando. Assim sendo, não despedaço logo e ganho doses extras de anticorpo. Esse caminho, assim, de pedras, eu não sei equilibrar.

terça-feira, maio 29, 2012

jardim


Mas a gente é tão besta que só gosta do que não pode, e só porque incomoda. Porque se fosse simples e estivesse esfregado, sambado, na cara, varalzento e reluzente, nem nada. Nem um fandangos de atenção, nem sorrisinho.
Como perceber o óbvio? - pergunta-se a moça prosa na noite clara em que os rapazes cercam seus muros tentando escalá-los por alguma fresta.
E a gente passa cimento, passa rejunte, bota tijolo. Depois deixa a chave da porta com um ou outro que não sabe nem onde fica a fechadura.
A roupa não seca dentro, nem o peito. E se ninguém escala, nem quebra, nem faz janela, nem joga bilhete, nem se arrisca, a gente fica unidirecional, sem mistério.  

domingo, maio 27, 2012

venha sim

Mas quando você vier, eu vou estar pronta. Eu sei que odeia as minhas sinceridades, mas adora o corte do cabelo e o cheiro da pele. Eu sei que se a gente se olha muda o ritmo do tempo e a gente para de se alfinetar. Eu sei que você estava acenando, mas que não esperava que eu acenasse de volta.
Você aposta na força do meu não, mas eu sisuda sinto falta das suas mãos e do toque da língua. Quero te ver amanhã e depois. Dividir a cama.
Acho muito bonito que a gente se odeie. Alimento diariamente uma raiva sem cheiro e sem proximidade. Meu espelho diz que você é feio, bobo, e chato, mas volta e meia eu de descontrole lembro que havia ternura e bochechas.
Então, se vier, venha aberto. A gente se ama mudo e se odeia alto, compõe um samba que não desfila.  

quinta-feira, maio 24, 2012

Era uma vez


Me viu duas vezes, talvez até quatro, e me trata como se eu fosse encantada.
Não me conhece e nem faz questão.
Já pintou lá alguma idéia pronta baseada nas medidas do meu corpo e o formato dos cabelos.
Aí que ontem ele veio com flores, todo romântico. Chamou de princesa e esperou resposta para aquela melancólica e mal traçada carta de amor.
Educada, não tardei:
- Enfia o conto de fada no cu.  

segunda-feira, maio 21, 2012

dos signos


E vem mais um começo de flerte. Lento, óbvio, raso, clássico. Nenhuma conclusão de pele, mas os olhos trabalham sem descanso na sustentação da alma. Mais um tempo e fica, transpassa, vaza. Ele me lê sem palavras e eu tento inventar o que não sei. Vejo se aprumo os cabelos e a coluna pra ficar linda. Vira o cheiro uma necessidade e deixo ali uma marca de batom.
O resto, ainda não sei. O vazio brinca, no meu peito, de explodir explosões pequenas como cócegas. Invento logo meio e fim de história, claro, sem desfecho. Invento os pêlos que ele tem no peito, há de ter, e a textura das mãos, e a língua. Invento o movimento que faríamos e as conversas futuras. E gosto.
Não sei quando volto. Queria que fosse ontem. 

sábado, maio 12, 2012

Quando a gente era feliz com nada


Eu tinha desenhado no papel um sorriso torto e bonito. As crianças gostavam mais quando a carinha vinha assim, cabelo bagunçado e sorriso só de um lado, formando uma única bochecha em monte e deixando a outra esticada, lisa. É claro que meus dotes de desenhos são tão bons quanto os de qualquer pessoa em química, mas quando eu desenhava aquele rosto específico, qualquer um reconhecia. Dois olhos, um nariz pequeno, um sorriso torto e o desgrenhamento.
Eu tinha a pele e a carne ocupadíssimas de tanta ternura e aquele sorriso era a única coisa que eu via no mundo. As crianças entendiam que a tia estava apaixonada, mas a tia não. A tia continuava falando de poemas, sintaxes e adjetivos.
A tia cortou curto o cabelo e deu um jeito de sentir aquele cheiro específico a quilômetros de distância sem entender ainda a relação entre faro e peito. Eu me escondia de mim mesma em tantos livros e poemas.
Depois, vinha a ternura em desenho como prêmio para as crianças bonitas que acertavam a prova toda. Como se paixão fosse prêmio dos outros que no sorriso da tia talvez vissem um guia. 

sexta-feira, maio 11, 2012

Para um querido amigo


Amigo querido, eu sei que disse que era louca a sua moça porque ela acreditava precisar mudar e não queria te envolver nisso. Mas você não sabe quanta coisa pode mudar numa vida e numa cabeça de um dia para o outro. Ontem um amigo antigo me disse que eu coloco pontos demais nos meus textos.
E me disseram, também, hoje cedo, que eu fui grosseira – como também já disseram tantas outras vezes em que eu não dei razão. Amigo querido, eu sei que você confia nas coisas que eu digo, mas eu não confio mais tanto assim.
Detesto falta de educação, gente grosseira, falta de gentileza. Detesto. E detesto muito também não conseguir entender as coisas e por isso pergunto sempre e muito. Então eu sei que eu preciso mudar todos os dias e não posso ficar estagnada. Também sua moça não pode. Ela entende as próprias falhas e se enxerga enquanto adulta.
E pode ser que te ame, mas e daí? Esse negócio de ser gente grande é dolorido e você sabe. É dolorido pra ela também, e pra mim. E auto-crítica é pior ainda, querido amigo. Sua moça só quer melhorar, botar menos pontos, ser menos grosseira, se abrir mais pro mundo, entender o próprio lugar, sei lá.
Não a conheço. Mas em algum momento você também vai perceber que não está bem como está e precisa melhorar por você mesmo. E pode não ser tão pesado pra você quanto é pra ela, mas e daí? Pode ser que você nunca passe por nada parecido.
Mas guarde a moça, querido amigo. Aguarde a moça. Agüente a moça. Tente entendê-la. Por mais que doa, a carência da gente é mesmo uma coisa egoísta demais. 

