quarta-feira, outubro 28, 2009

It’s not tupi. É o Tom.

Quem canta aqui é Ella Fitzgerald. Ela está dizendo que só dança samba e eu aqui do outro lado, do mesmo lado e de pernas cruzada à índio, ando dançando letras. Rebolo mais que Ella, que a minha pretice é brasileiríssima. Inclusive, estou hoje mais brasileira do que de costume.

E ultra fora do meu tempo.

Caríssimos sete (meus únicos) leitores de estimação, bom dia. Boa tarde. Ótimas noites! Ando com muito orgulho de falar português, mesmo não sabendo sambar um átomo sequer. Gostaria de declarar como quem grita que palavra boa em português nasce de Pindorama desde a carta de Caminha.
Quem disse não fui eu, foi o Zuenir Ventura numa palestra que eu tive a sorte de assistir. Pense, leitor número sete, que a carta que olha para as vergonhas descobertas das índias desavergonhadas é samba puro. E o Zuenir disse também que há muito de crônica.
Mas, meu Deus! Tupã! Zeus! Thor! Me digam: que raios é essa coisa de crônica? Zuenir Ventura disse que pode ser tudo, mas não pode ser chato. Disse também que Rubem Braga era o máximo falando de nada. E que delícia ler sobre suas aulas de inglês!
Está tudo lá, em bom português. Rubem falou do que parecia não ser um livro, do que era um cinzeiro, esse samba todo de aprender língua dos outros...
Depois, minha cabeça automática pensa em Drummond falando que “fulana é toda dinâmica, tem um motor na barriga. Suas unhas são elétricas, seus beijos refrigerados, desinfetados, gravados em máquina multilite”. Mas Drummond sequer conhece fulana. E eu? Eu sou brasileira que não sabe nada de samba nem de letra.
Então, eu danço com Ella. Americanizadíssima. Voltei assim do último filme de Hollywood. E Ella? Brasileiríssima cantando um monte de Jobim nessa playlist que é americana até no nome.
Façamos então o seguinte: vamos agora Caetanear! Perguntemos juntos no meio da música dele: o que quer, o que pode essa língua?
Mas se não há resposta para vocês, como não há para mim (e eu espero mesmo que essa resposta nunca venha inteira), vamos dançar, sambando ou não. Dancemos palavras, sons, Ella, eu, vocês e os braços todos dados!
Agora, vamos todos brincar de roda (de samba ou de leitura, ou de qualquer outro sentido)!

terça-feira, outubro 20, 2009

As Marcelas e o meu coração

Marcela não entende nada de paixão. Aliás, nenhuma Marcela entende essas coisas. Minha vida tem duas Marcelas principais: A minha irmã, que é só Marcela, e a Marcelinha, que é Marcela Rangel, a classe em pessoa – nome e título.
Pois aconteceu que eu inventei neste fim de semana de, só para variar, viver uma história de amor. A Marcela minha irmã riu da minha cara e avisou que independente de qualquer história, era bom eu tirar os sapatos do chão do quarto por que a faxineira não tinha qualquer obrigação de saber onde eles ficam guardados.
Quase que eu chego atrasada ao encontro com a minha paixão de fim de semana que a Marcela já sabia que iria embora na segunda. Aposto com todas as fichas, como se eu tivesse uma quadra de ases na mão: se eu tivesse ficado doente, Marcela não me fazia arrumar os sapatos.
Mas todos somos duríssimos com as paixões dos outros e com as nossas próprias, inclusive eu, que nunca digo eu te amo para ninguém e saio fugindo de quaisquer possíveis amores. Não há tempo de se apaixonar nem de sofrer quando a gente têm tanto trabalho.
Sapatos arrumados, atraso computado, jantares e beijos sem nenhum mísero gole de vinho. Fiquei besta e brega encantadíssima com minha primeira e ainda única paixão de fim de semana. Então fui toda boba contar para Marcela Rangel, a classe em pessoa, a história bonita que eu tinha vivido.
E ela riu na minha cara. Disse que eu sou brega e que eu fico acreditando em tudo que qualquer gordinho fala para mim.
Mas ela não estava lá. Nem ela nem a outra Marcela. Se elas estivessem, nem sapatos arrumados nem risada. Talvez ambas tivessem chorado comigo na despedida e sentido um aperto no peito o dia inteiro.
Por que a minha paixão foi para longe de mim dois dias depois do início e nós decidimos, por sugestão minha, combinar uma música para lembrar um do outro. E eu não gostei da música escolhida, mas tenho perfeita noção de que neste momento, qualquer pessoa que me leia me acha mais brega que o Wando.
Mas a culpa não é minha. Também não há culpados a procurar. Talvez eu tenha me transformado repentinamente na última romântica deste litoral.
Marcelas não tem que entender nada.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Escapismos

Ao Sido

A rua de repente ficou vazia. Vazia. Não tinha nada que ver além do que estava dentro. Nenhuma dança no dia anterior, apenas peixe e um enxame de palavras que mesmo desmembradas estavam carregadíssimas de sentido.
Sentia com cada canto de pele, unhas dos pés, fios de cabelo, pêlos. Sentia principalmente dentro do peito sem poder fazer nada a respeito. Sequer podia pensar que não podia ser peito, mas cérebro. Esqueceu-se do cérebro por que a rua continuava vazia e os olhos não viam nada além do sol.
Gente passando por todos os lados.
Solidão.
O carro partiu com ele para longe e ela nem olhou para trás.
Comprou cigarros e pronto.
Sempre havia ombro amigo pra cospir fumaça.

domingo, outubro 11, 2009

O poder ultra-jovem ao telefone

Ligo para a casa do meu pai e atende uma vozinha esganiçada de criança cujo dono tem três anos de idade:
- Alô!
- Oi? Heitor?
- Ahan!
- Oi meu bem!
- Quem tá falando?
- Sua irmã preferida.
- Vó Euza?
- Não. Sua irmã. A Vó Euza não é sua irmã, é sua avó.
- Aline...
- Ô coisa linda!
- Marcela!
- Não. Aline.
- Aline, cadê meu presente de dia das crianças?
- Não tem presente, meu bem.
- Eu quero falar com a Marcela!
- Seu pai está aí, meu bem?
- Não. Ele está trabalhando.
- E sua mãe?
- Minha mãe está ocupada. - E enquanto ele dizia com toda a sua firmeza de quem tem três anos de idade, sua mãe gritava ao lado: “Heitor, eu estou aqui sim! Deixa eu falar com a Marcela!”
- Heitor, deixa eu falar com a sua mãe, por favor.
- Ela está ocupada! E eu quero falar com a Marcela agora!!
- Tudo bem. - afastei o telefone da boca e gritei – Marceeeela! - dei um tempo e voltei ao telefone. - Oi meu amor.
- Ei Marcela!
- Deixa eu falar com a sua mamãe?
- Não deixo!
- Heitor, é Aline ainda, eu estava fingindo que era a Marcela. Deixa eu falar com a sua mãe.
- Não! - e ria sua risada vilanística de quem tem três anos de idade. Então, num surto, eu pensei não estar falando com Heitor, meu irmão de três anos, mas com Alice, minha prima de cinco que tem um princípio de transtorno obsessivo compulsivo e não pisa na parte branca da calçada nunca.
- É Alice!
Do outro lado. A mesma risada de criança.
- Alice, me deixa falar com a Kátia!
- Ahahahaha! Enganei o bobo na casca do ovo!
- É Alice ou Heitor?
- Eu vou desligar.
- Deixa eu falar com a sua mãe!
- Não. Vou desligar. Tchau.
E a peste desligou o telefone. Liguei de novo e a Kátia – minha madrasta e mãe do meu irmão - atendeu. Não era Alice ao telefone coisíssima nenhuma. Era mesmo o Heitor fazendo hora com a minha cara e manifestando com todo o seu charme o absoluto poder ultra-jovem.

sexta-feira, outubro 09, 2009

Pesquisa de campo

Três ou quatro detalhes escaparam aos dois quando decidiram que era hora de parar. Não devia ter sido fim, mas nem ela nem ele sabiam lidar com trocas de olhares posteriores.
Ela era dessas pessoas secas que acham que absolutamente tudo é matéria. Que cada coisa serve para coisas futuras. E ela ia comendo esses detalhes para compor canções - pouco ligando se ele iria ou não ouvir.
Os homens não eram mais que objeto, teste, estudo de caso.
É claro que ela se envolvia. Se não o fizesse, não conseguiria compor qualquer coisa e tampouco haveria verdade. Mas ele gostava de afeto enquanto ela gostava de carne.
Então, decidir parar de não se aproximar foi fatal.
Toque e fim.

domingo, outubro 04, 2009

Lua cheia

Talvez essas redes não tivessem que fazer sentido. Eu não devia te dizer, mas essa lua cheia transforma tudo em lobo. As redes eu rasguei com as unhas pra tudo ser lua.
É mesmo uma bela visão.
Não há nada que não possa ser desfeito com boas unhas. Mas talvez as redes sejam as coisas mais graves, grandes e misteriosas.
Não sei mesmo pra onde vou depois daqui. Nasceu um filho de um amigo meu e a outra lá disse que estamos ficando isoladas com nossos cigarros acesos. Trata-se de perseguição óbvia.
Como é óbvio que eu quero fugir dessas redes que fazem sentido.

terça-feira, setembro 29, 2009

Para não pensar em açúcar

Eu hoje queria escrever algo que fosse doce. O problema é que não gosto de coisa muito melada. Eu sou dessas pessoas que vivem à mil e são grosseiras de tão francas. Geralmente, eu gosto mais do que rasga e menos do que adoça.

Acontece que ontem, a Marcela Rangel – que é a classe em forma de gente - disse que é preciso ter filtro na língua e que se é para falar sem pensar, melhor tirar o cérebro logo que ele é desnecessário. Eu, que tenho orgulho em dizer que adoro sinceridade, me assustei um tanto com esse discurso.

Depois concordei.

E hoje de manhã eu comprei um chaveiro de leão de pelúcia enorme e uma caneta com cabeça de vaquinha. Me senti tão meiga e terna que nem lembrei que a ternura é das coisas que mais dóem em mim.

Foi quando eu saí da sala de aula e vi uma árvore linda. Foi tanta coisa feliz e doce junta que eu nem pensei em mel. Fiquei imaginando todas as histórias que já se passaram em baixo daquela árvore. E ela continuava parada na minha frente ventando aquelas coisas secas parecidas com vagem que ficavam penduradas ali sem fazer muito barulho.

E eu não sei que árvore é aquela e nem quero saber. Um professor de barba branca uma vez disse que o conhecimento acaba com a paixão. O negócio é o mistério.

Então eu não vou procurar nada sobre a árvore. Me basta olhar o tamanho e saber por dedução que ela é mais velha do que eu.

O resto são histórias em que a árvore bonita é mero pano de fundo. Mas é bom não esquecer que o cenário influencia bastante no drama.

Enquanto isso, as pessoas falam sobre tipos de dor na aula em que eu penso em quantos beijos existiram à sombra daquela mesma árvore.

Então lembro que as árvores da minha rua de criança tinham nome de gente e não podiam ser aparadas sem enfrentar maciça revolta infantil.

