sexta-feira, junho 11, 2010

A parte aberta de Lord V

Lord V talvez não saiba, mas essa plebéia leva tudo muito gravemente. Sente tudo muito pesado. Não consegue nem por nada ser leviana.
Então quando ele resolveu me cercar e dizer todas as coisas não ditas, eu caí. Lord V de longe, nobre, inatingível. Eu plebéia besta, crente, mole e muito fraca.
Tive raiva de Lord V acabando com todo o mistério e dizendo com todas as letras que quer plebéia em cama e mesa. Tive saudades imediatas do tempo nem tão longe em que tudo não passava de flerte e rasgos de sala.
Agora rusgas minhas; não sei nem mais como andar. Lord V continua tendo aqueles dentes e aqueles olhos que eu espero não ter que ver. Lord V continua intacto e eu nem tenho aquele outro plebeu em quem me escorava.
Fugi de Lord V com todas as unhas e todos os dentes. Fugi como um bichano. Caí como uma jaca.

Bestíssima. Bestíssima.

É por isso que eu não passo de plebéia e ele continua Lord.
Longe.

quarta-feira, junho 09, 2010

Todas as músicas de Rolf Carlé

Em face dos últimos acontecimentos, precisei ligar para Rolf Carlé. É notório e sabido por todo o meu círculo social que sou muito suscetível a músicas. Que a simples menção de certas notas tem o absurdo poder de me derreter inteira.
Rolf Carlé foi desses casos com músicas fixas e muito bem marcadas, acordadas por ambos. Estava muito claro, tácito, que lembraríamos sempre um do outro ouvindo Esotérico, Relicário e Yellow, do Coldplay. E de lá pra cá se foram alguns meses...
E nesta sexta me citaram Yellow sem que eu tremesse. Não. Não cheguei a pensar que Rolf Carlé tivesse sido de fato deletado de mim por completo simplesmente por não tremer quando alguém falava desta música. Lembrei da história toda e dos moldes de nós dois na lírica. E só. Nenhuma pontada de dor. Saudade e pronto.
Mas Yellow não era a pior. Relicário lembrava todas as noites e Esotérico me matava a cada nota. Lentamente. Bethânia cortava meus pulsos gritando que se eu sou algo imcompreensível, meu Deus é mais.
Então o Windows, que é um grande filho da mãe, deu de tocar Relicário no modo aleatório do media player sem que o mundo ficasse ao contrário e só eu reparasse. E eu não escrevi nada disso no diário. Não achei importante de citar. Não senti a menor falta dos abraços e das noites de Rolf Carlé.
Então veio hoje a prova dos nove. Culpa do Windows, logicamente. Esotérico começou a tocar e eu não percebi. Quase não ouvi a voz da Gal. Bethânia começou a se esgoelar e eu nada. Eu nem arrepiei. Nem tremi. Nem suspirei. Nem perdi pedaços meus nas notas. Nem quis ser incompreensível novamente.
Me mantive firme até o fim da música. Ouvi-a toda. Completa. E nada. Acabou e eu pensei sim em Rolf Carlé. Pensei que ele precisava saber que já não incomodava. Que depois de tantos meses poderíamos retomar aqueles planos de amizade.
Notei que já não estou em cacos.
Então peguei o telefone, pensando nessas coisas e fui ligar para ele à cobrar como de costume. E o mais impressionante é que eu já não sei o número. Não liguei automaticamente como sempre fazia. Precisei olhar na agenda para conseguir falar com ele.
- Bom dia!
- O que te deu pra ligar?
- Menino! Aconteceu um negócio muito impressionante. Consegui ouvir Esotérico sem sentir nada.
- E foi a primeira vez?
- Sim. Foi.
- Que bom!
- Acho que agora a gente pode ser amigo.
- Que bom!
Então ele disse que a mulher e a filha que vieram depois do nosso fim vão bem, obrigada. E agora eu sei que ele não vai checar meu blog pra ver se eu voltei a falar dele sem permissão.
E de mais a mais, não volto a ser Eva Luna, como era apenas com ele. E talvez ele estivesse certo quando disse que tinha sido apenas uma coisa bonita passageira que acabou no tempo certo – sem estragar as músicas bonitas para o resto da vida.