quarta-feira, maio 02, 2012

antes do carnaval


Ainda não entendi o tamanho das mãos. Quanto tempo cabe na textura de um abraço, não sei. Como fica o mundo depois da língua?
Como fica o tempo depois de passar pelo gerador de improbabilidade?
Com quantos acordes eu conto um dedilhar de coxas e com quantos cigarros faz-se uma ansiedade?
Entendi. Sou muito interrogação. O menino disse que não tinha medidor de amanhãs e eu não tenho termômetro de cabeça.
Minha cartomante deixou o futuro de lado e foi passar verão em Salvador. Como é que eu pergunto pra ela porque ficar balanceando passados como se fossem pratos?
Eu vou é soltar as mãos. Com sorte, tudo quebra e a gente sangra. Não aguento mais ser matemática.

domingo, abril 29, 2012

quando ama a passarinha


Como se faltasse um je ne sais quoi,
Deixou semiaberta a cartola,
Fez firula lá, mesura cá,
inclinou mão,
puxou moço
Coelho, não.
Porém, ele com pêlos eriçados,
Ficava gosto de fofura.
Cuidou ela então da curvatura
Própria das mãos próprias
Focou as juras no tato
E a língua no palato
Do outro.

E como se não faltasse nada
Ficou ereta, discreta, direta.
Jogou fora a cartola.
Guardou na garganta o dentro e o fora.
Depois, de bicicleta,
seguiu linha reta,
que embora bom, era hora.

sábado, abril 28, 2012

a moça de esquerda


- Mas, moça, você não quer ganhar nada?
- Ué, precisa?
- Precisa sim, oras, você está fazendo, tem que receber.
- Mas moço, nas histórias eu sempre fui fada madrinha, nunca princesa. Então a parte em que eu ajudo move muito e eu fico alegre.
- Entendo, mas e o dinheiro?
- Se você insiste, eu aceito, mas olhe: abraço apertado, beijo molhado, banho de chuva, cheiro de terra e cheiro de milho não custam dinheiro. Além do mais, eu gosto de ver quando as pessoas sorriem.
- Entendi, a fada madrinha.
- É! Pense comigo, quem move a história é sempre a fada madrinha. Quem dá volta na madrasta, quem garante a noite, quem faz a princesa resolver o seu problema?
- A fada madrinha.
- Pois então. Princesa tem a voz muito passiva. Fica lá sofrendo pelo príncipe, sofrendo na mão da madrasta, sofrendo na mão da bruxa, sofrendo limpando o chão, sofrendo a ação... Eu não!
- Gramática?
- É, sim. Se eu for a fada, fico com voz ativa. 

quarta-feira, abril 25, 2012

excesso


Está, a parede, vazia. Não fico oca por falta de enquadramento. Não paro quieta, e quando paro, não paro. Alguma coisa escondo de mim e não sei ainda o quê, se do moço agradável que tem aparecido grave eu nem falta sinto.
Devia ter algumas tintas e especialmente mãos precisas. Não. Ela comprou massa de modelar e eu pensei que as mãos deviam aprender algum caminho que não esse de teclado e tinta de caneta. Ele compôs um samba tão bonito que nem podia um dia ser pra mim.
Teci um tratado sobre métrica e rima. Torci um bocado a função de um sentimento. Ora, não devo eu entender nada, e nem tentar. Eu quis dançar noites inteiras e pensar que as pernas não sentem saudade do meu sono. Então, de novidade, não escrever mais meia linha, nada, nada, nada. Só o que fosse automático, a parte paga. Direcionar todas as coisas como quem sabe propor palavras cruzadas.
Quis também andar na praia, e não andei. Oca, não fico.  

segunda-feira, abril 16, 2012

geometria

Você assim obtuso prum lado, eu assim aguda pro outro. Suplementar, complementar, sei lá, oposto. Seu ângulo não se mistura com o meu. Eu mais pra reto, você mais pra raso. Um monte de volta. 360 motivos pra girar pra longe. Ou um só.

Geometricamente as suas costas e a curva da minha cintura fazem figuras bonitas no encontro. Fisicamente a gente é só calor.

Eu aguda prum lado, você obtuso pro outro, e lado a lado a gente não se vê. Ponho seus óculos e fico tonta. 180 motivos de não.

Pra que princípio, crença, kriptonita?

Se fosse só corpo, se fosse só ângulo e a gente retas paralelas se encontrando no infinito. Se fosse infinito. Se fosse frente a frente e pronto, boca e pronto, mão e pronto. Mundo é pouco se fosse tudo noite. Se a gente fosse tarde. Se não fosse tarde pra esquecer que eu não consigo não pensar no que eu não sabia de você e sei agora.

Então você obtuso prum lado, eu aguda pro outro.

segunda-feira, abril 09, 2012

Mercado

Tenho medo do aumento de preços cardíacos. Uma veia está pela hora da morte. As artérias, pulsando espalhadas, andam cobrando frete. A Aorta funciona como central de tudo e cobra caríssimo pela pulsação sentimental.
Então quanto mais perto, o cliente-credor-objeto, mais caro o transporte de sangue. Mas longe, meu deus, que preço fica?
Ausência estabelecida na bolsa de valores. Agora sobe a cotação do amor, mas a persistência da influência da ausência gera uma incerteza nos lucros. Se ela permanece muito, danou-se. Todos sabem, o negócio é de risco.

sexta-feira, abril 06, 2012

down with love

Não quero seu perfume forte, nem mão no pescoço, nem costume. Não quero as mesmas coisas que queria antes. Entenda, it’s time for cleaning myself. Don’t know anything about feelings. Don’t want to know. Does not matters what are your staff.

É. Eu sou mesmo o centro do mundo. Sim. Eu não faço questão de ser clara. Não pre-ci-so. E não importa quanta história tenha havido antes, ou a cor dos seus olhos ser uma das mais bonitas do mundo. Não faz diferença a espera que foi minha tanto tempo, ou eu ter um dia pensado num mundo inteiro contigo ao lado.