A vista da minha janela também sempre foi árvore. E quando chovia, era o melhor cheiro do mundo aquele de umidade com terra e folhas.

E agora as histórias todas continuam - independentemente de mim - e eu tenho certeza: as coisas mais doces são as árvores. Principalmente perto da janela.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Fluidos

Foi furando o ventre de uma vez só. Lançou um jato logo de cara e nem deu pra engolir. Automaticamente todas as coisas pararam diante de Marina quando aqueles olhos castanhos fixaram-se nos seus.
Não parecia ser nada e ela não deu importância. Todavia, foi só pegar no sono que a garganta ficou entalada e o sangue foi vazando pelos poros.
Talvez as duas bolebas castanhas estivessem então dentro do corpo de Marina fazendo internamente o caminho externo que já tinham de cor.
Mas ela queria engolir as bolebas junto com o resto ao invés de sentí-las furando-lhe os olhos e conhecendo um corpo tão desprevenido.
Foram três dias de incômodo e nenhuma solução.
Se estivessem nas órbitas, Marina não perdia tempo em dar um peteleco nas duas bolebas.
Ou talvez apanhasse-as com as pontas dos dedos, cheirasse, lambesse e devolvesse os seus olhos no lugar.
Marina queria troca de coisas que não fossem olhares.
Fluidos.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Descalça

Da última vez que passou por aqui alguma coisa próxima de paixão, ficou toda presa nos pés. Primeiro os ossos pareciam fora do lugar, depois o pé simplesmente doía.
Eu acho que esmaguei a paixão.
Mas não. O certo seria dançar e pensar qualquer coisa como um respiro apaixonado para continuar sempre ofegante.
O homem só respira dignamente quando ofega.
Eu acho que o lance agora é cair no samba (talvez os pés façam subir alguma coisa).

terça-feira, setembro 01, 2009

Mais uma sobre tempo

Vou eu de novo falar de tempo, de medidas, de segundos e ponteiros de relógio. Fiquei sabendo que de maio pra cá ninguém tem notícias do relógio que habitava a casa dos Braga. Os cachoeirenses conhecidos se dividem em indignados e indiferentes.
Para os conhecidos cachoeirenses indignados, é um absurdo alguém ter pego da parede um relógio que um dia pertenceu a Rubem Braga. Porque Rubem além de ser o maior cronista brasileiro é principalmente um cachoeirense nato. E todos nós que tivemos a sorte de nascer naquelas terras quentes temos muito orgulho de tudo aquilo, mesmo as águas barrentas do Itapemirim ou o tempo estranho. Os cachoeirenses de verdade tem por obrigação tácita carregar consigo o bairrismo dos arredores do Itabira.
Mas o fato é que eu não tenho relógio e nem sei se preciso. Se me roubassem um, jamais sentiria falta dos ponteiros. A ânsia louca de marcar todo tempo em unidades de medida me apavora, mesmo sendo eu uma dessas pessoas que gosta de saber a hora do planeta.
É que um relógio em si não é ruim e é bem bonito, mas o contar dos segundos de tudo tira parte do prazer das coisas como todo e qualquer padrão. Tudo que é feito com tempo muito contadinho tem preocupação demais.
Eu tenho uma tia que adora “O pequeno príncipe” e sempre me lembra que as pessoas grandes se preocupam demais com números e esquecem de saber se tem flores em casa. Esses relógios são a marca disso. Dos números que sobem à cabeça das pessoas deixando-as cegas e antipáticas.
Essa minha tia é cachoeirense e não parece se importar com o sumiço de um relógio. Mesmo ele tendo pertencido a Rubem Braga.
Mas tem outra coisa. O relógio pendurado na parede de um museu é uma afronta aos amantes dos números. Como é que pode um objeto com fins tão específicos como contar o tempo servir assim de enfeite? Pois contar o tempo deve ser papel principal e não importa se a medida escolhida é subjetiva ou as ampulhetas e os relógios de sol são muito mais charmosos!
Eu não roubaria um relógio de parede. No fim das contas, só é um enfeite muito bonito quando não está torturando pessoas com horários.
Meu problema não é o tempo, esse amante inevitável que fica ao meu lado todo dia entre flertes e risadas. Meu problema são todos esses números asfixiantes.
Então, eu não tenho relógio. Rubem Braga também não tem mais.

domingo, agosto 23, 2009

Heitor, Davi e a história das brigas de irmãos


Ela me ligou e mandou eu falar com ele por que somos filhos dela e irmão não pode brigar. Fiquei com aquilo na cabeça, mas não fiz nada. Pensei em tudo: Caim, Abel, Esaú, Jacó, as gêmeas Olsen, Ruth e Raquel, Sandy e Jr, Flora e Donatella...
Eu e Marcela.
A gente tinha os mesmos amigos e sempre brincava na rua junto. Ela ensinava para os outros como me chamar de bom bril e eu contava que ela comia as roupas. E eu brigava com as crianças maiores que ela que brigavam com ela por que eu era a irmã mais velha que batia nos outros. Aí a gente cresceu e agora tem dois irmãozinhos pequenos com a mesma diferença de idade da gente.
O Heitor é mais velho e também é mais bobo. O Davi é um grande palhaço. Os dois são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, mas tem um monte de outros irmãos mais velhos.
Hoje, eu estava fazendo montinho no Davi (o mais novo) e o Heitor resolveu entrar na brincadeira. Ficávamos os três pulando na cama, rindo, as praguinhas puxavam meu cabelo e eu fazia cócegas em ambos. Até a chupeta do Heitor cair atrás da cama.
O menino se desesperou, aí eu arrastei a cama e fui pegar a chupeta. O Heitor reclamou que o Davi, um ano e seis meses mais novo, estava batendo nele. Olhei e não vi nada. Depois eu peguei a chupeta e o Davi meteu a mão na cara do Heitor. Entreguei a chupeta e mandei o Heitor ir lavar. O que o Davi fez? Arrancou a chupeta da boca do outro e jogou de novo atrás da cama.
Heitor abriu o berreiro e lá fui eu resgatar a chupeta.
Chupeta de volta nas mãos do Heitor. Chupeta na boca do Heitor. Davi arrancou de novo o objeto e mandou pra trás da cama. Heitor abriu o berreiro.
Pesquei a chupeta. Heitor chupou. Davi arrancou. Eu comecei a rir. Chupeta atrás da cama. Heitor começou a chorar. Davi ria da cara do Heitor.
Chupeta resgatada, Heitor pulou da cama. Davi desceu atrás. Heitor sentou na cadeirinha e o Davi pegou o chapéu de festa junina pra brincar e ficou fazendo umas palhaçadas. Tentou colocar dois chapéus ao mesmo tempo e depois desistiu. Heitor resolveu pegar um chapéu. Davi não deixou.
O Heitor este tempo todo estava reclamando e berrando e voltou a tentar sentar na cadeirinha. Acontece que num erro de cálculo o menino se espatifou no chão com a cadeira ao lado. Chorava escandalosamente.
E o que o Davi fez?
Arrancou a chupeta do Heitor e jogou longe.

sexta-feira, agosto 21, 2009

ode ao seda anti-caspa

Não. Eu não pensei nada. A idéia era só comprar pasta de dente, shampoo e sabonete nas lojas americanas e depois ir embora pra casa. Aí surgiu aquela grande prateleira cor-de-rosa cheia de vidros azuis de shampoo anti-caspa e eu lembrei de todo o resto. Três anos sem sentir aquele cheiro ou qualquer coisa relacionada a ele.
Lembrei de todas as caspas, os piolhos, as fugas e muito cabelo pintado de cores distintas. Água oxigenada e aquele maldito shampoo anti-caspa que me olhava ameaçador. Fiquei pensando o que sentiria. Fiquei aflitíssima de frente para um dócil vidro de shampoo.
Depois me aproximei.
Fui lembrando de quando reconhecia de longe aquele mesmo cheiro de shampoo em qualquer pessoa e tinha memórias mil de muitos toques e frases canastronas.
Abri o maldito vidro e cheirei.
Nada.
Fui embora feliz.

sexta-feira, agosto 14, 2009

seco.

É que de repente, todos os ossos, os músculos e a pele ficam pregados e endurecidos como se nada mais pudesse ser solto.
Então tudo pulsa meio torto e os olhos andam mais inchados sem qualquer motivo.
nem nada.
Por isso as pessoas rebolam.

quinta-feira, agosto 13, 2009

Carta despretensiosa para a solidão

Olá, solidão. Você sabe que por muito tempo eu te quis do meu ladinho para poder trabalhar, escrever, pensar coisas e conseguir ter a minha individualidade inabalada e bagunçada. Mas chegou num ponto em que eu não me reconheço no meu quarto e que eu sinto falta de sentir falta de você.
Não teremos muitos problemas. Já somos amigas a tanto tempo que você sabe que eu grito com muita gente pra estar com você ouvindo música, fumando ou dançando aquelas coisas doidas que só se dança escondido.
Você também sabe que eu confio muita coisa a você e que eu não sei passar muito tempo longe, que eu sou grudenta e que eu tenho necessidade de reconhecimento. Mas, solidão, esse eco constante da sua vaziês está me corroendo.
Vamos sair pra almoçar qualquer dia, mas hoje eu quero me embriagar de outras presenças.
Espero que não dure muito,

mas isso é uma carta de despedida.
Muito obrigada pelo nosso tempo produtivo.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Respiro

Acordou com muita vontade de jogar as sacolas de lixo pela janela do apartamento. Ao mesmo tempo, a cama parecia ter um imã e a boca parecia estar sem um pedaço. Então foi estalar as costas para ver se o corpo esquentava e as sacolas saíam do lugar.
Andou dançando pela casa e pelas ruas rodeada de muitíssimas flores. Então lavou o cabelo e partiu-o conforme a música.
Achou que tudo ia começar de novo e a vida mudou de gosto mesmo sem paixão de carne.

terça-feira, julho 28, 2009

Salto

E nessas eu fui ficando pelas metades, torta. Meio suja meio limpa, meio cansada, meio acordada, meio dormindo, meio confiante, meio insegura.
De saco cheio e muito vazia.
Talvez se ele voltasse atrás e me mostrasse um abraço com o sorriso e se ela dissesse que se confundiu e se aquele outro não fosse tão seco, estivesse tudo bem.
Mas acontece que os livros de auto-ajuda todos dizem que a gente se faz nagente mesmo com ego à toda e muita classe.
Não tenho classe e não gosto de livro de auto-ajuda, mas se eu soubesse escrever um poema, teria ritmo de samba e não ficaria pela metade.

quinta-feira, julho 23, 2009

A fantástica aventura da contação de histórias.