domingo, junho 06, 2010

A parte ausente de Lord V

Fosse outra noite, pediria a Lord V que não me abandonasse ao cais. Mas nessa, nem isso.
Ele deu de ficar distante sem princesa nem nada. Deu de mostrar que não precisa de minhas adversidades. Deu de nem ao menos procurar meus pedaços expostos de pele. Foi seco. Foi longe. Foi grande como se nem fosse gente, se só fosse nobre, se nem fosse meu.
Farejei algo de clímax - os romances dizem que o vazio precede a explosão. E tive medo. Medo de mim. Medo de Lord V. Medo de cair. Medo de despedaçar.
Então me soube inteira e suspirante com Lord V preso nas veias. Correndo com meu sangue. Parte dos meus olhos.
E ao cais me vi exposta ao mar. Só vento cercando.
Só vendo o que virá de Lord V.
Virei protagonista de história.

sexta-feira, junho 04, 2010

Novíssimo caso de pés

Eu acho que aquela mágoa toda foi embora no ralo de alguma pia. Devo ter passado o fio dental com mais força, sei lá. Sei que aquelas coisas densas não estão mais pesando as gengivas nem o estômago.
O silêncio, por outro lado, tem dito coisas que eu não entendo bem. A leveza de algumas coisas tem sido posta à prova e algumas questões têm criado nódulos nas costas. Ninguém precisa saber que o pé muitas vezes é mais importante do que o resto.
Também, se ele passar um ano fora, ainda estarei com saudade do contato diário, mesmo tendo dado tempo de arrumar outros colos. Principalmente, a Bia faz falta. Talvez as transições não sejam possíveis sem a única que faz versos por aqui desde que aprendemos a escrever. O mundo todo não cabe nessa manhã. Os problemas eu curo com café. Os pés eu dedilho e amasso e machuco e cuido.
É preciso muito cuidado com o sustento das coisas. Vínculo bom mesmo é imperceptível. Daqueles que você só dá conta quando estão ali, prontos e singelos. A Bia mesmo é vínculo desde sempre. Desses que eu nem consigo lembrar quando surgiram.
Fico procurando outros ápices depois do último. Fico criando casos, histórias e até conceitos. Tentando entender o que de forma alguma foi feito para isso.
A saudade é uma coisa que rasga.
Os romances têm sido suporte de dores. Palavras de desconhecidos que dão conselhos. Conversas de escada que tem cara de ajuda e não foram feitas para nada disso.
O outro perguntou se é tristeza ou amadurecimento. Não sei. Não sei. As vontades estão novas e distintas. Densas. O controle tem existido com mais freqüência do que antes. A escrita tem ficado até responsável.
As marcas continuam. Os vínculos eu não sei.
Outro dia queria falar muito de aflição e de ternura. Hoje queria falar só de entrega. Mas os vínculos ficam dançando na minha frente junto com as narrativas fortes de outros nomes e outros olhos.
Eu tenho olhos muito pequenos e um corpo muito pequeno. Eu tenho braços de abraçar o mundo e tendência forte ao anonimato.
O mundo sempre morou nas minhas costas, mas está pulando fora, procurando gente mais nova e menos emotiva. A Bia tem se metido em lugares diversos e está cheia de planos.
Parece que muita coisa, mas eu não estou parada e também não sei o que vem agora. Acho melhor aprender de vez a nova ortografia e depois sair para sambar.

quinta-feira, junho 03, 2010

A parte diplomática de Lord V

Calmaria relativa em tempos de crise no reino. Ninguém sabia ao certo qual, mas havia um problema grave no parlamento. Lord V aproveitou para sumir.

Cheguei a pensar que ele não existisse.

Besta, eu. Se tem alguém no mundo que existe é Lord V.

E depois do sumiço, ele voltou sem princesa nem nada. A moça deve ter ido para casa, não sei, mas Lord V agora mostra bastante que quer meus cantos. Chama para si vários pedaços de plebeia. Dá jeitos de encostar os dedos em pontas e raízes de queixos e cabelos.

Tenta de longe algum toque, algum tato, algum rapto.

Como se não fosse nobre, Lord V comigo tenta festas. Frestas.

Claríssima e escorregadia, devolvo as flores.

