quarta-feira, agosto 08, 2012

Que ternura brota e floresce




Queria mesmo ser capaz de abraçar o mundo. Dentro dos braços formar ninho e proteger aquela menina, a outra menina e todo mundo que eu não quero ver chorar. De forma alguma eu com mundo nos braços aboliria lágrima. Governaria as coisas salpicando dor e delícia pra encorpar o tempero do molho.
Queria ela com os olhos vivos e os braços firmes, as pernas firmes, cabeça em riste. Queria o mundo coração de moça, e o meu coração materno, paterno, fraterno, eterno.   

domingo, julho 29, 2012

conversa de pele batida


Quero saber como anda a sua tosse. Você mandou eu não rir e eu disse trinta e três trinta e três trinta e três enquanto tentava chutar o mais alto que podia.
Não boto meu pé atrás da cabeça, mas queria que você daqui gostasse. Quando eu danço, é por cima de você. Que você olha.
Mas você é duro, José.
Tinha pensado te mandar um poema mole mole do Bandeira, que é mais duro que você e talvez te amoleça. Você me bate na cara e manda calar a boca. Eu continuo falando mais ainda, que é pra te irritar.
Você faz uma enquete na praça pra ver se é constante a minha chatice e descobre que ela foi feita no seu molde. Eu descubro que daqui há um tempo você deve emagrecer.
Tenho medos de mudança e você quer que eu voe.
Vou. Mas volto. Veja se cuida longe de mim essa tuberculose. 

sexta-feira, julho 27, 2012

A roda da fortuna e o rei de paus

texto meu publicado no caderno Pensar do jornal A Gazeta

A sala era fumaça pura à meia luz. Um cheiro forte de incenso e cigarro e uns olhos pretíssimos, pintados com kohl. Adalgisa, mesmo vendo muitas cores na cartomante, achava que nos olhos estava o principal. Quis, logo de cara, aquele negrume para si. Sentou-se tímida, afoita, desatada e destrambelhada – desesperada de primeiro amor. Não disse nada além de boa noite e do nome perguntado de cara pela cartomante.

quarta-feira, julho 25, 2012

porque também, além de tudo, a cabeça-dura é quase que genética


E você também não sabe nada de mim. Não tire fora a graça do descobrimento. Você precisa navegar uns mares e eu preciso nadar contra a corrente. Sim, claro, com terra vista em mim, havia meta depois da meta, ou coisa alguma, mas corpo visto.
 É que, ainda seca e quente, a pele é pele. Está comprovado que você tem mãos e um corpo todo, inteiro, grande, denso. Todavia, eu quero coisa respiratória: que você, ou alguém, me invada todos os pulmões.
Vi sim que houve certo caminho narina à dentro e que o cheiro ocupa um mundo todo. Pensei que o querer não era fato. Achei a beleza que incide de uma interrogação, ou de um afastamento.
Saiba ao menos isso de mim: sou puríssimo afrontamento. 

terça-feira, julho 17, 2012

Tubo de ensaio


Fui ficando sem perspectiva. Ele tão bonito que nem parecia meu. Tão meu que nem parecia bonito. Não tentei entender as cores, que são óbvias. Quis mesmo entrar naqueles olhos grandes, enormes.
Encostei a testa e olhei dentro. Encostei a testa e olhei forte. Encostei a mão e disse que seria pra sempre nós dois. Junto. Junto. Junto.
Não concebo sem ele a vida. Quero a vida sóbria. Ele ali me transferindo a dimensão. Escorbuto é quando não tem laranja. Ele é cor de rosa. Não vou passar mal.
A testa dele disse “Não faz assim”.
Cantou. Tão alto, tão forte. Não vá pensando que eu sou seu.
Foi embora. Bonito como se nem existisse. 

terça-feira, julho 03, 2012

Bússola


A coisa está ruim no peito porque o mar estava calmo. E calmo, o mar, atrai os peixes que são homens para o fundo. O mar é um engano.
A vida não vem com bula em que assumidas estão indicações e contraindicações de atos. Não há sapiência justa para dor de amor. Nem mesmo atenuante, há. O inconsolável vem seguindo a maresia.
A ressaca convida para as lambidas das ondas. Vai o homem se dissolver ali pra digerir as dores. Volta o homem dali porque não é possível morrer sem conclusão.