Então eu fui contar para o Heitor, de 3 anos, o Davi, de 1 ano, o Guilherme, de 8 anos e o José, de 10 anos, a história do Harry Potter. Nos centamos em círculo para que eu lesse o primeiro livro da saga.
Primeiro o José e o Guilherme reclamaram que o chão é frio e bom mesmo seria se lêssemos sentados na cama dos pequenos.
Então fomos para a cama.
Aí o José reclamou que o Davi estava calçado e ele dormia ali e ia sujar tudo. O menino tirou o sapato e começamos. Tudo certo na narrativa e todo mundo acompanhando até o Davi pular da cama por que queria que eu contasse a história do Lobo-bolo.
Então o Heitor pediu pra ler um pedaço.
- Heitor, você não sabe ler. - respondi.
- Sabe sim. - Heitor retrucou.
- Certo, então o que está escrito aqui? - perguntei.
- Harry Potter - José soprou baixinho no ouvido do pequeno e eu fingi que não vi.
- Mary Poppins - Heitor respondeu, muito convicto.

sexta-feira, julho 17, 2009

Davi


Davi, se soubesse ler, sentiria ciúmes. Não sei se o leitor está a par de minha vida familiar, mas eu tenho sete preciosos irmãozinhos. 6 meninos e uma menina, a Marcela(oi mocréia!).
Acontece que entre esses textos todos sobre o sexto irmão, o Heitor, não falei hora alguma sobre o sétimo, o Davi.
Esta coisa pequena de nome Davi é desses que não tem medo de qualquer Golias. Meu pai mesmo tomou-lhe a chupeta anteontem dizendo "é meu". Davi não se assustou. Pegou a chupeta de volta entre gargalhadas e gritou "é meu". O detalhe é que o menino tem um aninho de idade apenas e nenhum medo do papai. Apenas respeito.
Quando ele foi tomar vacina mesmo, dia desses, não berrou. Deixou escorrer apenas uma lágrima enquanto olhava nos olhos de meu doído pai que talvez sentisse em si mais que as agulhadas, a dor da traição que acreditava ter cometido. Ocorre que eu me lembro bem de ter visto meu pai avisar para o Davi que ele iria tomar uma injeção que dói muito. E o pequeno não arregou nem assim.
Também aconteceu esses dias de o menininho levar uma mordida de um coleguinha da escola. Mas ele não me contou o episódio entre lágrimas. Apenas declarou:
- Nini, minino modeu o neném. - E mostrava o bracinho.
- E o neném fez o que? - perguntei.
- Bateu no bumbum dele. - E gargalhava, o pestinha.
Como podem ver, Davi é um sujeito extremamente perspicaz com sua longa jornada de um ano de vida. Sabe se virar sozinho em diversas situações e, inclusive, tem um excelente senso de humor.
Anteontem eu fui contar uma historinha para ele (aquela da Chapéuzinho Amarelo, escrita pelo Chico Buarque) e me empolguei. Eu batia na mesa enquanto narrava alto a fala de um lobo de voz muito mais grossa do que a minha. Davi então se empolgou junto. Eu dizia "SOU UM LOBO" e ele gritava, engrossando a vozinha "SOU UM LOBO".
Depois seguia com aquela gargalhada gostosa e acompanhava todas as histórias. Quando se cansava, pulava da minha perna e ia embora. Pronto.

terça-feira, julho 14, 2009

folga

É por que quando tudo parece ser ao mesmo tempo e não ter mais espaço pra coisa alguma é que a cabeça fica mais ativa e respirar fica mais gostoso.
Da próxima vez eu juro que tento escrever coisas legais no twitter, mas agora eu preciso pensar em frases curtas e viradas radicais. Como se voz fosse surf e tudo fosse extremamente divertido.

Mencionei alguma vez que eu gosto muito mesmo de trabalhar?
(e de buscar intervalos entre tempestades)

quinta-feira, julho 09, 2009

O que se pensa

Vamos ficar assim, eu boto a cara amarrada e você bota a cara de sono. Então contamos um ao outro todas aquelas desventuras que acontecem. Nada demais não, apenas clichês e um pouco de boa companhia.
Mas aposto que ficaríamos muito melhor se dormíssemos mais, principalmente bem acompanhados.
Naquele outro dia eu sonhei com alguma coisa de cores quentes e eu sei que você sabe que o clima pede mais do que salada.
É por isto que tomamos sorvete neste sol quente de inverno. A gente não vai chegar a conclusão nenhuma se continuar negando que a pele só quer pele.

terça-feira, junho 30, 2009

mau-humor

Eu sinceramente não consigo entender por que as pessoas insistem em falar baixo, sussurrando de forma que os esses fiquem saltando irritantemente.
Todos esses pequenos barulhos me irritam de forma que a reação imediata do meu corpo é abrir as mãos o máximo possível e fazer cara de nojo. Como quando ficam sugando coisas, arranhando coisas ou quando uma única gota repetitiva insiste em cair da torneira.
Eu fico me segurando, mas de repente sobe tudo ao mesmo tempo e eu simplesmente grito como se nada houvesse a ser feito além de impedir a continuação do meu martírio.
Mas quando falam alto perto de mim eu nem ouço. Quando martelam ou quando passam ônibus eu desligo depois de um tempo. E se o chuveiro fica ligado eu não ouço.
O problema é sempre a gota d'água.

segunda-feira, junho 22, 2009

Atlas

Quando toda a raiva subiu, Ana não quis comer nada. Enfiou umas roupas na mala e saiu gritando, chorando, bamba e sem se conter. Por onde passava sempre aparecia um lenço e uma voz ou outra perguntando se ela estava passando mal.
Mas era o fim de tantas coisas que Ana só queria seguir com seu choro pra longe e aguentar o tranco de tudo. Se lavava com sal, saliva e lágrimas, mas não ficava ainda limpa.
Precisava parar um pouco, mas o mundo não parava de girar, o pulmão não deixava de puxar ar, as mãos não deixavam de tremer e os carros não deixavam de passar. Se nada parava, Ana tampouco.
Seguia tentando ser firme e aguentar toda aquela dor explodindo no peito.



















Então ficou desacordada no meio da rua por um desmaio e tudo o que acontecia em volta passou em branco.

quinta-feira, junho 18, 2009

ID

Um pouquinho de coisas novas faria muita diferença se eu não estivesse ouvindo as mesmas músicas e não tivesse tanto medo.
Gente fina é outra coisa.
Queria guitarras distorcidas e um pouco mais de calma talvez pra talvez sumir e talvez falar menos e talvez virar noites num movimento circular e retilínio, curvo e nada nada nada uniforme.
Então parar de pensar em qualquer coisa e deixar que os dedos guiem as danças sem qualquer freio enquanto o teclado de computador faz música com cordas postas atrás. e um ritmo de letras num ritmo de som e melodias novas finalmente.
e filosofia.
Quando ela acordou daquele sonho em que a navalha lhe cortava o olho transformando-o em uma grande bolha d'água que explodia e molhava todo mundo, sentiu muito gosto de lágrima na boca. Cheiro de batata frita.
É por que sem coisas novas, nada que não seja pedaço de sonho faz qualquer sentido.

quarta-feira, junho 17, 2009

Confiança

Fiona Apple - Criminal


Fingia que aquele salto todo finíssimo não fazia a menor diferença. Mas era no equilíbrio sobre os pés elevados que ela fazia todo o seu charme. Mexia os quadris num ritmo firme e se mostrava capaz do equilíbrio supremo de bico fino.

Coração a mil. Uma hora ou outra aquela máscara ia pro chão e ele ia entender que sem sapatos, ela era apenas ela.

Respirou fundo e retocou o batom.

Enquanto houvesse dor nos pés, não haveria outra.


Nota da autora: se eu fosse vocês, ouvia a música. Valeu Mike pela música e Ariel pela foto.

sexta-feira, junho 12, 2009

manhã

Tanto cheiro de cebola e óleo e tudo tão quente que eu quis ir embora.
Aquele casaco grande dele e aquela cara de não ter dormido da gente parecia combinar com o bacon da panela.
Me senti muito americana com aquele café todo. Mas o cheiro de cebola com bacon, óleo, pão e café torturava tanto quanto o calor.
Eu me sentia parte de outra coisa que não incluía café.
Foi muito difícil deglutir tudo, mas se eu saísse correndo ele talvez quisesse me ver de novo. Fui simpática e grudenta como toda mulher fácil demais.
Quis que ele me pensasse vagabunda pra simplesmente não ter amanhã.
Mas ele insistia em cafuné e eu doía junto com o bacon, como se eu estivesse com as beiras queimadas em óleo. Como se tudo fosse lento e as paredes estivessem quentes como uma panela, me oprimindo.
Quando eu fui embora, quis não comer bacon nunca mais e torci muito pra ter outro café torturante.

quarta-feira, junho 10, 2009

Tédio

Estou cansada.
Ontem, quando eu fui embora, você não achava que eu ia.
Talvez quisesse que eu ficasse mais e mais te esperando pra sempre com um sorriso no rosto e nada além disso na cabeça.
Mas eu não sei mais. Estou cansada.
Tive que ir dormir e talvez esperar que chegasse o dia seguinte.
E não teve mais nada.

sábado, junho 06, 2009

Manifesto

Quando eu te quis, também quis que fosse apenas por razão. Mas este músculo involuntário idiota continua pulsando sem que eu mande numa velocidade extraordinária.
Quando eu sinto gosto de cerveja e cigarro, te odeio por que é como se tivesse acabado de sair de um beijo.
Vai, músculo imbecil, continua pulsando por gente idiota de forma idiota!
Eu mesma prometo ser fria, dura, forte - como terra.
E não quero mais saber de qualquer raiz.

Ontem, quando eu vi, tinha tirado um peso enorme das costas por dizer o que devia ter sido dito há cinco anos. Nunca soube que um pronome seguido de um verbo pudessem juntos fazer tanto bem para a coluna.
Mas depois de desculpas, abraços e sorrisos, tomei mais uma facada.
Vai, músculo idiota!
Controle-se por que eu já disse que não confio em você.

domingo, maio 24, 2009

Tentativa de ficção ligeira

Dormi com Henry Miller e acordei com seus tapas. Odeio tudo.
Principalmente os comentários secos sobre tudo com essa arrogância de ogro. 
Mas não precisa de nenhuma palavra doce.
Ver os lábios grossos e sentir o cheiro basta pra eu cair sem amanhã nem nada.
Depois o gosto é só azedo.
Estou cansada de tanta emoção.

quarta-feira, maio 20, 2009

Impulso

Não quero saber de automatismo!
Por favor, alguém, aí!
Me coordenem antes que eu caia!

domingo, maio 17, 2009

Sobre livros e novas paixões

Eu ando apaixonada por cachorros e bichas, duques e xerifes. Por que eles sabem que amar é abanar o rabo, lamber e dar a pata.
É nova pra mim essa coisa de não esperar absolutamente nada. Acho que nisso consiste uma liberdade muito mais sólida e nova, mesmo que baseada no descrédito de toda e qualquer pessoa.
Não se trata de pessimismo. É cálculo de probabilidade, tabela de co-senos e carta de expediente com ponto, protocolo e manifestações de apreço ao senhor diretor.
Tudo velho mesmo, eu não reinvento nada. Eu não construo nada.
Vou na corrente como Henry Miller depois de uma luz no meio do livro.
E não criar expectativas garante um bom humor desmedido, por que nada se frustra se você não espera nada.
Apenas surgem no meio da noite vontades novas de gargalhadas velhas e eu vou me entregando à maré. Abano o rabo pra coisas bonitas e continuo sonhando com o inalcançável que eu sei que não precisa chegar.
Paixão é coisa de cheiro e encantamento. Assunto.
Não é quase nada, mas movimenta tudo - como a gravidade faz com os peitos ao longo do tempo.