Eu só não sou a mesma coisa e não sei o que você espera. O corpo. Entenda. O corpo. Nuances, derme, mão, pêlo, língua, dente e curvas falam mais do que eu ou você precisamos dizer. E eu só funciono quando eu quero, sem concessões de qualquer tipo. Não faço favor pra ninguém usando as pernas.

E não importa quem é você, não vai haver exceção. Então, não ame nada em mim agora. Aguarde. Quem sabe o tempo não me leve um dia até você como te trouxe tão depois pra mim do prazo de validade?

domingo, abril 01, 2012

horizonte

Não fique posto, não morra, nem nada. Vá, mas volte. Principalmente vá. Pensei em seguirmos aquele acordo visto nos livros. Um encontro, depois três semanas, depois outro encontro, depois três semanas, depois outro encontro.

Não quero hoje nada que não vá. A permanência que seja tácita. Paixão, não, obrigada, mas o corpo tem coisas capazes de nem a gente imaginar além.

Volte porque sua companhia é agradável, pelo cheiro da pele, pelo baixo custo coincidente com alto benefício. Pela graça das coisas, volte. Pela cotação do mercado de ações, pelo tato, pelo paladar, pra contar como é o mundo a quem não vê, tocar piano, fazer conta, fazer janta, criar calo, machucar.

Não fique porque o mundo é grande e não cabe nem nessa janela sobre o mar. Volte porque o mundo é pequeno e cabe no espaço de deitar.

sexta-feira, março 30, 2012

ato de contrição

Eu queria tanto. Quero tanto ter força o suficiente pra mandar de verdade a culpa tomar no cu.

Vai, culpa, pro raio que te parta átomo de nada.




- Repita cinco vezes, de joelhos. Depois sambe.

quarta-feira, março 28, 2012

mãos no fogo

Sem paranóia, bróder.

Como se cruzam os pés, no fim das contas, é o que conta. Preciso te comer até o fim do dia, mas você não sabe que amanhã pode ser tarde para o nosso encontro de mãos. Existe, bem perto, uma praia. Ali o horizonte fica imenso e a sua pele, vermelha. Eu quase não douro. Amoreno-me ainda mais, preta que sou, escureço. Esquentamo-nos neste verão distante, eu numa ponta, você noutra – e nada de mistura.

Eu sei, eu sei, estivemos combinados de que nada e pronto. Entretanto, o tempo vai prescrever nossa conjunção e a curiosidade vai durar pra sempre.

“E se?”

Você agüenta?

domingo, março 25, 2012

oito de copas

A espera finda. Inevitável. eu que não controlo destino não sei o tamanho que as coisas já têm. Virei sem querer um oito de copas porque existe acaso e o baralho nunca nunca mente. Montei você devagar como uma canastra de paus que ninguém vê que foi feita de lixo. Ganhei o jogo? são quantos os coringas?
O meio do caminho é exatamente a ponte. Você disse que vinha e nada. Tanto tempo assim eu dou braçadas pra longe. Me afasto. Pronto. Assino de novo um contrato de desamor e não quero mais saber daquele tempo que queria antes perto e junto com você.
Quantas cartas fazem mil pontos? E como eu conto se nada existe?
A espera persiste.

quarta-feira, março 21, 2012

21 de março

Consequência tem quatro sílabas de gramática e três sílabas métricas. É paroxítona, tem acento e perdeu recentemente a trema. De um jeito ou de outro, a gente treme com determinadas consequências que aparecem. E elas sempre aparecem, não importa o tamanho das coisas, mas elas têm causa, coisa e conseqüência. Passado, presente e futuro. E consequência é coisa certa, certíssima. Batata, diria Nelson Rodrigues.

Ninguém sabe se aguenta esse tanto de consequência de qualquer mini ato efetuado com cabeça pensante ou por impulso. Mas uma vez me disseram que eu tinha que aguentar, porque elas, todinhas, eram problema exclusivamente meu – e de mais ninguém. Me disseram que era obrigação e fatalidade existir essa coisa de quatro ou três sílabas, paroxítona e acentuada. E, mais, eu ia ter que saber lidar e pronto, com cada microcoisa cósmica.

Estive avisada que ser gente grande doía e nem acreditei o tanto que seria grande essa dor. Também estive avisada de que verdade é o melhor dos caminhos e que, escolhendo este, as consequências acabariam atenuadas. E a ser fria ou quente, morna nunca, jamais. E também a ler sempre e me renovar. Observar o ambiente, caramba, prestar atenção nas coisas porque tem um mundo inteiro em volta que não gira em torno de mim e que deve ser minimamente compreendido. E que a sociedade não vai mudar só por que eu quero, que eu preciso entender como ela funciona até para não querer me adaptar. E tantos es que não cabem mais nesse texto.

Mas a conseqüência e tudo citado acima, aprendi com aquele moço grande em cuja barriga eu pulava de manhã cedinho por querer ver o sol nascer da janela inalcançável. E dessa barriga, já pulei pra tantas janelas diferentes com cada coisinha apreendida em tanto tempo. Mesmo turrona como o dono da barriga, mesmo tendo puxado dele o gênio, as manias, as maçãs do rosto e os defeitos quase todos (e inclusive o dedo mindinho), eu consigo aprender com ele todos os dias.

E é por isso que não bastava dizer só feliz aniversário. Nenhum textinho vai ter espaço pra tanto amor.