Se é só toque relapso o que nos cabe, que disso não passe. Que ele não me pele. Que ele não me capte. Que ele não apele. Que ele não me acabe.

Que ele só me cace.

segunda-feira, maio 31, 2010

Carta praquele cara que eu não escrevi

Ao contrário do que possa transparecer por meus olhos brilhantes, não sou capaz de perdão. Hoje estou com você entalado no esôfago. Pensei em talvez te vomitar para fora junto com toda aquela coca cola que tomei noite passada pra curar dor de cabeça.
Tentei muito lançar seus cabelos ao vaso enquanto enfiava o dedo na goela. E nada. Você ainda indigesto e eu pensando em voo.
Por que talvez ninguém mais tenha coragem de andar comigo dentro de um balão colorido, a não ser você.
A moça me pediu desculpas pelo seu comportamento, que você não devia ter sido seco assim comigo. Eu disse a ela que ninguém precisa pedir desculpas por algo que não tenha feito.
Mas eu não disse que não há perdão para suas mãos e para o seu nome.
Ela talvez não entenda que eu não suporto o fato de não ter te inventado com caneta num caderno de capa cor-de-rosa. Não concordo com isso de outra pessoa ter pensado neste ritmo tão vocálico para um nome.
Não acredito em você fora de um livro, de um conto, de qualquer coisa literária, inclusive eu, porque você não devia ter nascido, nem ser gente de carne e osso. Devia ser personagem. Meu personagem. Paixão de meninas solitárias com best seller na mão.
Nunca pele.

sábado, maio 29, 2010

A parte alheia de Lord V

Lord V bem que podia aparecer à cavalo e me levar prum mundo outro ainda hoje. Se fugíssemos do reino, eu não precisaria fingir que não olho Lord V todos os dias desde o primeiro.
A princesa começou a me soltar segredos sem perceber. Aliás, a princesa nem disse nada e eu entendi que entre os dois havia algo mal resolvido, ou bem resolvido demais de uma forma que não a agradava.
Deram de chamar esta plebéia para os bailes do palácio. Enquanto a princesa estivesse por ali, seria eu sua dama de companhia. Mas em certo momento eu quis ir ao banheiro e a princesa disse que não podia ficar sozinha. Apontei Lord V e a rainha num canto e disse que minha ausência seria rápida e que logo estaria ali para abaná-la. A princesa não quis de forma alguma se aproximar de nenhum dos dois. Preferiu sair comigo a ficar no salão.
Lord V ficou distante de mim por alguns dias, enquanto estava a princesa perto. Mas foi ela olhar para o lado que ele deu jeitos de se encostar na parte exposta da minha pele e me botar com febre.
Passo agora os dias esperando toques.

quinta-feira, maio 27, 2010

Ofício 001

Importante dizer que parte deste texto (a de baixo) foi idéia do @marcosdjavan

Sofrendo certa dificuldade de comunicação interna, protocolei um ofício.

Ofício 001
Venho por meio deste declarar para os devidos fins que tenho sentido fortes lances de atração física descabida e despropositada. A senhora Elizabeth Bennet, inventada pela ilustre Jane Austen, disse-me em certa ocasião que sonetos servem para matar grandes amores.
Tendo em vista que nunca dominei a técnica preciosa da confecção de sonetos, escrevo prosa besta para matar tensões. Já tendo sido declarado que os choques existem e que um toque lança a pele toda em explosões sinestésicas e disparam o peito, não preciso declarar mais nada.
À meu favor, o fato de que os braços nunca estiveram uma linha fora do lugar e que a boca manteve-se seca e fechada.
Solicito então a este corpo que é meu, mas é incontrolável, que despeje de si esses lampejos e volte o mais breve possível a ter auto-controle.

A resposta veio rápido, apesar da burocracia.



Diz o senhor Manoel Bandeira no poema A arte de amar:
“Se queres sentir a felicidade de amar,
Esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo,
porque os corpos se entendem, mas as almas não.”