terça-feira, junho 19, 2012

Comecinho de amor


Dorme, por favor. Essa dor nas suas costas só resolve se você estiver dentro aqui de mim. Queria muito que você coubesse e enchesse à ponto de eu precisar vazar. Tenho me esticado pra engolir você.
Já entendi que o cozimento é lento e que não curtes esta onda de canibalismo. Quer lamber primeiro, ver primeiro, cheirar primeiro.
Mas olha aqui: eu não sou vinho. Se for beber, vire como cachaça. 

segunda-feira, junho 11, 2012

fábula do sabãozinho apaixonado


Quando o sabãozinho apaixonado se deu conta de seu estado, esperou a coisa dissolver. Depois de decidido, foi à sabãozinha ainda meio perdido, mas com o amor crescido não se segurou. Ele acreditava em amor sendo estado físico. Disse, então, de sopetão:
- Eu te omo.
E quando disse, ela nada entendeu. Mas é que o sabãozinho queria mesmo tornar-se sabão em pó, e que a sabãozinha também o fosse. Nesse estado, os dois podiam dissolver na mesma água, misturar-se de verdade, fazer espuma. Em pó eles lavariam muita roupa suja juntos e o sabãozinho torcia para que limpassem principalmente lençóis de casais. Queria ele lavar o amor físico dos homens e concluir assim a função de uma paixão que não tem fim. A sabãozinha, já meio gasta, ao entender o fino propósito de tudo, sorriu em barra. Torciam juntos a roupa dos outros e tiravam as manchas do mundo enquanto faziam a mesma prece.

sexta-feira, junho 08, 2012

Tango?

Ele tem cara de abóbora e o outro tem cabelo cinza. Eu queria uma esquina com um, um banco com outro. Mas qual o um que vale a conta?
Aprendi que a alma é grande grande como eu sou pequena. E também que a estatura não vale a curvatura de nada. Mas se ele voltar, que coisa linda!
E o outro, quem é? Se nenhum é número, qual vem em primeiro, não sei. Só queria um volume mais baixo, às vezes, mas outras uma série grande de explosões.
Não vou acordar ninguém de noite, que eu mesma nem sei abrir os braços.
Olhe bem, não sei esse negócio de quadrilha, mas a gente pode brincar ainda de roda.

quinta-feira, maio 31, 2012

floresta


Eu que não abrevio beijo, que não gosto de nada pela metade, tomo café forte, sou ligada na tomada, falo alto pra cacete, xingo e, de vez em quando, sambo, não sei como é o caminho. Ouvi umas coisas que não queria, e outras que cabiam como uma chuva. Mas se eu disser que era isso mesmo que eu esperava, sendo negativa...
E entrando aquele samba e a cerveja e os quadris. Como é que ele diz? Mas se os quadris não mandam nada, onde fico? Eu tenho uma nuca forte, uns calos grossos, um sangue que ferve. A pele é lisa, o sorriso é largo. Desato se não me quer carne, você. Embora até ontem eu mesma não quisesse nem um naco. Não abrevio nada de nada. Mas o sangue, esse não ferveu.
Olhe, o medo é maior de alma. Venha com tato, por favor, entre rasgando. Assim sendo, não despedaço logo e ganho doses extras de anticorpo. Esse caminho, assim, de pedras, eu não sei equilibrar.

terça-feira, maio 29, 2012

jardim


Mas a gente é tão besta que só gosta do que não pode, e só porque incomoda. Porque se fosse simples e estivesse esfregado, sambado, na cara, varalzento e reluzente, nem nada. Nem um fandangos de atenção, nem sorrisinho.
Como perceber o óbvio? - pergunta-se a moça prosa na noite clara em que os rapazes cercam seus muros tentando escalá-los por alguma fresta.
E a gente passa cimento, passa rejunte, bota tijolo. Depois deixa a chave da porta com um ou outro que não sabe nem onde fica a fechadura.
A roupa não seca dentro, nem o peito. E se ninguém escala, nem quebra, nem faz janela, nem joga bilhete, nem se arrisca, a gente fica unidirecional, sem mistério.  