Então, pai, obrigada pela barriga, pela conseqüência, pela ortografia, os novos baianos, a carta roubada, o Freud, o Nietzsche e as mensalidades (etc, etc, etc que não acaba mais). Amor a gente não agradece, sente. Te amo.




sábado, março 17, 2012

Crônica do Dia da Mulher

veiculada 8 de março na Rádio Universitária


Dona Candinha disse que é muito feio uma moça de família sair beijando um monte de rapazes. Imagine se eles estão numa roda e mais de um deles já beijou a mesma moça! Segundo dona Candinha, é caso grave de moça refestelada.
Dona Candinha ainda diz que as moças não devem nunca dizer aos rapazes que elas tem algum interesse, pois iniciativa é coisa masculina ou de moça refestelada. Que é muito feio a moça ser fácil.
Com dona Candinha na cabeça nesta crônica de dia da Mulher, resolvi conversar com alguns amigos do sexo masculino buscando saber qual conceito eles tem de vagabunda. Moço x, no alto de seus 20 anos, acredita que vagabunda é a moça que se envolve com vários rapazes do mesmo grupo. Moço x acredita que as moças possam ficar com quem quiserem, desde que isso não seja público e também que não dá pra namorar uma moça que fica com vários rapazes. Questionei Moço x do porquê. Moço x disse que uma moça vagabunda não quer namoro.
Veio em minha cabeça uma pulga que dividi com meu interlocutor. Então uma moça vagabunda está incapacitada para o amor? Moço x não soube responder. Disse nunca ter pensado no assunto.
Mas, então, o Zé me disse que não acredita em vagabunda. Acredita que a mulher deva ter liberdade de estar com quem quiser é que é muito hipócrita aquela velha coisa de um homem ser garanhão e a moça uma refestelada. Respirei um pouco mais aliviada. Me senti de volta ao século vinte e um.
Pra mim, uma moça dizer que quer determinado sujeito significa apenas que ela quer esse determinado sujeito, não todos os outros. Além disso, se ela quer todos os outros, o problema é apenas dela. Mais ainda. Se ela foi fácil para um, não precisa ser para todos. Pois se o corpo é da moça, é ela quem decide o que faz dele. E aí, meus filhos, não tem discussão. O não continua sendo não mesmo quando foi dito pela Geni para o homem do Zepelim.
Também ouvi mais um rapaz. Um amigo meu que disse “Já me deparei em situações que eu pensei "nóóssa, que vagaba". Mas, assim, luto pra caramba contra isso. Sério. É só lembrar que as mesmas coisas que eu quero, elas também querem. A diferença é vetorial, só. E, pô, se a promiscuidade não deteriora meu caráter, por que vai fazer isso com alguma mulher?”
Lembrei-me então da dona Neusa que fazia questão de frisar ter sido sempre muito séria em seus namoros. E ela sempre disse o muito séria no sentido de estar com seus namorados pelos namorados e não por outro motivo qualquer. Pra dona Neusa, com seus 73 anos, o importante é a honestidade das pessoas.
Mandei mentalmente a dona Candinha pastar. Pra mim, o importante é a gente ser honesta com a gente mesma, com o mundo e se auto-respeitar. Não ultrapassarmos nossos próprios limites de um jeito que seja humilhante.
E se fosse possível cair agora na minha frente uma estrela cadente atendedora de pedidos, eu quereria pedir a ela que nenhuma de nós se anule, nunca mais, por nada.

terça-feira, março 13, 2012

o prato

Transpirante, ofegante e trêmula, acordei angustiada. Mesmo sendo você a minha primeira visão todos os dias ao olhar pra frete naquela sua foto bonita, tinha me esquecido de como era seu corpo. Deixei cair no chão um prato azul que, da minha mão ao chão, se fez em mil pedaços. Seu corpo na cabeça.
Eu não era só sentimento, enfim. Eu fora gente perto de você. Eu tinha pele. Não sei que força tem esse esquecimento. Seis meses apagando sexo. Acabou. Lembrei que o amor não veio romântico como havia sido posto. Você era um corpo inteiro no meu pulsante e admirado com a perfeição das medidas.
Não deve haver outro assim complementar. Eu só lembrava do choro e do peito latente e da ternura e dos abraços. Acordei nua e só com sua foto colada na parede.
O prato caiu e eu me espatifei em lembranças muito físicas. Então fiquei densa, dura, contida. Não há volta, por enquanto.
Melhor varrer bem o chão.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Ode à doçura

crônica veiculada na Rádio Universitária, no início do mês
Eu queria contar uma história bonita, dessas em que passarinhos estão na janela e o sol faz aquela cor amarela num fim de tarde. Eu queria um velhinho e uma velhinha de mãos dadas numa pracinha comendo pipocas.
O romantismo. Eu queria uma ode ao romantismo nesses tempos corridos em que um bom dia é quase sempre seguido por um porque e um tudo bem nunca é respondido. Eu queria, nesta terça, que o mundo todo parasse quietinho pra que a gente pudesse simplesmente sentir rajadinhas de vento quente de verão.
Você que ouve essa crônica deve entender que estamos aqui, entre notícias, bombas, greves de fome, bolsa de valores e horários de avião pra que você possa respirar. Não vou, então, ser agressiva, incisiva, precisa nem nada.
Quero crônica com gosto de bolo de chocolate. Um conto de fadas que venha no carnaval. Deixa o turbilhão pra mais tarde!
Hoje ainda há tempo de brincar de roda sem pensar que não há a menor finalidade em cirandar.
O primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou. Passou também o ônibus lotado sem parar e com uma passagem cara pra dedéu. Você deve ter chacoalhado muito, balançado o esqueleto e se for baixinho como eu, deve ter feito alongamento nas barras do alto. E é claro que isso diariamente é absolutamente desagradável. E é claro que há contas a serem pagas e o dinheiro quase acabando embora o mês não seja ainda nem metade.
Mas no mundo ainda há som de pandeiro. Na tarde ainda há fruta madura e, na noite, lua. E se a lua sorri em quarto crescente e minguante mês a mês, a gente também pode.
Você talvez tenha medo de palhaço, mas isso não impede que seja contada uma piada. Quando foi a última vez que você andou de bicicleta? E o último beijo de língua? O último ombro amigo? O último abraço? O último suspiro doce com casquinha levinha de limão?
Eu acredito que não pode ser triste um mundo em que há cheiro de pipoca e milho verde. Depois de tudo que tem na semana, há sexta à noite e domingo de tarde.
Eu não sou otimista, ao contrário, descrente e desconfiada de tudo quanto é gente nova que se aproxima. Mas e se a gente parasse e comesse uma carambola?
Se for verdade que o universo todo cabe na garganta? Se o seu chefe comprar trinta picolés?
E se houver vitamina de abacate? Língua estrangeira? Pernas bonitas? Olhinhhos brilhantes? Cachorro dizendo eu te amo?
Olha. Passou muita coisa já e o ano mal começa. Eu, você, sua tia e esse senhor aí perto que não para de olhar a hora estamos muito estressados. Temos um medo tácito do mundo.
Mas, lembre: quando chover de novo, vai ter cheiro de terra molhada e a qualquer momento você pode comer um pedaço de pizza. Então, que seja leve o resto da semana! Que seja doce, a vida!