Ciente do exposto pelo poeta, indefiro.

domingo, maio 23, 2010

A parte galante de Lord V

Lord V resolveu soltar apaixonices. Deu de dizer vez ou outra que eu, plebe pura e sem charme, tenho traços parecidos com os dele. Mas Lord V não entende que estão inventando a luta de classes e que sua nobreza está muito acima da minha capacidade cotidiana de flêrte.
Outro dia, inclusive, Lord V chegou com flores e poemas. Fiquei assustadíssima. Me meti até num canto desses de rua com outro plebeu pra me proteger da sorte. Tinha quase certeza que um corpo avulso me tiraria a cabeça da cara de Lord V.
E coisa nenhuma.
Lord V fez que não sabia de tudo o que se passa no mundo, como se não tivesse lacaios prontos a lhe contar qualquer fofoca da nobreza ou da plebe. Percebia de longe que eu tinha começado a correr da corte feita com tanta gentileza. Parece estar criando suas estratégias novas, ou ter desistido.
Do outro lado, eu percebi que os olhos grandes de Lord V sequer chupam os meus se a princesa do reino vizinho aparece.

quarta-feira, maio 19, 2010

Nos embalos dos abraços de seus braços

Sempre gostei muito de abraço. Sempre fui muito de abraço. Mais abraço do que beijo, inclusive. Se fosse pra escolher, era aquele casaco de braços e tórax e peitos que eu queria em volta de mim. Mais nada.
O melhor abraço era sempre o da Fernanda. Nem era muito minha amiga, nem nada, mas tinha uns peitos grandes que confortavam bem qualquer pessoa. Tinha aquele abraço macio e aquele sorriso complemento que fazia de tudo muito mais sincero. Mas nela eu nunca fiquei encolhida por que o conforto era ocasional e pouco íntimo.
Uma vez tinha um menino que eu conheci criança e tinha um cabelo todo feito de cachos. Também tinha pernas grandes, um corpo todo grande, uns braços que pareciam capazes de envolver o mundo inteiro. Talvez muita gente tivesse medo de toda aquela imponência, mas eu abraçava e parecia estar dentro de um daqueles cachos. Segura.
Outro lá, antigo amor morto e enterrado, tinha um timing perfeito. Era pequeno, mãos finas, um corpo sem muitos atrativos e cheiro sempre igual do mesmo desodorante. Não sei se era o cheiro ou os braços, mas ali eu tinha o corpo todo misturado com o meu e parecia inteira. E eu não precisava de mais nada se estivesse triste.
Mais tarde apareceu um outro garoto com cachos muitos que antes de abraço me fez massagem nos ombros. Nele aninhada eu ficava pequena e quase sumia. Parecia que aquele abraço me acompanharia por pelo menos dez anos.
Então veio um outro rapaz que parecia ser todo carne. Vendo-o assim, não podia fazer outra coisa que não comê-lo. E comi. Mas ele, do outro lado,talvez não visse assim tanta carne. Pegou seu grande corpo e seus grandes braços e fez dele próprio o meu lençol. Me abraçou.
Caí inteirinha.
Ninguém precisa de mais nada para matar solidão.
Só ternura.

segunda-feira, maio 17, 2010

A parte apoética de Lord V

Lord V tem olhos enormes que ficam chupando meus olhos quando eu olho de volta. Lord V corta a sala de estar com os dentes à mostra, afiadíssimos.
Os dentes de Lord V combinam com meu pescoço, percebi de cara. Antes mesmo de saber que Lord V tinha me visto - e antes de saber que eu era possível olhar Lord V dentro dos olhos.
Dia desses, eu e Lord V saímos para tomar chá. Quase não falamos, comemos apenas. Talvez ele soubesse, como eu já sabia, que qualquer coisa dita seria fatal.
Eu e Lord V preferimos provocação mútua constante – sem comprovação de qualquer tese.

sábado, maio 15, 2010

A parte poética de Lord V

Eu, por mim, deixava logo claro que queria mesmo Lord V. Mas Lord V precisa ser distante pra ser Lord. Então eu aqui - da plebe - fico toda olhos e escondendo o jogo.
Seria muito mais fácil se Lord V não fosse todo dentes e fosse bonito. Queria eu que ele tivesse cara de ter sido feito, que ele tivesse um corpo perfeito, que ele não tivesse marcas de expressão e parecesse de cera.
Se assim fosse, eu nem de longe quereria Lord V rasgando o caminho com aquela cara e aquela voz. Muito menos pensaria em mãos. Mas Lord V não é bonito de primeira e esse é o pior tipo de gente.
Não sei se quero perder aqueles olhos de Lord V e aquela cara que parece ter um traço novo o tempo todo. Uma coisa bonita sempre a ser descoberta. Lord V em pessoa eu quis amontoado em mim - gigante.
Só não sei como fica o flerte se vira coisa densa e posta na mesa.
Da vitrine, Lord V parece uma bela janta