quarta-feira, maio 13, 2009

Crônica de perfume doce

Minha avó me ligou hoje pela manhã com um tom gravíssimo na voz. Pensei obviamente que tinha feito alguma besteira das grandes, mas não.
- Aline, não tenho sentido mais aquele cheirinho que eu gosto em você. Está sem capricho agora?
Logo me assustei. Onze horas da manhã e minha avó parecia dizer que eu já não tinha asseio. Respondi de pronto:
- Não é nada disso não, vó.
- Ô minha filha, estou perguntando se você mudou de perfume. Aquele Capricho que eu gosto tanto acabou?
- Não, vó. Continuo usando Capricho, só que ando numa pindaíba tão grande que não uso em dia a dia o perfume que já está no fim.
Depois, fui extremamente indelicada avisando que normalmente eu estava em aula naquele horário e que podia ser que eu não atendesse uma ligação pela manhã. Aí ela mandou que eu me danasse, por que eu também tenho aula à noite e ela pode me ligar a hora que quiser.
Tem razão. Preciso de um vidro novo de perfume e muito mais telefonemas.

terça-feira, maio 12, 2009

Mais um flerte

Queria ter te botado na boca como um cigarro e te aspirado aos poucos. Soltaria o que não coubesse nos pulmões e nas veias.
Está claro que essa nicotina sua me entra pelos olhos.
Vou fumar essas palavras que saltam e mexer a boca em ritmo de fumaça.
Farei círculos no ar e darei voltas.
Estou sem fôlego.

sexta-feira, maio 08, 2009

Salomé

É que você tinha essas marcas na testa. Umas cicatrizes de cortes de criança levada. E depois tinha também os olhos grandes e bonitos e castanhos e uma boca que eu queria que me envolvesse.
E quando eu andava todo mundo olhava, menos você. E quando eu dançava até a lua parava, menos você.
Então eu disse que queria beijar-lhe os lábios. Implorei, me fiz de menos. Ajoelhei. Fui tão oferecida e tão sedenta que você apenas disse não.
Quis tanto que senti dor.
Foi quando o rei perguntou o que eu queria por uma dança. Pedi que cortassem a sua cabeça e dancei.
Depois, me serviram a sua cabeça numa bandeja de prata e eu pude beijar os lábios e as cicatrizes.

domingo, maio 03, 2009

O fantástico diário de Aline Dias (parte 1)

Sobre ser confessional? Não ligue, Aline. Não deve se importar com isso. Ninguém tem nada com isso.
Francisco Grijó


Descubro agora: Nunca quis paixão. O que eu queria era a visão que eu tinha dos meus dois amigos na sala da casa da minha mãe. Ela deitada nele e ele fazendo carinho. Ele conversava e mantinha a pose, mas não perdia de vista os cabelos dela ou o movimento das mãos.
Ela apenas ficava ali, pequena. Se bastando pequena.
Não. Minha questão maior não é a loucura, mas a ternura (essa que não cabe numa noite, nem nunca coube). Meu medo é exatamente o de estar me bastando pequena por instantes nos braços de um homem que se faz maior comigo ali.
Talvez a força toda das paixões esteja nessas conchas. Na vontade tosca de preparar um almoço.
Me dei por completo quando tentei dedilhar os pés daquele sujeito que sentia cócegas. Ele não agüentava a carícia terna. Gargalhava.
Depois, eu disse te amo.
Ele respondeu: que merda.

sábado, maio 02, 2009

Sobre olhos

Flertes de ônibus tem um problema: eles acabam no ponto. Não há paixão sem exagero ou pontos perdidos.
Fui a primeira a olhar. O cabelo me parecia o de um conhecido. Depois ele virou a cara e era mais um desconhecido. Barba por fazer. Óculos. Cabelo mal-cortado e bagunçado. Olhos castanho-claros. O rosto ainda me era familiar e eu olhei por isso. Mas ele olhou de volta então mudei de motivo.
Num excesso de despudor, mantive-me olhando e desviando ritmicamente. Troquei de lugar e ele sentou onde eu estava antes.
Ficamos de frente um para o outro. Da boca dele surgia um começo de sorriso e eu ainda olhava. Acabei sorrindo também.
E reparei nos detalhes. Tênis gasto, jeans, blusa grossa e mochila velha no colo. A manga do moleton tinha uma mancha escura. Ele tinha cara de quem dorme pouco e não ouvia música. Olhava a paisagem quando não olhava para mim. Parecia se perder.
Quis desesperadamente que saltássemos no mesmo ponto. Abri um livro que não li pra tentar me distrair. Troquei de rádio algumas vezes.
Sorrimos quase gargalhando um para o outro.
Descemos no mesmo terminal.
Ele disse um 'Opa', eu disse uma coisa ou outra, banal.
Só sei o nome e mais nada.
Paixões que começam no ônibus deviam ser intinerantes.

quarta-feira, abril 29, 2009

Para uma menina com uma flor

Wilson Simoninha & Bossa Cuca Nova - Essa Moça Tá Diferente

Se fosse uma dessas paixões seria muito mais fácil. Fumaria cigarros, dormiria e acordaria disposta a ficar bem. Mas sendo amor é muito difícil não ser confessional e chorar.
Eu tive que baixar a guarda e me mostrar muito mais sentimental do que eu gosto. Tive que cuspir que você é das coisas mais bonitas e importantes e completas que já passaram por mim. Tive que escancarar que eu não tenho chão.
Essa coisa de expor demais os sentimentos com gritos me deixa fraca. Eu gosto de gostar de pessoas por dentro. Eu gosto de sentir as coisas e pronto. Às vezes eu acho que sorrisos e sinceridade bastam.
Mas eles não bastam e é muito ruim quando eu-te-amo é seguido de tapa na cara.
Como é que eu não vou me expor e me humilhar se toda a insanidade do dia a dia faz falta? Se o choro com vinho faz falta! Se os xingamentos eram tão cantados!
É tão estranho te ver me escapar entre os dedos como uma dessas flores que desabrocham bonitas e vão com o vento.
Não são flores nem folhas.
Eu decidi que não gosto de vínculo e mentiria se dissesse que gosto de te ver crescer tanto pra tão longe.
Eu quero ficar perto.
Mesmo sombra (por que amar é dar o que não se tem a quem não precisa).

terça-feira, abril 28, 2009



Novamente pernas e jogos de cena. Ela parou no centro do palco e ele ao fundo. O foco de luz estava no rosto dele e contra ela. Ficava contornada, um vulto visível com um contorno belíssimo.
Ele olhava de canto e dizia belíssimas juras de amor.
Ela dançava contra-luz e triste. Usava um figurino de saias esvoaçantes e coques no cabelo.
Não havia humor ou entendimento. A cena que devia ser uma era vista com confusão pelos espectadores e aqueles atores não desemaranhavam nada.
Criavam correntes e teias no palco. Os focos de luz alternavam-se e então ele dançava sozinho.
Ana ficava de costas e gritava trechos longos de Lady Macbeth, quando devia ser Ofélia. Pedro esquecia seu Hamlet e soltava falas salteadas de Rei Lear.
Não era mais pra ninguém que não fizesse parte daquela dança.
Ofélia era Ana pura.
Pedro nem lembrava de príncipe nenhum.
A luz não tinha foco. Estava toda acesa no palco.

Cena 2

Ana – gritando – Ai que enjôo me dá esse açúcar do desejo!

Blackout

quarta-feira, abril 22, 2009

Janelinha qualquer

Pessoas entre frases feitas
links esperando setas
achar seguir juntar.

A foto vai devagar.
Os followers vem devagar.
As mensagens vão devagar.
Devagar... as pessoas postam.

Como o Twitter é besta, meu deus!





à propósito, follow-me.

segunda-feira, abril 20, 2009

Heitor


Bonito mesmo é o meu irmão. Tem três anos de idade, corre e pula o tempo inteiro, aponta pra todos os lados seus olhos verdes sedutores e ainda ostenta belíssimos cachos louros e bochechas rosadas. Um escândalo.
Atualmente, ele tem andado com um curativo grande no queixo. Fez alguma coisa errada quando ia subir a escada e tomou pontos no mesmo lugar da outra vez (o queixo do meu irmão parece ser mais atraído pela gravidade que o resto). Ainda assim, aquele protótipo de barba branca parece dotá-lo de um charme a mais. Uma coisa, assim, ressaltadora de sapequices!
Mas o que deixa ele mais bonito não são as bochechas rosadas. Ele entrou numa loja de instrumentos musicais no shopping e resolveu tocar todas as baterias com as mãos. Pedi que ele não o fizesse, mas se eu não deixasse, seria pior.
- Nini, pode tocar violão?
Depois ele tentou bater nos pratos expostos separadamente, mas a mão dele não era capaz de produzir barulho com aquilo. Expliquei.
- Meu bem, pra você fazer barulho aqui precisa de uma baqueta, como aquela ali na mesa do moço.
Mas ele não se inibiu com a presença do gerente enorme que detinha o poder das baquetas. Simplesmente levou toda a sua autoridade em direção ao homem, piscou seus olhos verdes e disse:
- Moço, me empresta a sua baqueta, por favor?
- Só um pouquinho. – o gerente da loja respondeu.
Então ele saiu pulando e batendo com a única baqueta cedida em todos os tambores sem produzir qualquer som coordenado. Quando descemos as escadas, o papai estava esperando de mãos na cintura.
- Eu sabia que era o Heitor fazendo esse barulho!
E aí ficou tudo mais bonito ainda. Na livraria, ele sentou quietinho e ficou folheando livros na seção infantil.

sexta-feira, abril 17, 2009

Surto

Acordou em êxtase, tinha tido um sonho absurdamente real em que havia beijo da melhor língua (exatamente a proibida). Esqueceu durante o dia e caminhou descoberta, sensível e cheia de todas as coisas.
Disse que o coração bombeava sangue 1500 vezes por segundo o dia inteiro. Tratava-se de um sério caso de pressão alta que nenhuma genética podia explicar. Culpou frituras e esqueceu o óbvio.
Embaralhou todos os caminhos e se encheu de café sem lembrar as consequências.
Depois pensava na trema e decidiu que aplicaria Nelson Rodrigues em todas as pessoas. Das pontas dos pés aos diálogos pré-programados.
Parou. Imagens muito brancas e sol muito forte.
Se ficasse nua, correria sério risco.

segunda-feira, abril 13, 2009

Post Coitum

Foi tudo verdade e representação ao mesmo tempo. Os pés meio inchados, meio bestas, meio moles, ficaram misturados sem que se visse quais pernas eram donas de delicados e rústicos pés.
Olhava apenas para baixo pensando em como podia tanta dor num pé tão contente. Talvez fosse culpa do vinho com salto da noite anterior em que não havia outros membros que não fossem seus.
Teve então uma ânsia análoga a ânsia dos amantes românticos em se encontrarem. Precisava ir para casa botar os pés de molho e ficar longe pra fixar o resto.
Os vasos sanguíneos sentiam-se parte de uma coisa maior e universal e as cores todas precisavam ser lambidas como tijolos e pedras de chão.
Os pés doiam e ela sentia-se meio estranha, meio sangrando, meio apertada e mole - mesmo sem corte, prensa ou sono.
Continuaria andando com poses e fingindo tudo, menos a barriga que precisava esconder e não escondia.
Seriam cigarros que lhe queimariam as beiras e fariam da ânsia de casa uma ânsia de gente.
Ela sempre dizia que seu fumar era fuga de timidez.