domingo, maio 27, 2012

venha sim

Mas quando você vier, eu vou estar pronta. Eu sei que odeia as minhas sinceridades, mas adora o corte do cabelo e o cheiro da pele. Eu sei que se a gente se olha muda o ritmo do tempo e a gente para de se alfinetar. Eu sei que você estava acenando, mas que não esperava que eu acenasse de volta.
Você aposta na força do meu não, mas eu sisuda sinto falta das suas mãos e do toque da língua. Quero te ver amanhã e depois. Dividir a cama.
Acho muito bonito que a gente se odeie. Alimento diariamente uma raiva sem cheiro e sem proximidade. Meu espelho diz que você é feio, bobo, e chato, mas volta e meia eu de descontrole lembro que havia ternura e bochechas.
Então, se vier, venha aberto. A gente se ama mudo e se odeia alto, compõe um samba que não desfila.  

quinta-feira, maio 24, 2012

Era uma vez


Me viu duas vezes, talvez até quatro, e me trata como se eu fosse encantada.
Não me conhece e nem faz questão.
Já pintou lá alguma idéia pronta baseada nas medidas do meu corpo e o formato dos cabelos.
Aí que ontem ele veio com flores, todo romântico. Chamou de princesa e esperou resposta para aquela melancólica e mal traçada carta de amor.
Educada, não tardei:
- Enfia o conto de fada no cu.  

segunda-feira, maio 21, 2012

dos signos


E vem mais um começo de flerte. Lento, óbvio, raso, clássico. Nenhuma conclusão de pele, mas os olhos trabalham sem descanso na sustentação da alma. Mais um tempo e fica, transpassa, vaza. Ele me lê sem palavras e eu tento inventar o que não sei. Vejo se aprumo os cabelos e a coluna pra ficar linda. Vira o cheiro uma necessidade e deixo ali uma marca de batom.
O resto, ainda não sei. O vazio brinca, no meu peito, de explodir explosões pequenas como cócegas. Invento logo meio e fim de história, claro, sem desfecho. Invento os pêlos que ele tem no peito, há de ter, e a textura das mãos, e a língua. Invento o movimento que faríamos e as conversas futuras. E gosto.
Não sei quando volto. Queria que fosse ontem. 

sábado, maio 12, 2012

Quando a gente era feliz com nada


Eu tinha desenhado no papel um sorriso torto e bonito. As crianças gostavam mais quando a carinha vinha assim, cabelo bagunçado e sorriso só de um lado, formando uma única bochecha em monte e deixando a outra esticada, lisa. É claro que meus dotes de desenhos são tão bons quanto os de qualquer pessoa em química, mas quando eu desenhava aquele rosto específico, qualquer um reconhecia. Dois olhos, um nariz pequeno, um sorriso torto e o desgrenhamento.
Eu tinha a pele e a carne ocupadíssimas de tanta ternura e aquele sorriso era a única coisa que eu via no mundo. As crianças entendiam que a tia estava apaixonada, mas a tia não. A tia continuava falando de poemas, sintaxes e adjetivos.
A tia cortou curto o cabelo e deu um jeito de sentir aquele cheiro específico a quilômetros de distância sem entender ainda a relação entre faro e peito. Eu me escondia de mim mesma em tantos livros e poemas.
Depois, vinha a ternura em desenho como prêmio para as crianças bonitas que acertavam a prova toda. Como se paixão fosse prêmio dos outros que no sorriso da tia talvez vissem um guia. 

sexta-feira, maio 11, 2012

Para um querido amigo


Amigo querido, eu sei que disse que era louca a sua moça porque ela acreditava precisar mudar e não queria te envolver nisso. Mas você não sabe quanta coisa pode mudar numa vida e numa cabeça de um dia para o outro. Ontem um amigo antigo me disse que eu coloco pontos demais nos meus textos.
E me disseram, também, hoje cedo, que eu fui grosseira – como também já disseram tantas outras vezes em que eu não dei razão. Amigo querido, eu sei que você confia nas coisas que eu digo, mas eu não confio mais tanto assim.
Detesto falta de educação, gente grosseira, falta de gentileza. Detesto. E detesto muito também não conseguir entender as coisas e por isso pergunto sempre e muito. Então eu sei que eu preciso mudar todos os dias e não posso ficar estagnada. Também sua moça não pode. Ela entende as próprias falhas e se enxerga enquanto adulta.
E pode ser que te ame, mas e daí? Esse negócio de ser gente grande é dolorido e você sabe. É dolorido pra ela também, e pra mim. E auto-crítica é pior ainda, querido amigo. Sua moça só quer melhorar, botar menos pontos, ser menos grosseira, se abrir mais pro mundo, entender o próprio lugar, sei lá.
Não a conheço. Mas em algum momento você também vai perceber que não está bem como está e precisa melhorar por você mesmo. E pode não ser tão pesado pra você quanto é pra ela, mas e daí? Pode ser que você nunca passe por nada parecido.
Mas guarde a moça, querido amigo. Aguarde a moça. Agüente a moça. Tente entendê-la. Por mais que doa, a carência da gente é mesmo uma coisa egoísta demais. 