segunda-feira, maio 10, 2010

Iúna – Vitória, uma crônica mal-humorada

Sim, uma das coisas mais íntimas que podem acontecer entre um homem e uma mulher é acordarem juntos. Há quem diga que ver a moça despertar é das coisas mais agradáveis e poéticas. Ainda assim, a regra não se aplica aos ônibus da viação Águia Branca. Principalmente, isso não se aplica nem à linha Vitória-Iúna, nem à linha Iúna-Vitória.
Declaro desde já que detesto essas duas linhas desde que fiz 14 anos e papai e mamãe me deixaram viajar nela sozinha. Detesto quando entram galinhas no ônibus, quando entra alguém com pés sujos carregando pés e mais pés de repolho e detesto quando conversam comigo. Ônibus não é lugar de conversar, minha gente!
Mas, principalmente, eu detestei acordar hoje dentro do ônibus e ouvir um desconhecido cara-de-pau do meu lado perguntar se eu tinha dormido pouquinho à noite e por isso estava com soninho no ônibus. Nem respondi, fechei os olhos e fingi que ainda dormia.
Esses sujeitos têm que entender que não há intimidade nenhuma em ver uma moça acordando depois de dormir muito no ônibus que pegou às 5 da manhã. Principalmente uma moça mau-humorada como eu, vestida de cinza e sem maquiagem.
De bom, a linha tem a parada em Venda Nova, onde se come o melhor pastel. Também gostei uma vez quando entrou um cara com uma sanfona que atendia aos pedidos de todas as pessoas do ônibus.
De ruim, além do já citado, o maldito cheiro de cecê das pessoas que sentaram ao meu lado nesta doce manhã.
Mas o pior não foi nada disso. Nenhum diálogo tosco, nenhuma pessoa invasiva nem nada superou a chegada na rodoviária. Porque a última vez que eu cheguei nessa linha à rodoviária, havia a coisa mais próxima de príncipe encantado que já passou por mim esperando na pilastra.
Ele tinha mandado mensagens bonitas dizendo que eu devia apressar o ônibus pois ele já não agüentava de calor e saudade. Desci e ele tinha um presente bonito desses que só dá quem repara nos detalhes da gente.
Mas hoje não tinha presente, não tinha príncipe e nem calor. Chovia e eu teria que procurar sozinha o ponto de ônibus que nem lembrava mais onde ficava.
A pior parte de tudo é que hoje não tinha felizes para sempre.

domingo, maio 09, 2010

A sobra das sobrancelhas

Hoje eu tinha um bocado de coisa a ser escrita. Um bocado de história a ser contada.
Acontece que hoje as frases estão todas forçadas e nenhuma rima sai com ritmo de quadril. Então não vou contar nada, não vou escrever ficção.
As coisas não vão prestar se não forem moldadas no corpo e se não tiverem fluidez natural, se não forem escritas com fluidos de corpo.
Fica então aqui uma música brega no som e toda aquela confusão na cabeça. Pensemos juntos: melhor confusão que convulsão.
É preciso ter otimismo e um tanto assim de beleza.
Gostaria muito de arrancar fora boa parte dos pêlos das sobrancelhas, todos os pêlos do sovaco e das pernas.
Gostaria muito de manter as unhas feitas.
Nenhuma das histórias não contadas falam de corpo bem estruturado ou organização pessoal.
Todas as histórias são de bares e hálito azedo de manhã.
A casa foi destruída pela manhã e a manhã nem viu se tinha gente em casa.

quinta-feira, maio 06, 2010

MR8

Aquela mania maldita de tentar achar onde estava a minha ferida. Depois roçava as unhas ali, para arrancar casquinha. Olhou sem nenhum tom prepotente na voz e disse o quanto sou insignificante ficando em cima do muro.
Eu podia até ficar muito tempo aqui, se ele não me irritasse. Podia nem ter voltado, se não me irritasse.