quarta-feira, abril 08, 2009

Discurso do Método

Eu quero saber de academia
rigor de forma
Tudo bem moldado (martelado)
Consoantes pulsando ritmo
duro
bruto
abrupto
Forte
batendo na cabeça o canto
Quebrando, pulsando, cortando.
Rápido

e depois ficando leve
lento
ritmo de vogais soantes
com ar saindo todo da boca
Ah!

segunda-feira, abril 06, 2009

Mais

Parece que a ânsia só aumenta
enquanto tudo melhora.

quinta-feira, abril 02, 2009

Mariana XXIX - Segunda temporada

Ela me disse assim, sem gravidade,
Foi só um flerte, Aline.
Todavia, eu sei que Mariana estava doendo muito por dentro.
O italiano sumiu e Mariana não tinha apoio.
Mariana sem galho fica chata.
O ombro então seria só conversa,
Mas Mariana não passa de
um amontoado ambulante de hormônios.
- Aline, Um flerte à toa não faz mal!
Ela dizia sem se ouvir e desmoronava.
Não queria ver o que estava na cara
- em baixo do nariz: o ombro -
Ela disse se preocupar com o italiano.
Eu fingi acreditar enquanto eu via
Mariana se embolando cada vez mais
num mesmo novelo
sem sonho, sem óbvio, sem futuro.
Eu tive que calar por que ouvindo
eu-besta não sabia o que fazer por ela
ou o que dizer.
Deixei, mas não sem culpa,
a minha amiga num navio sem vela

à deriva

terça-feira, março 31, 2009

Sobre a casualidade

A Marilyn disse e a Nicole também:
Diamonds are a girl's best friend.
E você acha que eu vou ficar querendo pulseirinha de camelô?

Sem medo

O que eu pensei quando disse aquilo?
Pouco importa, era mero recurso retórico pra flêrte. Entenda que não me importo com causas, mas efeitos.
Xadrez maquiavélico sem nada de conto de fadas.
Foi Vênus que resolveu me acompanhar um dia inteiro e me fazer dizer muito mais do que o que eu digo.
Foi passsar o dia sem desodorante e sentir cheiros naturais. Foi a lembrança das raízes dos pelos(agora sem acento) eriçados tão bonitos que me vinha vontade automática de carícia.
Tenho que parar de ficar ouvindo Rita Lee pra saber bem o que digo e esquecer que as minhas pernas gostam muito mesmo de tremer.
Vou ver se esqueço esses pudores e grito como legítima personagem de Nelson Rodrigues.
Na bandeja outra vez.

sexta-feira, março 27, 2009

Jornalismo e tal

"Pra que tantas aspas, meu deus?", pergunta o meu coração.
Porém a boca não pergunta nada.

segunda-feira, março 23, 2009

Confissão

Esses dias eu ouvi dizerem que pra escrever a gente não pode ter o editor nos ombros, nem o copidesque, nem nada. Entretanto, o leitor continua em cada tecla e cada mexeção de pulso.
Escrevo com a minha avó nos ombros sempre. Provavelmente por que eu sei que ela sempre lê. Quanto mais doce, mais avó no texto. E quando é ácido, é ela quem suaviza.
Então começam a brigar minha avó e minha falta de pudor pra sentimentalismos- que é o que permite a escrita-, mas a minha avó muitas vezes cede. Ela entende que se essas coisas não se soltam e viram palavras elas congelam, mesmo inventadas. Minha avó sabe que quando engulo fico com azia e dor de cabeça e ela nunca nunca me quer doente - me dá água de coco e leite com banana e biscoito que tudo curam.
E mesmo quando eu finjo que não, eu sei que sim. Ela está ali e isso faz parte de mim.

sexta-feira, março 20, 2009

Mariana XXVIII - Segunda temporada

Foi aí que Mariana precisou
de afago preciso.
Surgiu na frente dela,
perdida e sem placa
- mas com love for sale -,
aquele Italiano de outra hora.
Nem fugiu nem nada.
Cabeça de ombro e velho amigo
confusa e cansada.
Queria nada.
Nem sabia.
Entretanto, um aviso de manhã e um colo de noite.
Um cheiro e pronto.
Italiano na mesa com Mariana.
Perdida entre mais pernas.
Sem ombros.

quinta-feira, março 12, 2009

Suruba

Se eu te mordesse a cabeça à Saturno
arrancasse os pedaços
E ainda guardasse Minerva na telha...
Baco na perna todo dia.

segunda-feira, março 09, 2009

Psicosomatismo

Nada de nada.
Foram pares de olhos como um porre.
Palavrões não falados e verdades não ditas.
Foi a bola na garganta que não sai e esquenta e não sai.
Pares de olhos e mais mudez.
Paixão presa na garganta.
mudez mudez.

Acordei gripada e a garganta dói.

terça-feira, março 03, 2009

fim de caso

Agora que está tudo muito bem engolido
eu posso até voltar a dançar
assim, sem compromisso.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Outra paixão rotineira


Tinha sido um dia um caso de amor.
- Olhe, eu conheço muito bem todas as peças do meu xadrez. – ele disse, olhando bem no fundo dos olhos dela com seu sorriso sacana.
E ela:
- Se é um jogo, combinemos de não sacrificar a dama.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Mariana XXVII - segunda temporada

Mariana confundiu
as pernas com o velho amigo
e se confundiu
com palavras mais
que versos(que não tocam)
Mariana esqueceu do mundo
e queria assim um sonho virtual
pra ela quase óbvio
tudo no velho amigo
que era delírio - e nada.
Mariana devia verter-se
em mãos apenas
Mas as trocas de palavras
fizeram dela peixe
na rede
do velho amigo
que, sabendo,
arredou para o lado.
Mariana queria mais que pernas.
Aconteceu: Mariana escorregou com força
mesmo estando peixe na rede.

Então houve choro
e pra choro: ombro.

Calma

Na casa dela há muitas flores. Olhando, Olívia pensava que queria ter dinheiro apenas pra ter flores assim na janela. Então ela entrava na casa escura e era como atravessar um portal pra entrar num túnel de calma, paz e doçura. A tia estava sempre deitava na cama e mantinha-se muito bonita e aprumada apesar dos seus quase setenta anos.
Olívia, de dezoito, queria ficar mais velha tendo aquela pele e aquele gosto por comprar jóias. Sentava-se ao lado da tia e então conversavam sobre tudo, principalmente sobre flores na janela.
A tia dizia que não adianta nada ter carro se na casa não tem nenhuma flor. E todas as vezes perguntava a Olívia se ela já tinha lido O Pequeno Príncipe. Olívia fingia que não notava aqueles lapsos de memória e dizia que sim, que lia todo ano e que a história era das mais bonitas e tocantes.
As duas então recordavam-se da raposa falando que a rosa era única por ter cativado o príncipe.
Aí falavam de outros livros e de muita calma. Gostavam de samba e de vermelho da mesma forma, mesmo em idades tão distintas. Queriam conhecer a França e Olívia tinha ainda que aprender toda a língua. Ao contrário da tia, ela não tinha lido Madame Bovary no idioma original, muito menos a Simone de Beauvoir.
Depois risadas. Muitas e sem qualquer freio.
Era pouco depois que a tia tinha sono e Olívia ia embora pensando que queria uma casa cheia de flores.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Quarta-feira de cinzas

Decidi.
Vou enterrar a paixão - com encanto e tudo - bem no fundo do estômago
e deixar o coração batendo forte
a torto e a direito
Por várias bocas
distintas
do que significa úlcera.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

(Í) caro II.

Senti as asas mais pesadas ainda. Era de se esperar que eu não me acostumasse em dois dias, mas estava entrando em desespero sem poder sair de casa nem nada. A desculpa de intoxicação alimentar já não colava no trabalho.
Por Deus, quem consegue vomitar tanto?
Era melhor dizer qualquer coisa do que sustentar ao patrão que eu não queria sair de casa por ter adquirido involuntariamente um belíssimo par de asas de cera.
Andei de um lado para o outro com todas as dores, depois fucei minha bolsa e achei um último cigarro. Acendi e me arrependi profundamente. Na primeira tragada senti meus dentes esquentando e amolecendo.
Joguei logo fora o cigarro e fui ao espelho.
Então, eu tinha dentes de cera.
Fiquei nua diante do espelho checando cada parte minha. Eu sou clara com carnes firmes e fico muito bonita com asas.
Meus dentes também viraram cera e as unhas pareciam cera ao meu tato.
Acho que agora tenho ossos de cera.
Tenho muito medo.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Mariana XXVI - Segunda temporada

Acelerou os seus motores
Pisou fundo e foi pra longe
Nem queria ombro algum.
Queria nada que não fosse vento
E fuga.
Mariana nem sorria nada por dentro.
Ficava longe e aquilo por si só parecia bastar.
Então, foi um gole de cerveja com um velho amigo
Sem nenhuma ponta de dedo.
Era pra ser só uma fuga
Mas ele chegou com sorrisos
E ela usava uma bela saia.
Mariana se enroscou entre as belas pernas
Do velho amigo
Mariana beijou corpo inteiro
E se fez vento
Entre feridas abertas dela e dele
Entre tudos e nadas
Compromisso de nem sim nem não.
Estava ali quase afogada em suor
Querendo apenas sentir as suas ancas flácidas
Pressionadas por mãos fortes
De amigo estranho
De sempre.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Plim!

Eu juro que tinha pensado algo inteligentíssimo e altamente relevante para escrever. Mas aí fiquei pensando que confessional por confessional, os textos podem ter sim um tom de conversa.
Não importa. Isso aqui não é diário, então as confissões tem que ter requinte de metáfora.
Nem vou cantar vitórias. O que eu queria mesmo era uma crônica dessas de vista de janela. Aquela sensação de olhar a árvore bonitinha e sonhar com várias coisas ao mesmo tempo (sentindo cheiro de mato).
Não sei de mais nada. Acontece que com esta gripe eu ando mais ligada a cheiros do que já sou – e olha que cheiro sempre foi fundamental.
Também queria broa saindo do forno.
Queria tanto férias pra poder não pensar!
Juro que da próxima vez eu invento histórias pra não ter que ficar assim egocêntrica.

Ah!

Tem post novo no Batata Quente!
É a História de um amor de pré-adolescência que ressurge aos 20 anos.

passalá.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Mariana XXV - Segunda temporada

Mariana parou de me ligar.
Fiquei me sentindo órfã sem as suas histórias,
Mas não procurei.
Depois de uns dias, ela apareceu na minha frente numa lanchonete e disse que muitas coisas tinham acumulado. A mais assustadora delas era a postura do ombro.
Mariana contou que para ele não havia nenhuma tempestade.
O ombro disse a ela que tudo era muito bonito entre os dois.
Que com ela tudo estava tranqüilo.
Então ela me demonstrou toda a vontade que tinha de morder travesseiros pra não gritar alto demais.
E de socar pessoas.
Por que pra ela nada era tranqüilo.
Mariana estava bem alojadinha na boca de um leão.