sábado, fevereiro 25, 2012

unha e depois

Você nem tem ainda uma música. Algumas festas e um carnaval. Quem sabe um corpo? Quem sabe? Hoje eu não te vi, mas ontem tinha outra menina até mais bonita, mais fina, mais blush no rosto. Então não vou te fazer rimas, quem sabe? Quem sabe as rimas que um corpo nu é capaz de fazer? De corpo inteiro, você é bom como se fosse sério. não há, ainda, intimidade. Mas seu corpo entende do meu como se fosse machucado ou qualquer coisa de arranhão. Seu corpo flui como se fosse físico e tivesse carne. Como se fosse pênis e eu tivesse algum buraco.
Meu deus! Que coisa é seu corpo nessa madrugada? Que coisa foi seu corpo na manhã?
E como fica, depois de tudo, a boca? A boca iniciou as coisas anos antes até dos dentes. Meu deus a boca premeditou todo e qualquer carnaval.
Então, você, não quero.
Mas me devolva a boca ainda essa semana que ela hoje aprendeu como se faz quando a garganta precisa ao certo dilatar. Você, sem saber, me ensinou. Não volte. Embarque neste mar de coisas matemáticas e me deixe agora com a boca grande e o corpo certo. Arranhe. Arranhe. Vá.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

das carnes prontas

De quando passa o bloco, eu passo os olhos nos ombros e nas barrigas, depois nas caras. Que quando passa o bloco o amor é de confete. Que quando passa o samba o que fica é nadica de nada. Um sopro cujo marco é sorriso.
Ausência completa de gravidade.
Leveza.
Guarde você o tanto que bebe. E não dividamos nada. Nada. Principalmente não telefone. O depois não existe no carnaval. Pensamento, se existe, está errado.
Veja se no sangue circula samba.
E resplandeça.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Lady is a tramp

Pensou em mim como a Olga Benário ou Anita Garibaldi. Olhou e achou que teria uma fiel escudeira que volta e meia se enfiaria nas suas brigas e as tomaria como minhas. Sabia que eu não seria a mãe perfeita de louça lavada e comida no forno.
Pensou que eu pegaria em armas e apanharia e bateria e rodaria a baiana sambando e de salto. Pensou que eu fosse cuspir na cara do guarda e não quis nunca que eu te tirasse do olho do furacão. Nem eu pensei em tirar ninguém do olho de nada.
Mas você não pensou que talvez eu quisesse volta e meia ser Julieta. Que eu quisesse ser protagonista de outra história. Por que o herói é você, Robin Hood, mas eu não sou Mary Ann...
Eu não tenho sangue de briga nem doçura de princesa. Não estou dentro dos seus moldes, nem dos outros moldes.
Você não entendeu o que eu mesma não entendi. Das mocinhas, eu tenho aquela inocência besta de achar que as coisas podem durar e que eu preciso de fazer alguma coisa para que os laços se mantenham. Ao mesmo tempo, eu sou besta a ponto de acreditar em mágica.
Eu podia parar por aqui essa coisa estranha. Mas eu queria que você soubesse que eu sou a atriz principal. A Salomé. A Lady Macbeth. Os meus tapas são sutis, ou são verbais.
Comigo, o lance é veneno.


quinta-feira, fevereiro 02, 2012

BOOM

Eu quero de novo aquele amor doente. Aquela coisa úmida, pastosa, densa, pesada. Aquela coisa que saía da sua boca quando você dizia mole que seria eu a mulher mais feliz do mundo.
Eu quero de novo a lua vista com as minhas mãos nas suas mãos e uma pausa. Eu quero as folhas de janeiro sendo cheiro de janeiro e a gente com cerveja meio batido, meio choco, meio quente se embebedando mesmo da gente.
E se não for você, não importa mais. Eu quero de novo a doença de pele que se pega quando se gosta tanto a ponto de explodir.
Eu quero de novo uma coisa tão grande, tão forte, tão verdadeira que eu mesma não tinha coragem de acreditar que acontecera. Eu quero de novo passar anos duvidando da memória do momento mais bonito da história.
Os roxos no braço. A necessidade. O grito mudo dia a dia todos os dias de mãos dadas e os olhares cúmplices de quem tem culpa por ter absurda, absoluta, inegável paixão.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Um banquinho, um violão

Quando for pra a gente se envolver, que seja lento. Que a gente se conheça antes, um pouco, aos poucos. Que os mínimos detalhes sejam postos na mesa, personalíssimos. Que você implique antes com meu jeito e eu com seu corte de cabelo. As noções de mundo sejam compartilhadas junto com cerveja, vinho, vozes altas e embaraços. A gente se desembarace sei lá como.
Que o toque venha natural e depois fique vulcânico. E a gente se irrite um com o outro, discuta, brigue. Antes. Você se atente para o meu ontem, eu me atente para o seu amanhã.
Então, que eu não te sugue a alma por inteiro em três dias, nem chore. Que você não declare posse de nada, nem do meu corpo. E que nossos corpos se entendam num ritmo outro, menos punk e mais bossa.
Sobre, então: amor, sorriso e flor.

sábado, janeiro 21, 2012

esfinge

Qual o tamanho do medo que você tem das minhas pernas? A velocidade das coisas aparentes talvez não seja sincronizada cabeça a cabeça. Olha, não é nada. Só um sorriso ou outro, umas conversas, sincronia.