Não sei se aguento tanta consequência.

Ninguém avisou que a cara fica muito mais bonita pintada no meio da multidão que grita. Nem sobre os arranhões, os tapas, os cassetetes. Essa coisa arraigada e forte que o faz mais persistente que eu, eu não sabia.

Agora sim talvez paixão.

terça-feira, maio 04, 2010

Insensatez

Poderia ter deixado o “eu te amo” pular da boca. Seria a primeira vez que ele apareceria depois de um não e depois de um fim.
As mulheres e as crianças são as primeiras que desistem de afundar navios, mas você deu um jeito no mastro com uma corda. Deixou o navio lá e arrumou um bote salva-vidas pra que a gente respirasse.
Nem sei como anda o navio, mas sei que não estaremos de novo por lá.
Talvez fique ainda carinho e mais nada.
Não sei se agüento quando não é mais necessidade de corpo.
Achei bonito e não sei por quê. Teve mesmo que botar o dedo na cara pra dizer que não éramos estreitos nós e que eu estava errada em pensar que conforto podia ser bacana?
Eu querendo conforto, você querendo paixão. Eu querendo pele e você ternura.
Pensou que eu fosse vazia. E fui.

sábado, maio 01, 2010

O não dito

Precisei dormir por três dias sem parar e ficar quase um ano te deixando escondido no canto da cabeça. Fingi que não te via quando aparecia por medo bobo daquele turbilhão. Admito sem a menor vergonha: não aceitei o fim. Não concordo e também não quero saber o que você pensa a respeito.
Não há nenhum problema em sentir tanto carinho assim por alguém. E não importa que você tenha batido na madeira ao dizer sobre namoro. Conheço uma garota que consegue olhar todas as pessoas nos olhos. Ela escolhe a dedo quem pode ou não conversar com ela.
Eu fujo de olhos desde você. Saio mentindo leviana e bela em prosas bestas e ligeiramente poéticas. Tenho muito medo de contar métrica e bater carimbo. Mas acho que poesia exige sim padrão e ritmo – mesmo os ritmos inumeráveis e os padrões inéditos.
Foi você quem primeiro disse que eu precisava escolher. Mas eu, toda leve, saí boiando na corrente e nadando sem destino. Saí pelo mar, me encharcando de sal pra me coçar depois em casa antes do cloro.
Sei hoje que seu ombro ainda existe e que por pior que você seja e mais feridas que tenha, não vai negar um pouco de ternura.

quinta-feira, abril 29, 2010

Murphy e eu, uma história de amor.