Dessa vez eu nem achava engraçada a cara de desespero dela.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Bandejão é Mara!

the ramones - i wanna be sedated


É que eu comecei o ano de azul e dourado querendo apenas duas coisas. Tranqüilidade e dinheiro. Gente. Eu não pedi paixão, nem saúde, nem amor, nem festas, nem quis espantar mau-olhado.
Aí vem o contrário.
É por que o cara que vê os pedidos de ano novo, anota, faz relatoria e presta atenção nas cores das roupas resolveu ser daltônico justo no segundo em que olhou pra mim. Eu estava tão bonita de vestido azul! Sapatinho combinando, brinco grande, maquiagem trabalhada, cabelinho arrumadinho e cacheadinho...
Gente. Eu juro que fiz tudo certinho na virada de ano. Eu não tinha como pular ondinhas, mas eu abracei pessoas, sorri e desejei tudo de bom pra todo mundo.
Agora, dá pra alguém me explicar por que eu estou nessa pindaíba e não tenho um dia tranqüilo sequer?




à propósito, Mourito Cabrito fez um blog maior legal pro Bandejão (programa de rádio feito por estudantes da zoofes). Bacana todo mundo passar lá e ser alto-astral depois do meu papo maníaco depressivo. Tem musiquinha e fotos felizes. Moura = S2.

www.bandejao147.wordpress.com

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Depois

Andou desprendendo os fluidos do próprio corpo. Como se derretesse. Tinha um certo sorriso e um certo destempero. Andava como quem se perde. Desmancha.
Era tudo um acúmulo de coisas não ditas e de palavras ouvidas fora dos horários. Devia haver peles de outras pessoas grudadas em camadas suas.
Sentia-se feita de areia e tinha muito medo de não conseguir continuar.
Pararia.
Devia ficar quieta por um bom tempo.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

(Í) caro.

Acordei com asas de cera e um sol assim tão quente que quase não levantei. Tinha medo de todas as coisas com asas.
Inclusive paixão.
Acordei caindo. Estava meio morta e meio viva. As asas não me deixam andar normalmente. Ficam pesando e regulando coisas.
Aliás, devem ter sido elas as responsáveis pela minha dor nas pernas.
Acordei meio sem conectivos e avessa. Não me sinto assim muito normal sendo tão Ícaro.
Vou ficar repetindo palavras e me escondendo do sol.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Só de sacanagem (ou Pra você se achar sem se procurar muito)

Alguma coisa ficou grudada nos meus cantos. Na raiz dos cabelos e dos pelos (agora sem acento) e na boca e nos dedos.
Ficaram restos, pedaços, gostos.
Eu não quero sentir cheiro de nada. Nem gosto. Textura muito menos. Eu não quero pelos e não quero dedos pelos meus cabelos.
Eu não quero vento, eu não quero acento. Nem risadas sem horários e manchas vermelhas de barba no pescoço. Não quero pescoço roxo, nem marcas rasas de mãos, nem falhas.
Ficaram pedaços.
Ficaram pedaços.
Fiquei aos pedaços.
Desencontrada, descabelada e longe.
Fiquei faltando


Nem tudo é sobre você – é preciso manter a pose, o porte e principalmente a distância.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Epístola muito cruel

janis joplin - Piece Of My Heart

Donatela,

Toda a vez é a mesma coisa. Eu funciono como um copo com gotinhas que enchem e transbordam. Você, mais do que ninguém, devia saber disso desde sempre. O copo tinha um bocado de açúcar no começo - pra tudo ser doce com bolos e batatas fritas.
Acontece que eu acabo ficando quieta e não falando das pequenas gotas. Aí o copo vai ficando cheio e já são gotas inumeráveis.
Com alguma sorte, ele fura e você vaza. As gotas não enchem nada. Acontece que meu copo é duro, grosso, seco e forte. Copo multicolorido não necessariamente significa não-transbordante.
Ele avisou que copos são mesmo muito inconvenientes quando transbordam.
Sorry, mas com duas gotas à mais eu não vou ter escolha.
Você que segure firme e aguente seus próprios pingos.
Love,

Flora

domingo, janeiro 18, 2009

Mariana XXIV - Segunda temporada

Mariana se envolveu
Em alguns novelos
Em coisas tortas.
Mariana se perdeu.
Sentia dores constantes no peito
De achar que não devia
Gostar de quem gostava
(o rato da história que ela não quis me contar no outro dia - e ainda brigou quando viu que eu chamei de rato.
Mariana disse que se for pra eu inventar um nome, que o chame ombro)
Tentou dizer não
Fugiu como fazia sempre
Mas Mariana sem medo e pudor acaba se embolando – ainda que seja racional.
Mariana embolada no novelo desse ombro
Ficava constantemente
Rodando num tornado.

sábado, janeiro 17, 2009

Acúmulo de coisas e nada pra dizer

Olá, queridíssimos leitores.
Não tenho nada pra falar e nenhuma criatividade.
Assim, lembrei hoje de uns memes que eu tinha ganhado e resolvi colocá-los aqui pra não quebrar a corrente.
Primeiro, recebi do fofíssimo blog Sonhos amadores este meme chamado prêmio dardos. Isso faz com que eu tenha que postar o selo aqui e indicá-lo para outros 15 blogs, incluindo o seu manual de instruções acoplado. Os 15 blogs - que valem o seu sedento clique- serão:

1 - Caixa de Vinis, o blog do Dam, com suas dicas psicopatas.
2 - Garota do Casaco Verde, o blog da mais amada pessoa sem coração que já existiu na face da terra. Vale à pena.
3 - As aventuras de uma eterna criança, o blog mais doce da Bia mais doce.
4 - Caio Lamas, o blog mais desatualizado do amigo mais esquisito que eu tenho.
5 - Sincopado, o blog do Hup, que ainda tem Hope.
6 - Ipsis Litteris, o superblog(tem hífen ou não, agora?) do meu querido Grijó, que nunca responde memes.
7 - A garota do copo d'água, o blog da Pagani que está escrevendo cada vez melhor e se esquecendo de mim cada vez mais.
8 - Penny Lane Blog, o blog que mais me traz sorrisos.
9 - Saco de Filó, o blog do Marcelo, que não liga pra memes e sempre tem boas sacadas.
10 - Perovs, o blog alucinado e psicótico do Perova.
11 - Do cacos, o blog muito útil do Centro Acadêmico de Comunicação Social da Ufes.
12 - Com açúcar, com afeto, o blog da Marcelinha - o mais gostoso dos blogs.
13 - Livro de anotar, o delicioso blog da Mara.
14 - Avec Poivre, o blog da Luiza que não atualiza.
15 - Esfera dos intocáveis, o blog sempre cortante do Léo Viso


Manual de instruções

- Primeiro, é importante saber que: "Com o Prémio Dardos se reconhecem os valores que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web".

- Depois, siga, por favor, essas instruções:

1) Você deve exibir a imagem do selo em seu blog
2) Você deve linkar o blog pelo qual você recebeu a indicação
3) Escolher outros 15 blogs a quem entregar o Prêmio Dardos
4) Avisar os escolhidos, claro!

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Eis que Senhor Raphael Perovano Bernardo também me deu um meme com manual de instruções.

Os recebedores do meme devem:

1
Linkar a pessoa que te indicou;
2 Escrever as regras do meme em seu blog;
3 Contar 6 coisas aleatórias sobre você;
4 Indicar mais 6 pessoas e colocar os links no final do post;
5 Deixar a pessoa saber que você a indicou, deixando um comentário para ela;
6 Deixar os indicados saberem quando você publicar seu post.

Então, seguem as seis coisas aleatórias.

1 - Eu gosto de música de velho.
2 - Morro de vergonha de falar inglês em público.
3 - Usei óculos até os 14 anos.
4 - Quando eu botei aparelho, com 11 anos, fiquei me achando o máximo por que a minha boca ficava maior do que realmente é.
5 - Chorei vendo Star Wars III (quando o Anakin virou Darth Vader).
6 - Eu batia nos meus amiguinhos de colégio com a minha merendeira da turma da Mônica por que eles me chamavam de bruxinha.



Agora, 6 pessoas:
Penny, por Penny Lane Blog
Bru, por De amor e de Letras
Rafael Arcanjo e Arcanjo, por Jornalismo incompetente
Sylvia, por Blog desatualizado da Sylvia.
Amanda Mariano, por Verba Volent



Thats all, folks!

terça-feira, janeiro 13, 2009

perfume

Me senti mitômana
Quando te inventei cachinhos
São coxas
E eu toda coxa
Deixando meus pedaços jogados
Na sala
Chupando uma bala
De menta.
Enquanto você me atenta
De longe
E venta
Esfria a boca
De bala de menta

Esquenta.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Sim


Delírio é uma palavra tão bonita! Delírio-palavra dá vontade de dança e de repetir muitos eles num texto-muito-mais-língua-do-que-mãos.

Um texto de cantos escondidos de corpos delirantes!
Sorrisos então.
Espalhados, cantados, cansados.
Gargalhadas novas e velhas e vozes roucas – veludadas.
Vontade de tudo!

Delírio,
língua.

Nada de nada.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Poeminha quase erótico

Se eu achava que podia
Ser tão escorregadia
sozinha
É por que não conhecia
As molas dos cabelos
De quem parece sabonete,
Bolhas de sabão,
E borboletas
Ao mesmo tempo
- E ao vento

Escrevi versos sobre mãos
Senti longos pingos de suor
E não escorreguei
Nem das molas
Nem das mãos
Nem das gotas
E principalmente não das pernas.
Bambeei entre elas.
E por elas...

Bocas.

Bambeei em bocas.
Deslizei por braços
Amoleci em pedaços
E não escorreguei.

Fiquei parada
Em palmas de mãos espalmadas
Me equilibrei em pontas de pés
Depois rolei
Suei
Suguei
E fiquei.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Alone

Saí belíssima e fui andando com os sapatos grudando nos paralelepípedos. Nenhuma classe mesmo com vestido e cabelo impecáveis.
Não pode haver desilusão sem ilusão.
E mais nada além de paralelepípedos e sapatos que grudam e passam. Machucam tanto!
Havia baratas na rua e se elas passassem sobre meu pé eu gritaria fortissimamente. Faria um escândalo absurdo!
Ninguém iria socorrer.
Saí sozinha.

quarta-feira, dezembro 31, 2008

Muito confessional, depois pouco confessional

Vamos lá:
O que significa o reveillon pra você?
Eu diria que muitas coisas e antes de todas um ritual de passagem. Quase que como um aniversário coletivo. Enterra-se o passado e pede-se coisas muito boas para um futuro possivelmente glorioso!
Sei que sou cheíssima de superstições. Acho que o último dia do ano é importante como o primeiro. Terminar o ano bem parece que significa ter um ano excelente depois.
Eu quis terminar em paz. Vim para Iúna fazer uma surpresa para a minha mãe que não me esperava.