Eu não sou exatamente perigosa. Ao contrário, volátil. Uma dessas coisas pequenas de se por no bolso. Só que arde. Queima. Um amontoado ambulante de hormônios e a cabeça cheia de histórias.

Você não sabe a briga que foi pra que eu tivesse hoje essa forma, essa cara e esse furacão. Mas é bem simples, ferro e fogo, pronto.

Não tome cuidado. Abrace e pronto.

terça-feira, janeiro 17, 2012

desconselho

Não requente o amor. Mesmo que dourado. Mesmo que língua presa. Mesmo que um dia excelente, não requente. Deixe pra lá, frio mesmo. Deixe apodrecer num canto longe onde você não veja. Esqueça. As horas nunca voltam para trás e o que foi desfeito que pereça. Mesmo que pareça não ser ainda morte, ou só pequena morte.
Você que é moça sabe de dentro se foi fim ou não. Você sabe o tanto de cartas na manga e o quanto agüenta com as sobras. E se já foi, se partiu, se morreu, não coma. Não arrisque a intoxicação do que o tempo deixa borrachudo.
Não pense em possibilidades, não deixe pra mais tarde.

Não se morra por ninguém.

terça-feira, janeiro 10, 2012

A vida é (em dois mil e) doce.

E de todas as coisas grandes e pequenas que eu podia querer falar hoje neste fim de ciclo que vem com o doze, o doce e os números todos é só o eu te amo que sai.
E eu só quero dizer de verdade.
Eu só quero dizer a verdade.
A vida as vezes é muito azeda a começar pela boca e pelos verbos que não sucedem crases - e se fosse tudo crase eu acharia mais bonito. Você não sabe o quanto eu gosto de sinais gráficos e notas musicais, só sabe dos superlativos. Pois este ano eu quero ser diminutiva e mais lenta, mas ele não sabe. Ele não sabe que eu pretendo sorrir e tenho sorrido e me estressado menos.
Ele ainda sabe aquelas coisas do ano passado e sabe que mãe é bom e sabe o que passou e também como me fazer chorar. E eu não vou dizer nada que não seja puríssimo, límpido e verdade, mesmo que me digam que só é possível verdade em pensamento.
Eu não acredito.
Há direito ao primitivo.
Eu quero o bruto da vida. O chifre do elefante e as coisas mais bregas que forem feitas no mundo.
A verdade, essa moeda gasta e quase sem valor. Bruta.

sábado, janeiro 07, 2012

o que os maias fazem comigo

Se o mundo acabar mesmo em 2012, eu quero passar mais tempo com você. O resto dos dias sem o resto do mundo, dormindo de conchinha em cama de solteiro e acordando como se o colchão fosse de molas, o travesseiro de penas e o lençol de seda. Eu quero aprender a cozinhar coisas gostosas, limpar camarão, fazer moqueca de sururu com requeijão pra gente comer, amassar massa de pão, rolar macarrão, massa de pastel, fritar mais coisa. Fazer iogurte, comprar uma máquina de waffle e comer de manhã waffle com mel ou com manteiga ou com sorvete.
Se for mesmo pra ter só até dezembro, eu quero ir com você ao Maranhão e ao Acre. E dançar forró em Itaúnas e voar de asa delta e andar de balão com você. E te levar num karaokê. E cantar a noite inteira com a cara cheia de cachaça que é pra acreditar que meu timbre é aceitável. E eu quero gastar o dinheiro todo que eu vou ter pra a gente comprar um piano pra você que aí você me ensina a tocar e você toca.
Um filho, também, eu quero fazer. E ter a nossa casa. O nosso cachorro. As nossas estantes de livros e partituras. A gente arruma um empréstimo e deixa rolar.
O mundo não vai acabar?
E, também, antes de tudo, se for mesmo o mundo acabar, eu quero ter coragem pra dizer que eu ainda te amo.

segunda-feira, janeiro 02, 2012

red nose

Ele as vezes tem a língua meio presa e isso é bonito. Ele pra mim mostrou os doces, a ternura, a ajuda e o papel de herói. Mui bien composto, escondeu-se em gritos altos, força e nariz.
Eu disse assim que queria um nariz assim num filho meu. Reto. Bonito. Ele pra mim mostrou um monte de loucuras, uns devaneios, uns xingamentos. A cara feia, o adeus, as tatuagens.
Defeito mesmo, qual? As coisas estúpidas eu ria, as brigas eu cria, os risos eu tinha.
Então era conforto todo dia a existência. A língua presa. O jeito de falar que as coisas são bonitas. O nariz.
E do nariz, meu tombo.
Travei.
I don’t believe in that love anymore.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Para o porquinho da índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Manuel Bandeira



Eu te amo de boca aberta e de boca fechada. De língua. Mordendo. Sobrancelhas absurdas. Eu, então, nem se fala. Absurdíssima, sentida, sentinte. Ouvindo sem ouvir todas as coisas, gostando até de suor. Mantendo.
Eu te amo cabeça nos peitos, pernas enrolantes, boca mordendo nariz. A língua morde as coisas que são suas. Os braços me sustentam de manhã, enquanto dormem.
Eu te amo pelos arrancados, um monte de agrado. Eu te amo sentada. Em pé. Acordada. Dormindo. Absolutamente desconfortável.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

água e sal

Metafísico, o amor me come. Músicas que eu não cantei. Sonhos que eu não sonhei. Dores que eu não quis. O amor me açoita. Espreme. O amor de ontem, errado, me entrou na porta de casa com pressa e funcional. O amor de hoje quis dar boa noite.

Cabe nalguém assim tanto amor?