Não existe outra hipótese mais concreta: Murphy me ama. Se não me amasse, sua lei deixaria de atuar assim em mim com tanta força. Nada pode ser tão ruim a ponto de não poder piorar e nenhuma maré de azar finda assim em segundos.
Acordei feliz e antes do despertador. Mais feliz ainda fiquei quando vi que podia dormir mais tempo. Consegui me arrumar num tempo razoável e deixar o cabelo apresentável. Saí de casa pronta para resolver o mundo.Mas não.
Burocracia surpreende mesmo quando tudo está certo. Documentos em mão, assinatura faltando. Quem disse que o único possuidor da força da caneta estava presente? Nunca está. Documentos deixados no armário para posterior assinatura e um problema a mais para checar no dia seguinte.
Bom humor intacto.Fui então resolver as outras coisas necessárias para requerer a colação de grau. Todos os documentos certos. Faltava imprimir o boleto. Botão apertado. Botão errado.
Sem problemas.
Imprimi o boleto certo e fui ao banco. Fila gigantesca e 15 minutos para enfrentá-la. Peguei a senha e fui ao caixa. Conta zerada. Fantástico. Não poderia hoje pagar o boleto e muito menos o diploma. Liguei para o detentor do poder monetário de me custear a colação de grau. Belíssimo, tinha esquecido justo hoje o telefone em casa.
Mais um problema sem solução.Resolvi tentar tirar o registro provisório de jornalista. Documentos todos em mão. Sindicato disse que só tira com diploma, mas que eu podia tentar na Delegacia Regional do Trabalho, que providencialmente está em greve. Ótimo, pensei. Ao menos alguma coisa do Trabalho de Conclusão de Curso eu resolvo.
Menos ainda. Nenhuma resposta nova que me permita prosseguir os trabalhos.
Ainda um pouco de bom humor restava e eu sentei para comer um hamburguer porcaria da cantina, que me serviria de almoço. Tive a impressão de que a carne estava meio crua, porque nunca nunca aquele negócio tinha estado tão ruim.Termino o hamburguer, minha irmã me liga.
- Aline, olha aí na sua bolsa se a minha chave está com você.
- Não, Marcela, a minha chave está comigo.
- Olha direito, você saiu com as duas, a minha e a sua.
- Não saí não. Peraí. Merda. Sua chave tá comigo sim.
- Então você tem que passar em casa por que eu estou presa e preciso trabalhar.
- Ótimo.- Vai demorar?
- Não, né? Entro no trabalho as duas. Vou ali resolver um outro problema e chego aí agorinha.
- Tudo bem.
Isso era uma e muito pouquinha da tarde. Cheguei ao ponto de ônibus uma e meia e teria chegado em casa em 15 ou 20 minutos se o ônibus tivesse passado.
Mas quem disse que ônibus passa quando a gente está com pressa?
Já era quase duas e eu liguei de novo pra Marcela.
- Liga pro meu chefe e diz que eu vou atrasar.- Beleza, tô fazendo almoço, vai querer?
- Não. Já comi. - disse pensando na merda do hamburguer e amaldiçoando a falta de uma bola de cristal.
Ônibus passa, lindo e cheio. E se não bastasse, inventam um engarrafamento no caminho que me atrasa ainda mais.
Então voltei ao bom humor, por que não tinha mais solução. Antes de chegar quase às três no trabalho, cheguei em casa gritando._ RAPUNZEL, RAPUNZEL, VIM TE LIBERTAR DA TORRE!
Tá bom pra você, Murphy?Se não estiver, eu não ligo, prefiro que procure uma outra pessoa amanhã.

quarta-feira, abril 28, 2010

Vai, mulher, se riscar em poemas

Pessoalíssima
é claro que te como
e todas as vezes quero as minhas enzimas
te digerindo.
Nem adianta dizer que é muito.
Esse acaso manda
e a gente desce

As suas enzimas podiam mais,
como o resto.
Qual o código para agressividade feminina
Que não mata o macho?


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Aviso aos navegantes: Mariana está de férias. A segunda temporada acabou. Dia qualquer desses eu volto com a terceira temporada - alucinante.
=*

segunda-feira, abril 26, 2010

as orelhas que a gente esquece

Talvez nenhum ambiente seja tão povoado de vozes simultâneas quanto o de uma rádio. O locutor fala do estúdio, algum ouvinte liga, a gente(repórter, produtor, editor de áudio, apresentador fora do ar, entrevistados perdidos tomando café) conversa entre si. Depois toca alguma música e o comercial e tudo o mais.
Aos desacostumados talvez seja aterrorizante, mas os tagarelas têm grande facilidade de adaptação ao ambiente. Eu mesma já me sentia em casa ali antes de ser funcionária. E apesar de todas essas vozes já descritas, meus chefes ainda têm a coragem de dizer na cara dura que eu falo demais.
Assumo. Falo um bocado. A meu favor há o fato de que todos ali falam demais. Contra mim, duas orelhas injustiçadas. É claro que seu dono fala e enche o ambiente de comentários ácidos, cortantes e às vezes indiscretos. Mas os comentários são salpicados e na maior parte da manhã o dono das orelhas escreve e lê, pouco diz.
Se saímos ao sol para tomar a brisa diária, encho-o com a minha rotina absolutamente sem graça. E não sou só eu que o faço. Fazemos todos. E o impressionante é que ele ouve. Não dá muitos conselhos ou emite opiniões conclusivas. Demonstra ouvir e pronto. Diz um você tem que ver ou um é foda mesmo. Manifesta esta característica que eu não lembrava de existir depois do advento da internet: a de manter-se reservado.
Contra todos nós, ele consegue ser mais ouvinte que falante. Não sei se quer provar alguma coisa, sei que pela manhã depois de algumas brisas me vi falando e outros falando e falando falando e falando e me senti incomodada de vê-lo apenas ouvindo.
Depois ri comigo mesma e silenciosamente aplaudi.