Nem quero muita farra como sempre tenho. Quero boas conversas, um pouco de dança e muita comida.
Amanhã quererei sol, biquini e água. Começar o ano com coisas das quais gosto e terminar com coisas que ainda quero...

Em Iúna, encontrei as pessoas de sempre que sempre fazem falta e as pessoas de nunca que eu muitas vezes esqueço.

Ando dando abraços e sorrisos, prometendo coisas incumpríveis e me apaixonando por pedaços de pessoas e coisas.
Ando devagar.
Eu, andando devagar?
Pois continuo sendo eu e afoita mesmo devagar.

Comecei o dia com o vinho do lado depois da meia noite e antes de um telefonema. Nenhum gole.

Estranho.

Muitos goles.
Ainda assim...

Diz a Fabíola que eu estou melhor do que era. Nem sei se sim nem se não. Sei que me preocupo como não me preocupava antes.

Vou deixar o branco de lado passar a virada de azul com dourado.
Quem sabe eu não me acalmo de vez?

Feliz 2009!

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Fim de ano na praia

Toda vez é a mesma coisa. Uso a minha habitual tirania e estrago o verão das crianças dando gargalhadas de bruxa. Ano passado eu puxei a tomada do Plaistation, não se se vocês se lembram.
Esse ano peguei uma cadeira que estava sendo usada como caixa de banco. Inclusive, acho muito injusto as crianças usarem a cadeira mais confortável de todas para ser caixa de banco.
Acho que as nádegas das pessoas mais velhas e ranzinzas merecem conforto. Como acho que as minhas nádegas merecem conforto e um bom papel higiênico - aliás, papel higiênico não deve ser um item com o qual se economiza: comprem neve!.
Como ia dizendo, roubei a cadeira, estraguei o verão, virei bruxa malvada e tentaram me jogar vinagre pra estragar o meu verão.
Corriqueiro.
O bonito disso foi como eu salvei o verão depois.
Fui lá fazer intriga - sou a vilã da história sempre - por que meu tio tinha pegado a televisão das crianças jogarem videogame e botado no quarto dele. Aí as crianças estavam cabisbaixas e muito pouco revoltadas como eu queria. Minha tia passou e disse que tinha uma televisão no meu quarto.
Tinha mesmo. Mas eu nem assistia.
Eles perguntaram se podiam pegar e eu disse que sim, desde que conversassem com a Maura - minha colega de quarto- e só usassem a televisão num horário em que ela não estivesse assistindo coisas.
Ficaram absurdamente felizes. Foram jogar aquelas coisas que eu não sei jogar por que não são bomberman e contaram pra vizinhança inteira:
Aline salvou o verão.



Da próxima vez eu devo esconder as barbies. Talvez dê certo.

domingo, dezembro 21, 2008

Boca.

Tinha cabelos castanho-claros que viviam úmidos de oleosidade natural e raízes com muitas caspas. O cheiro não era dos mais agradáveis mas a tez branca era das mais belas que podiam ser vistas. Tinha feições delicadas e olheiras fundas. Tinha pouco tempo de se cuidar e quadris largos. No fim das contas era tão bonita quanto se permitia mesmo não gostando nem um pouco da própria beleza e das sardas que carregava nas bochechas.
Chegou ao café com pouca fome e muita pressa. Esperava o capuccino e o namorado que não tardaria a chegar. Tinha sono e raiva do mundo.
- Dani? – ela nem viu quando ele se sentou, já pedindo um pedaço de torta de chocolate que ela não comeria pela manhã.
- Bom dia, amor.
- Você precisa dormir...
- Que horas?
- Você precisa dormir.
- Achei que quisesse me ver ao invés de passar sermão.
- Caramba, Dani, eu nem posso mais me preocupar com você?! – e continuou falando coisas que ela não ouvia por não saber bem onde estava nem o que queria além de uma cama quente e músicas de uma rádio de baixa estimulação. Ele tentava agradá-la de todas as formas que não eram funcionais. Ela tinha que ir trabalhar e não dormir, novamente.
Ele não gostava de ela ser tão brilhante e tão esquecida de si. Não conseguia entender por que ela se entregava tanto a tantas coisas que não eram ele, nem tinham carne. Era como se Daniela o traísse com cada papel, cada caneta e cada projeto. Era como se as paixões dela nunca pudessem ser pessoas.
E ele não entendia que a boca dela estava em toda a parte. Que ela comia tudo o que fazia com uma voracidade que nunca teve na cama.
- O corpo é pouco, meu bem. É quase nada. – ela dizia e ele nunca ouviu.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Mariana XXIII - segunda temporada

Mariana – a louca – pendurou um cartaz.
LOVE FOR SALE
Letras garrafais e eu desesperada
Preocupadíssima com Mariana fiquei.
Então ela disse pra eu cuidar dos meus casos
E foi arrumar casos pra si.
Sarna atrás de sarna que a bichinha gosta de se coçar.
- Um flirt, Aline, um flirt à toa não faz mal!
Mariana sapeca me deixa desesperada.
Enquanto ela é despudorada pulando de galho em galho
Eu nada.
Mariana pendurou um cartaz e nem precisou indicar o local.
Cachorros, bois, galos e ratos apareceram pra se casar
Com a dona Marianatinha
Que pôs fita no cabelo
e dinheiro na caixinha.
O boi ela logo não quis. Mugia.
Pro cachorro ela bem que abanou o rabo
Passou noites acordada e depois percebeu que ele ladrava
E mordia.
Então Marianatinha se encontrou as escondidas com o galo.
Depois não ficou com nenhum dos dois.
Voltou a pular de galho em galho.
LOVE FOR SALE
E o rato fica em outra história

[que Mariana não quis me contar.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Talk to the hand

À Flora




A conversa é pesadíssima. O termo, inclusive, lembra várias coisas a serem resolvidas e que não querem ser resolvidas.
Tomava guaraná como quem toma conhaque e no som, ouvia Ella Fitzgerald. Lembrava bastante do violão de mais cedo e o quarto tinha um estranho cheiro de fumaça.
Pensava muito na pesadice das coisas. Na pesadice de tudo, inclusive do que não é dito e fica só no peito. Pensava muito em peitos e cheiros estranhos de fluidos de corpos.
Queria parar de tentar levar o mundo nas costas e então pensava em outras costas, queixos e principalmente pés.
Não gostava de pés, achava-os muito feios. Mesmo os seus eram horrorosos e tinham muito peso e calos e bolhas. Na cabeça, muitas moças e rapazes que lembravam diversos problemas distintos. A conversa devia vir depois de Ella e depois do sábado.
Sábados sempre foram gravíssimos por culpa das sextas-feiras.
Sua pele de sábado mesmo tinha uma plasticidade estranha e uma textura meio graxosa.
Pensava mais do que queria e tentava se distrair arrumando os próprios cabelos em tranças. Ficava com cara de outra pessoa quando fazia tranças infantis e pensava em ganhar presentes de natal.
Mais um gole de guaraná e presentes.
Tomaria gim no dia seguinte.
A conversa ela não sabia. Pesada demais pra quem ouve Ella cantando Jobim.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Boxe, duelo ou queda de braço

À Amanda Mariano e Mara Coradello


Você é assim, um rapaz bastante bonito com simpatia nos olhos e um sorriso que desmonta pessoas. Eu sou até razoável, não muito alta, cabelos bem cuidados e dotada de quadris que balançam num ritmo unicamente meu.
Nos esbarramos algumas vezes, em algumas ruas e resolvemos conversar.
Você elogia o vestido querendo elogiar o decote e eu elogio o sorriso querendo tirar dele um pedaço. Falamos coisas engraçadas, trocamos telefone, sorrimos e eu digo que é hora de ir embora.
Nos esbarramos outras vezes. Tomo coragem e pego logo a ficha completa. Existe uma série de testes que preciso aplicar em todos os homens.
- Você é arrogante?
- Não sei. Acredito que não. – você responde e perco metade do meu interesse.
- Prepotente?
- Um pouquinho só. Só as vezes... – você vai murchando e eu também.
- Misantropo! Você deve ser misantropo pelo menos!
- Não. Sou sociável e tudo.
Vou embora.
Te encontro outro dia e você vem com voz arrastada fazendo pouco do meu rebolado. Depois me ataca com doses cavalares de sarcasmo.
Volto a te olhar.
Você tenta forçar sorrisos meus e eu não dou a mínima. Então é a hora de me ver com outro homem, rindo bastante e tocando o braço dele constantemente.
Você chega perto e tenta roubar para si a atenção. Depois arruma uma mulher muito mais bonita do que eu e eu nem olho. Sorrio um bocado por dentro.
Conversamos entusiasmadamente no fim da noite. Te acho interessante e você me acha intrigante.
Tenta me tocar e se aproxima. Faço questão de frisar com os olhos que não sou nada sua.
Nos encontramos num desses meios de tarde e você conta vantagem de tudo. Entendo perfeitamente a sua competência profissional mas não me comovo. Começo a ficar irritada e repito o teste.
- É ciumento.
- Não. Nunca precisei disso. – Sei que você mente e começo a me sentir levemente encantada pela sua presença.
Rimos juntos e bastante. Tento passar mentalmente a carta que passaria a todos os homens.
“É preciso que você seja um bêbado, arrogante, prepotente, egoísta e misantropo. Pode até ser um pouco carente, mas se for demais me enche o saco. Não quero saber de crises de ciúme que eu não provoque, e o mais importante: devo ter o que quero na hora que for, mas você não deve evitar dizer não”.
Você me beija. Eu te beijo. Evitamos mãos e nos gostamos por algum tempo.
Eu não me entrego, nem você.


Eu sou uma mulher bonita e você é até razoável. Tem um olhar simpático e sorriso tímido. Não faço testes e nos aproximamos aos poucos.
Caio de amores e nem quero saber.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Get Happy

As pontas dos dedos que encostam de leve são quase fatais.
É feito um recorde e em outro corpo surge uma boca com gosto de restos de café.
Saliva e café com pontas de dedos compõe arrepios impróprios pra qualquer horário ou lugar.
Mais um corte e toca de fundo um tango eletrônico.

Companhias distintas e muita provocação.

Surge o homem que toca com seu nariz reto e a pretensão de ser levado a sério mesmo quando tudo o que diz só a faz rir.
As mãos espalmadas e fortes espantam.
Mais recorte e arrepios.

Aparece uma barba fechada e um sorriso cínico que integram um corpo dono de bela voz.

Vários olhos aparecem e nenhum deles diz nada.
Recortes e tango eletrônico.

As pontas dos dedos encostam mais uma vez e a mocinha quer ir embora pra qualquer recorte que não seja fatal.


terça-feira, dezembro 02, 2008

Mariana XXII Segunda temporada.