Estico-me.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Da falta

Então agora você me castiga só por existir. Eu fico sabendo que no mundo é possível coisa grande, sentimento puro, afeto gratuito e vontade de ser melhor. Eu fico sabendo que há gente grande, que há um pra mim e sei lá o que mais.
Daí que longe é seu estado imutável. E eu fico tentando jogar com o resto do mundo num lance meio absurdo de desespero enquanto espero você chegar da guerra. Não sei ser assim antiga. Também não sei ser moderna.
A gente quando?
Sem resposta.

domingo, dezembro 18, 2011

a moça bonita

Eu só não quero chegar em casa. Parar. Pensar. Não quero descobrir nada hoje, nem amanhã. Quero tomar algumas pílulas programadas pra tornar a gente mais interessante. Fazer a unha do pé, sobrancelha, cabelo. Ficar mais bonita que ontem.
Não adianta eu ter o mesmo tom de pele, cabelo parecido, olhos assim, sorriso assado. Em mim você nunca vai encontrar o que procura. É ela. Tranqüilidade, ordem, este tipo aí de doçura. Não, eu não tenho isso não. Eu não sou, nem seria, o que você procura.
É ela.
E se você gosta dela, é ela. Pronto. Não vai achá-la em mim nem ontem nem nunca. Nós, eu e ela, não nascemos no mesmo mês, não temos as mesmas unhas, a mesma paciência, os mesmos cílios, nem as mesmas necessidades. Eu não espremo espinhas como ela e não me tornarei o que ela é.
Ela é única, moço. Como ela, só ela. Pronto.
Vá lá.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Macaquinho


Davi tem quatro aninhos e hoje estou de babá dele.

- Davi, você continua namorando a Isadora?
- Não.
- Ela te deu um pé na bunda?
- Um tênis na bunda. Ela pegou, tirou o tênis e chuaaaaaaaaaaaaaaff - Davi fazia gestos e montava no encosto do sofá.
- Mas você não quer mais namorar com ela?
- Não.
- E ela quer namorar com você, Davi?
- Eu sou um macaquinho!
- Davi, ela quer namorar você?
- Ela quer, mas eu não quero.
- Por que? Por que você prefere ser criança?
- Não. Porque eu sou um macaquinho e prefiro pular de galho em galho.


true story.

sábado, dezembro 03, 2011

cantada

E se for? Mais que samba, mexida de quadris, braços longos. E se for, mesmo, atração de olhos castanhos com olhos castanhos e boca pequena com boca pequena. Pele morena com pele morena. Cabelo crespo com cabelo crespo. E se a textura da pele talvez combinar?

E se, mesmo parecidas, duas criaturas forem diferentes o suficiente pra complementarem-se. Se todo o passado não foi acidente prevendo o presente?

Se a gente não dança? Se a gente não ri? Se a sua voz for o que eu preciso pra me ninar e você não me irrita? Se o meu cós for a diferença pra sua inocência acabar?

Se for a manhã?

Se for mais lógico do que a gente pensa. Se dispensa apresentação? Se não tem mais interrogação? Se pulsa forte?

Por que não?

sexta-feira, novembro 18, 2011

chá

Vá embora, então, do mundo. Da minha vida. Saia do meu ontem e da minha cabeça e do meu jeito de rir. Eu pareço um passado ambulante. Um reflexo de sei lá. Uns cacos colados de cansaço com saliva e azedume.

Trêmula feito xícara em mão de velho, eu sinto ainda suas mãos no meu corpo que nem existia antes.

Preciso sê-lo sem tê-las por mim, em mim, à mim. Preciso ter-me sem contato seu e sem querer te tatuar em mim. Você podia não ser metade. Esconda Mr. Hide de volta no armário e volte mais tarde. Eu faço um chá.

Ainda tem ternura aqui no armário. Ainda tem você no assoalho. Ainda há boca em peito e olhos de ver o que já foi.

Deixa o presente pra lá. Eu não pedi pra saber.

sexta-feira, novembro 11, 2011

Matemática

Você nunca diz euteamo. Um cadinho só de dor. Dois bocados inteiros de angústia.

Eu acho que gosto mais de você do que você de mim, entalei e não disse.

Cinco tornados no peito.

quinta-feira, novembro 10, 2011

pequeniníssimo ensaio sobre ternura

A única coisa que eu te dei, nesse pouco tempo que foi longo ou longo tempo que foi pouco, foi ternura. E eu até entendo que ternura seja, de fato, algo de muito dolorido que toma as entranhas da gente e fica insuportável.

Mas é essa mesma ternura insuportável que faz com que a gente não se sinta completamente sozinho no mundo. Você me disse que precisava de alguém que cuidasse de você e eu (que sou essa maluca, alucinada e que adora ver gente precisando de cuidado porque sente que a própria sina na vida é ajudar) quis ser isto. Quis te por no colo, curar a febre, fazer compressa, passar colarinho, cuidar do almoço, dos pés, da coluna, das dores de cabeça, aplacar a raiva e o que mais de ruim tiver no mundo.

Essa semana, eu estive escorrendo. Eu estava tão cheia de mim que não cabia, aí me fiz em muco de gripe e escorri pra esvaziar um pouco. Às vezes, a gente precisa se escorrer pra suportar a existência.

Quem te suporta?

Eu fico pensando se você consegue lidar com qualquer coisa que mexa nessa sua intocável e magnífica solidão produtiva. Daqui a pouco, você fica velho. Não vai demorar muito, não.

Daí tudo o que você vai querer vai ser um pouco de ternura. E vai ser triste, ficar sem ternura. Sem a dor que a ternura traz consigo. In su por tá vel.

domingo, novembro 06, 2011

ao contrário do pressuposto

Ele não é muito de elogios.

- Cabelo bonito. Olhos bonitos. Pele boa. Bonita, você.

Estranhei. Não sei porque fico. Caímos no chão.

Algum imã existe, não sei.

- Você quer tudo o que você demonstra?

Eu disse sim. Com a boca na dele, eu disse tanta coisa que eu nem sei direito o que ficou.

Eu disse que ia embora, mas a gente perdeu o controle. Ele me puxou sei lá pra onde, guardou meu brinco no bolso como se fosse um pedaço de mim. Disse que gosta.

Temos medo de nos apaixonarmos um pelo outro.

Não somos nem parecidos. Nada em comum.

Ele tem gosto de folha na boca e eu uso terno. Ternos os braços que ele tem, a textura da pele, as pintas, o crucifixo.

