quarta-feira, julho 31, 2013

Nojento e babão

Tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Decrépito, ridículo, feio de doer. Não sei a idade, mas devem ser uns cento e vinte anos. E gente assim devia ficar dentro de casa, porque gente nojenta deve ter seu direito de ir e vir cerceado. Inclusive questiono se velhos nojentos deveriam ter direito à liberdade de expressão. Na minha concepção, não.

Na minha concepção gente escrota tem mais é que morrer pra deixar de ser ridícula e de enfeiar as ruas. Nas minhas ruas, só gente jovem e bonita. Isso se essa rua fosse minha, mas não é.

E provavelmente todas as coisas que eu disse acima são assustadoras e desagradáveis de se ler, porque afinal de contas eu não posso me referir a um idoso chamando-o de velho, e muito menos de feio, babão e nojento. Isso acontece porque existe o entendimento de que o envelhecimento e a conseqüente perda da beleza e do viço são coisas naturais, que não podem ser impedidas e, portanto, não podem ser julgadas da forma como eu fiz acima.

Pois bem, entendemos que o conceito de velhice pressupõe respeito. Sempre nos disseram que devemos respeitar os mais velhos e tratá-los com dignidade. Fazemos isso, portanto, e tentamos entender suas limitações e ajudá-los no que for possível.

Mas tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Repito sem me desculpar, porque ele dizia que Deus fez o homem e Satanás fez viado e sapatão. Depois ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que tem nojo quando vê dois homens namorando.

Qual não foi minha surpresa ao reparar que, em todo o café, a única pessoa a estranhar essa colocação fui eu mesma. Da mesma forma que é natural não dizer que um velho babão é um velho babão, porque isso é desrespeito, é natural dizer que homossexuais são nojentos.

A referência me parece difícil de alcançar, primeiro porque eu sou jovem, mal completos vinte e cinco anos e muito pouco conhecimento acerca de preconceitos com a sexualidade alheia. Nunca me ensinaram que um homem que beija outro homem é nojento. De forma que não aprendi a pensar assim. Por outro lado, sempre me disseram que todos merecemos respeito e que ninguém merece ser julgado, e que todos temos direito à defesa.

Fiz-me, portanto, advogada de meus amigos homossexuais, que por não estarem ali, ou não se anunciarem ali naquele momento, não poderiam defender-se das acusações de serem nojentos ou filhos de Satanás.
Expliquei, exaltada, que partindo do pressuposto de que exista um deus_ que eu não sei se existe_, este criou todos os seres humanos.

Mas Deus criou macho e fêmea, retrucou o velho. Sim, genitália feminina e genitália masculina, mas ninguém é melhor ou pior por ser gay. Ser gay não é ser ruim. Ser ruim é ser mau-caráter, tentei ser simples na argumentação.

O senhor velho babão, entretanto, não acredita que, da mesma forma que ele não escolheu ser velho, os viados e as sapatões, como ele disse, também não escolheram sentir atração por pessoas do mesmo sexo.
Eu talvez não devesse tentar discutir, mas ele insistia em Satanás, e eu disse que esse tipo de pensamento é ridículo. Ele disse que ridículo é ser gay. O moço do balcão serviu meu café e disse para que eu deixasse para lá. Eu expliquei que é ridículo disseminar esse tipo de fala porque é isso que faz com que depois um homossexual apanhe na rua e isso seja natural.

O velho disse que ele não disse isso. Eu expliquei que se fica socialmente aceito que Satanás fez os gays, e que todo o pecado deve ser eliminado, isso motiva a violência contra essas pessoas. O velho insistiu que eu botava palavras na boca dele.

Eu disse que não estava botando palavra nenhuma, só explicando as conseqüências do que ele mesmo diz. Aí ele gritou que viado é tudo nojento. Eu gritei de volta que nojento é gente preconceituosa.

É lógico que eu estou equivocada por entrar nesse tipo de discussão com um senhor que, ao que parece, não vai mudar de opinião. É lógico, também, que eu não tenho argumentos bons o suficiente para competir com um preconceito que eu mesma não conheço, nem sinto na pele. Entretanto, não consegui evitar a revolta, nem a discussão. Por fim, me sobra contar o que houve pra ver se mais gente se assombra junto e deixa de ensinar que o inevitável é nojento. 

7 comentários:

Lais disse...

Se o mundo se preocupasse mais com os problemas do mundo, o mundo seria melhor. Mas ao invés disso, preocupam-se para quem as pessoas dão ou quem as pessoas comem. Parabéns aline, pela atitude. Aposto que ele refletiu depois desse bate boca.

Aline Dias disse...

Tenho cá minhas dúvidas se o cara do bate-boca refletiu. Mas quem estava em volta talvez tenha.

Jace Theodoro disse...

Sim, é um velho nojento e babão e, embora mereça nosso desprezo, merece igualmente ouvir outra versão que corrompam sua burrice mental. E vc é uma flor de delicadeza com esse texto belo e sensível. Meu beijo. Jace Theodoro.

Jace Theodoro disse...

Errata: 'que corrompa'

Anônimo disse...

Que desrespeito com os idosos. Se ele é um velho, babão e nojento, por que perder sua juventude com ele? Os velhos, estão velhos, conflitos de gerações, vidas sofridas. Não julgue o pobre coitado por um comentário infeliz. Nós jovens podemos aprender muito com o conhecimento deles. Não os menospreze com essas palavras, pois comete a mesma falta de respeito que ele comete com os gays. Se você não sabe os idosos também sofrem muito na sociedade, visto que a maioria são jovens, portanto eles são minoria, muitos sofrem com aposentadorias, e preconceitos que sofreram quando eram novos, em uma época que o pensamento não era tão livre quanto hoje. um dia, se você conseguir, pode ser que você fique velha e entenda isso.

Aline Dias disse...

Eu sei disso, anônimo, o que você chama de desrespeito é uma ferramenta muito utilizada em textos, chamada ironia.
A intenção do autor, no caso, foi explicitar uma ofensa que é reconhecidamente desrespeitosa para comparar com a outra ofensa, que é tida como natural, mas que é exatamente a mesma coisa.
Fico feliz que tenha compreendido a ideia.

José Eduardo Coelho Dias disse...

Eu não tenho a menor dúvida de que o tal velho (aquele ou aquilo sobre o qual o tempo opera) era (é) nojento e babão. Pela forma como ele usa a boca, sim, é beiçudo também.