Mariana perdeu o medo.
Sei que você, leitor, deve estar pensando que a personagem descaracterizou-se, mas não.
Mariana me ligou por esses dias e contou que muito se deve ao homem que já não está mais com ela e que ela ainda não adjetiva.
Mariana também não vê mais óbvio nem sonho nem flor nem nada.
Disse que semana que vem vai à Bahia.
Se encontrar o sonho não sei.
O sonho agora tem dona e nada de Mariana nela.
Mariana disse que está vacinada,
Mas eu mesma não acredito.
Depois, pra me enrolar, ela contou de certo italiano que conheceu há meses atrás
Paixão avassaladora de uma noite só.
Disse que ele custou a sair da sua cabeça.
Eu nem quis saber.
O que importa é que Mariana já não tem medo nem de boca-de-leão
E eu não sei o que pode acontecer daqui pra frente
Continua sendo ninfeta, continua sendo atemporal.

Torçam, queridos, que Mariana agora ganhe um pouco de pudor!

sexta-feira, novembro 28, 2008

Detalhe

GAL COSTA - Lí­gia


Eu fico tão burra quando me apaixono que eu detesto me apaixonar. Inclusive ultimamente andei prometendo que não mais me apaixonaria.

Então eu fujo de todos os olhos e das caras e o tempo todo. Estou cansada do velhinho de barba branca e de Mariana e de todas as paixões novas e velhas.

Não tem nada de novo.

É que eu fico tão burra que não sei como agir nem nada. Eu detesto estar burra e ser burra e dizer sim e dizer não e agüentar talvez e esperar abraço.

E eu gosto de tudo isso. E gosto tanto que eu fico burra e bamba e tonta e suspirando e queimando e com vontade constante de gritar e dançar e ir e voltar e brincar.

Eu fico tão burra quando me apaixono que eu esqueço que nada disso é sério e levo tudo profissionalmente.

Então trate você de parar de ser galante o tempo inteiro e de não me abraçar quando eu quero por que eu apaixonada fico tão burra que só faço o que eu quero. E quero que todo mundo também faça. Trate de parar de sorrir e de me fazer ciúmes assim fortes. E pare de se perfumar por que eu não consigo manter a pose sentindo esse cheiro forte que parece que toma o espaço inteirinho.

Trate de parar de ser você por que corro sério risco de emburrecer e eu não quero.

terça-feira, novembro 25, 2008

Mais um texto besta feito pra blog

Ao Léo.

Chico Buarque - Mil Perdões

A chuva foi embora e levou com ela muitas coisas. O sol se abriu e Maria acordou deseperada e suada de um sonho ruim.
- Não queime as coxas dela com cigarro! – Gritava como se já não tivesse aberto os olhos.
João chegou e fez barulhinhos de acalentar e silenciar pessoas. Abraçou Maria como um bebê e ela ainda pensava na visão loira do sonho.
“Não as coxas. Por favor não queime nada. Se queimar vai marcar pra sempre e ela não vai voltar. Nem que ela peça. Me jure! Não queime!”
João não entendia nada e continuava usando o sopro da boca pra ver se Maria esquecia o que via.
- Já estou bem, meu bem, me deixe só. – Ela tentava e João não soltava nem soltaria. Tinha, na verdade, um medo grande que Maria lhe escapasse entre os dedos e escorresse.
“Você não entende, João, a gravidade das mãos de um homem que fuma. Ele segura o cigarro como se fosse parte do corpo e quando tem mãos nuas também. Nas mãos nuas o cigarro continua invisível como um indicativo de que tudo vai queimar.”
- Me deixe, João.
- O que foi que aconteceu?
- Vivia a te buscar por que pensando em ti corria contra o tempo... – Cantava baixinho e rezava que ele fosse embora e ela voltasse com coxas limpas.
- A chuva já parou.
- Nada de nada mesmo. Esquece que já foi, meu bem.
- Eu não estou entendendo nada.
- Foi só um sonho ruim.
- Não se preocupe então.
- Me deixe só, João, por favor.
E João foi como se tivessem lhe arrancado um pedaço porque ele nada poderia fazer sem nadar na mente possivelmente suja de Maria.
- Nada de nada. Nada de nada. Nada de nada. Nada. Nada. Nada.
“Por favor não queime as coxas dela com cigarro”. Maria pensava com a imagem loira cada vez mais forte e o autor do ato sumindo e correndo num sonho já desperto e muitíssimo real.
- Maria, o que foi? – João voltou a perguntar sem chegar perto.
- Nada de nada. Só amor de irmã.

domingo, novembro 23, 2008

Meu tempo é quando



Quando ela fala dele os olhinhos brilham. Talvez se eu não fosse tão suspeita ou ao menos não fosse a autora dos crimes pudesse lhe dizer para tomar cuidado. Preciso contar pra ela que ele é nada do que ele pensa(e do que ela pensa). É porcaria das mais violentas e das que menos se pode querer.
Então ela me perguntaria por que raios eu caí e eu não saberia o que dizer se não paixão. E seria uma mentira absurda.
Também não poderia lhe dizer que estou blindada nem que essas coisas e pessoas não me afetam.
Mas ela tem menos raiva do que eu e menos vontades absurdas. Ela tem menos pancadas na cara e um sorriso muito menos amarelo. Devia antes de tudo encontrar um príncipe e depois ralar a cara no chão.
Mas com ele ela se tornaria muitíssimo próxima de mim, com as minhas cicatrizes e as minhas crises - embora sem a minha verdade.
Meu medo é que ela se derreta como eu me derreto constantemente e não se recomponha como eu sempre faço.
Ela é mais sentimental que eu.
Não digo nada. Sacudo os cabelos, passo meu batonzinho vermelho-fútil e saio pra me bagunçar.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Oi ou à cabeça

Aí você chega e diz um oi morena assim gratuito. Eu por outro lado fico sem saber e sem dizer nada. Ando cansada de dizer coisas e de dizer as coisas. Acho que estou tendo muita coisa pra esconder.
De mim mesma principalmente.
Minha cabeça está doendo muito do que eu tomei ontem e não foi tombo. Minhas pernas estão dizendo estórias que eu não devia contar. Meus cabelos parecem intactos e devem ter cheiro de mato a uma hora dessas.
Aí você chega e diz um oi morena só pra me irritar. Assim gratuito.
Estou muito cansada de você e principalmente dos seus ois inapropriados e fora dos meus horários.
Aí você vai e eu completamente reclamo. Quase choro. Mentira que não choro nunca.
Minhas pernas dizem coisas que eu mesma não queria.
Cabeça dói. Queria vomitar essa cabeça da minha dor.
Aí você volta pra minha cabeça que eu não vomitei.
Queria vomitar você fora de mim por que eu não gosto de você.
Mentira.
Queria vomitar essa cor (rubra) pra fora da minha cara.
Aí você chega e diz um oi assim gratuito e eu morena fico vermelha e você me lembra que nada. Lembra que eu já devia ter te tirado da minha dor e da minha cabeça e das minhas pernas.
As pernas continuam contando estórias e o pescoço também.
Meu pescoço absurdamente é fácil.
Dei o telefone na grama ontem. Aí você chega antes de o telefone tocar e eu esqueço que queria que ele tocasse.
Minhas pernas também.

quinta-feira, novembro 13, 2008

For you

E totalmente não.
Não disse que sim e nem nada.
O que, raios, é uma mulher interessante?
Bonita eu até sei.

Eu juro pra vocês que não houve paixão.
Questão pura e simples do não.

Vou acreditar agora.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Não lembro

Só literatura que eu quero hoje. E das mais baratas eu quero.
Escrever um bando de porcarias seria tão bonito que um monte de borboletas voariam ao redor de mim.
Estaria com um vestido verde em um campo de flores com borboletas à volta e ao som de qualquer coisa doce.
E mel eu tomaria.
Escrita absurdamente clichê eu faria – como faço e finjo que não faço por que adoro fingir todas as coisas.
Só literatura eu quero hoje. E nada.
Não quero nadica de nada.
Um sorriso talvez me renda um poema.
E mais nada.
Quero um copo cheinho de nada.
Música barata.
Vinho comprado na padaria.
Pão dormido. Quero cachaça!
Parece que dizes te amo, Aline.
Nada não.
Só automatismo.

terça-feira, novembro 11, 2008

Ombro

Puxei o braço da Flora e reclamei horrores.
Ela tinha que ouvir absolutamente tudo o que eu tinha a dizer - mesmo tudo sendo nada demais.
E aí ela entendeu e mandou eu ir pra frente e parar de botar presilha no cabelo.
Entendi e contei que só boto a presilha por preguiça.
A Flora sabe direitinho o que se passa comigo.
Eu mesma não sei.
Estava um caos pessoal total hoje pela manhã.
Aí arrumei o armário e comecei a juntar meus pedaços pra me organizar melhor.
O lobo mau eu não encontro tem tempos. Queria que ele viesse me aconselhar e dizer que sou melhor que a fábula que eu mesma inventei.
Mas enquanto o lobo não vem fico buscando as borboletas que não dizem nada.
A Flora diz.
Fico buscando poemas perdidos em mares que não existem.
Arrumei o guarda roupa e o quarto pra ver se a casa melhora e o cheiro melhora.
Suei horrores. Reclamei Horrores. Fiz bons e maus poemas.



Vou botar uma saia
E um tomara-que-caia
Pra que tudo caia e saia.

sábado, novembro 08, 2008

Diário

Totalmente uhul a quarta dose.
Fiquei assim bamba e pensando em nada. E é muito legal esquecer de pensar. Aí passou e a quinta e a sexta vieram e eu lá.
Aí ela disse que eu sou paradoxal e eu não respondi. Também disseram que eu sou claríssima.
Sou confusíssima.
Fui corrigir uns erros de português em texto velho e eu não sei usar o Se. É sintomático.
É automático talvez quem sabe naquele dia fosse a quarta ou a terceira mas a quarta na banca cortou.
Eu não sei mais pensar. Aí eu fico quarta. Eu fico branca. Eu fico quarta-branca-nada.
Eu tenho filhos novos esse mês. Semana que vem eles envelhecem espero.
Se o filho não cair eu nem posso nada. Ai caramba eu caio. Caio quarta.
Hoje é sábado.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Ritual

Quando ele cruzou a sala de estar larguei imediatamente a xícara de chá. Tinha que me levantar e analizar cada pequeno pedaço de corpo.
E ele tinha justamente que passar por mim pra arrancar com os olhos cada pedaço de corpo que eu tinha. Não tenho mais.
Pusemo-nos frente a frente e vimo-nos arrancando os braços um do outro. Comi-o cru.

Comecei pelos dedos das mãos e passei imediatamente para as coxas. E ele fez o mesmo comigo até sobrarem as cabeças vibrantes e sem ar. Morremos atolados de paixão.

Aí eu sacudi a cabeça e fiz uma mesura. Vesti meu sorriso mais bonito e deixei que ele fosse.

Não ia demorar a voltar. Sorri por dentro. Voltei ao chá e o cuspi num reflexo. Estava frio.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Não, menina, não sonhe demais. Não deixe essas coisas tocarem você. Não precisa e nunca precisou.
Sinta apenas os pés gelados de praia e sujos de muita areia.
Depois corra. Indefinidamente corra pra bem longe de tudo - menos do mar.
Menina, escuta: só o mar é seu amigo. Eu não.
Eu tenho medo e sumo.
Molhe os pés, querida.
Vá embora.