- Bom te ver, eu disse no fim. Por que você gosta de mim?

Ele disse que era a loucura de tudo e eu entendi que era eu mesma, não reflexo, nada. Eu gosto de volta. Irracional.

domingo, outubro 30, 2011

Tapa

Agora, Aline, você para de falar e se aquieta um pouco. Bote uma Elba, sei lá, pra tocar e descanse. Não tente agora abraçar o mundo todo. Sossegue.

O amor é isto mesmo que você está vendo.

Trabalhe. Confie. Trabalhe mais um pouco e desconfie. Descanse. Leia. Faça alguma coisa pra mudar de cara. Contenha-se. Depois cante, que quando você canta nem se cuida quem não é seu irmão.

Continue inteira, íntegra, desperta. Não dance ainda, nem pense que vai tudo dar certo no primeiro sorriso. Brigue mesmo. Não abra nunca mão de si.

Aprendeu?

Se reprovar, vai esfolar a cara inteira mais uma vez.

Agüenta?

quarta-feira, outubro 26, 2011

Saudade

Eu sinto falta do que a gente foi um dia. Daquela pressa, da sua calma, de você bravo, do seu regaço, do volume do peito e da gordurinha da cintura. Você nunca foi muito de me olhar, mas cantava.

Eu sinto falta de sentir sua falta em cada segundo e eu sinto falta de dizer apelidinhos que eram nossos. Rir com você. Os filmes, o álcool, o escuro, o frio – que quando é junto é muito mais gostoso. A vergonha que você tinha às vezes de falar as coisas e o jeito de olhar pra baixo.

Eu sinto falta do encantamento, da sua mão na minha nuca, da implicância, dos jogos de tabuleiro, do desenho, da lógica e da Avenida Paulista. Eu completamente sem paciência pra museu, mesmo o Masp, e você querendo apreciar e explicar aquelas coisas que também te fazem e eu não sei ver.

Eu sinto medo de a desistência ser um erro e de os defeitos que eu botei serem todos inventados.

O que é que eu vou fazer depois de você, se parece que nada vai conseguir ficar bonito e os outros homens do mundo vão ter qualidades insuficientes?

Como é que eu faço pra manter-me sólida estando sem você?

segunda-feira, outubro 24, 2011

Essa aflição é paixão ou café? Quilos e litros de droga, sei lá. Tem folga semana que vem? A rima, de fato, não tem. Escrevo em prosa como quem automatiza, máquina.
Eu não sei mais coisa quente. Semana que vem a gente troca de sangue. Eu não sei mais cheiro novo. Esse café é pé ou paladar?
Vixe Maria o que foi isso maquinista?
Fumaça cor de rosa que este mundo noite a dentro fica blue. Letra, depois letra, depois tempo, depois forma, depois letra.
Os braços pesam muito antes de escrever. Os dedos não deslizam mais. O sexo está desaprendido, preso – quase casto.
O ontem sustenta o talvez de amanhã. O ontem eu não sei há quanto tempo passou.

sexta-feira, outubro 14, 2011

depois da páscoa

Um amor grande desses que não cabem. Volta, mas eu não quero. Volta, mas acabou. Um amor desses que queima. Termina hoje. Volta. Termina hoje comigo. Foi ano passado que a gente tentou e ainda dói. Um amor desses que não termina.

Eu quero ontem amor novo. Eu quero amor novo amanhã e hoje.

Eu quero não chorar por amor que não acaba nunca, nunca.

Eu quero nunca mais esperar.

Porque parece que a vida toda, mesmo curta, foi ensaio. Porque parece que o peito todo não cabe a coisa grande que vem quando o nome é citado,

Porque parece que a academia serve pra estudá-lo e parece que eu sirvo só pra isso.

Parece que eu fui feita pra pensar em como seria se fosse alguma coisa.

Parece que eu doía se não fosse alguma coisa.

Eu fico doendo.

Eu fico longe.

Eu tenho, eu juro, outros carnavais.

quinta-feira, outubro 06, 2011

destroço

Tem certeza que não há pontas? Moeda esquecida, roupa perdida, toalha, livro, causa? Nenhum nó na coluna? Um não sem dizer?

Ontem eu não te vi, nem anteontem, nem semana passada. O adeus, dolorido que fosse, ficou facada certa, profunda, infinita. Definitivíssimo como se amanhã fosse coisa sem dúvida. Como se o ontem fosse sem reparos.

Nada, ninguém. Amor puro fantasma que nos passeia de leve.

Eu não sei mais insistir.

sexta-feira, setembro 30, 2011

Prancha

Nem o sarro. Eu não tenho o ritmo, Carlos. Desespero. Se fosse uma cor seria este marrom cor de madeira de violão. Quente. Se fosse cor seria quente, Carlos. Sossegue. Fingir que nada, Carlos. Nada. There is not an us. Can you understand?

Mil vezes seu nome pra ver se mancha. Marcha pra outras freguesias. Longe do meu litoral. Carlos longe, Carlos perto, Carlos arranha. Calos nos pés esperando por massagem. Amor?

Comé que pode jogar palavra assim do nada ao vento. Sem medo de que? De mim tem que ter, Carlos, que eu sou coisa dura de agüentar. Nem o sarro, Carlos. Você que tem as mãos maiores que as minhas costas que nos ombros quase chegam no peito. As mãos, Carlos. Quantos calos têm?

Nem o sarro, Carlos. Nem o beijo.

Amor? Nem no baço.

sábado, setembro 10, 2011

cloro

Vou arrumar mais oito braços pra nadar no mar. O amor antes do grande amor é amor? Há algo mais terrível que o não sei?

O corpo, sim. Prender respiração embaixo d’água e não morrer. Nadar. O corpo, sim, em si, mistério. Arrepios por segundo.

O amor antes do medo é puro?

Amor sem sol. Amor sem morte. Amor sem peso. Paixão? O corpo não diz. Grita. Os cabelos ocultam a verdade.

Can you understand a no?