quarta-feira, maio 02, 2012

antes do carnaval


Ainda não entendi o tamanho das mãos. Quanto tempo cabe na textura de um abraço, não sei. Como fica o mundo depois da língua?
Como fica o tempo depois de passar pelo gerador de improbabilidade?
Com quantos acordes eu conto um dedilhar de coxas e com quantos cigarros faz-se uma ansiedade?
Entendi. Sou muito interrogação. O menino disse que não tinha medidor de amanhãs e eu não tenho termômetro de cabeça.
Minha cartomante deixou o futuro de lado e foi passar verão em Salvador. Como é que eu pergunto pra ela porque ficar balanceando passados como se fossem pratos?
Eu vou é soltar as mãos. Com sorte, tudo quebra e a gente sangra. Não aguento mais ser matemática.

domingo, abril 29, 2012

quando ama a passarinha


Como se faltasse um je ne sais quoi,
Deixou semiaberta a cartola,
Fez firula lá, mesura cá,
inclinou mão,
puxou moço
Coelho, não.
Porém, ele com pêlos eriçados,
Ficava gosto de fofura.
Cuidou ela então da curvatura
Própria das mãos próprias
Focou as juras no tato
E a língua no palato
Do outro.

E como se não faltasse nada
Ficou ereta, discreta, direta.
Jogou fora a cartola.
Guardou na garganta o dentro e o fora.
Depois, de bicicleta,
seguiu linha reta,
que embora bom, era hora.

sábado, abril 28, 2012

a moça de esquerda


- Mas, moça, você não quer ganhar nada?
- Ué, precisa?
- Precisa sim, oras, você está fazendo, tem que receber.
- Mas moço, nas histórias eu sempre fui fada madrinha, nunca princesa. Então a parte em que eu ajudo move muito e eu fico alegre.
- Entendo, mas e o dinheiro?
- Se você insiste, eu aceito, mas olhe: abraço apertado, beijo molhado, banho de chuva, cheiro de terra e cheiro de milho não custam dinheiro. Além do mais, eu gosto de ver quando as pessoas sorriem.
- Entendi, a fada madrinha.
- É! Pense comigo, quem move a história é sempre a fada madrinha. Quem dá volta na madrasta, quem garante a noite, quem faz a princesa resolver o seu problema?
- A fada madrinha.
- Pois então. Princesa tem a voz muito passiva. Fica lá sofrendo pelo príncipe, sofrendo na mão da madrasta, sofrendo na mão da bruxa, sofrendo limpando o chão, sofrendo a ação... Eu não!
- Gramática?
- É, sim. Se eu for a fada, fico com voz ativa. 

quarta-feira, abril 25, 2012

excesso


Está, a parede, vazia. Não fico oca por falta de enquadramento. Não paro quieta, e quando paro, não paro. Alguma coisa escondo de mim e não sei ainda o quê, se do moço agradável que tem aparecido grave eu nem falta sinto.
Devia ter algumas tintas e especialmente mãos precisas. Não. Ela comprou massa de modelar e eu pensei que as mãos deviam aprender algum caminho que não esse de teclado e tinta de caneta. Ele compôs um samba tão bonito que nem podia um dia ser pra mim.
Teci um tratado sobre métrica e rima. Torci um bocado a função de um sentimento. Ora, não devo eu entender nada, e nem tentar. Eu quis dançar noites inteiras e pensar que as pernas não sentem saudade do meu sono. Então, de novidade, não escrever mais meia linha, nada, nada, nada. Só o que fosse automático, a parte paga. Direcionar todas as coisas como quem sabe propor palavras cruzadas.
Quis também andar na praia, e não andei. Oca, não fico.