terça-feira, abril 28, 2009



Novamente pernas e jogos de cena. Ela parou no centro do palco e ele ao fundo. O foco de luz estava no rosto dele e contra ela. Ficava contornada, um vulto visível com um contorno belíssimo.
Ele olhava de canto e dizia belíssimas juras de amor.
Ela dançava contra-luz e triste. Usava um figurino de saias esvoaçantes e coques no cabelo.
Não havia humor ou entendimento. A cena que devia ser uma era vista com confusão pelos espectadores e aqueles atores não desemaranhavam nada.
Criavam correntes e teias no palco. Os focos de luz alternavam-se e então ele dançava sozinho.
Ana ficava de costas e gritava trechos longos de Lady Macbeth, quando devia ser Ofélia. Pedro esquecia seu Hamlet e soltava falas salteadas de Rei Lear.
Não era mais pra ninguém que não fizesse parte daquela dança.
Ofélia era Ana pura.
Pedro nem lembrava de príncipe nenhum.
A luz não tinha foco. Estava toda acesa no palco.

Cena 2

Ana – gritando – Ai que enjôo me dá esse açúcar do desejo!

Blackout

quarta-feira, abril 22, 2009

Janelinha qualquer

Pessoas entre frases feitas
links esperando setas
achar seguir juntar.

A foto vai devagar.
Os followers vem devagar.
As mensagens vão devagar.
Devagar... as pessoas postam.

Como o Twitter é besta, meu deus!





à propósito, follow-me.

segunda-feira, abril 20, 2009

Heitor


Bonito mesmo é o meu irmão. Tem três anos de idade, corre e pula o tempo inteiro, aponta pra todos os lados seus olhos verdes sedutores e ainda ostenta belíssimos cachos louros e bochechas rosadas. Um escândalo.
Atualmente, ele tem andado com um curativo grande no queixo. Fez alguma coisa errada quando ia subir a escada e tomou pontos no mesmo lugar da outra vez (o queixo do meu irmão parece ser mais atraído pela gravidade que o resto). Ainda assim, aquele protótipo de barba branca parece dotá-lo de um charme a mais. Uma coisa, assim, ressaltadora de sapequices!
Mas o que deixa ele mais bonito não são as bochechas rosadas. Ele entrou numa loja de instrumentos musicais no shopping e resolveu tocar todas as baterias com as mãos. Pedi que ele não o fizesse, mas se eu não deixasse, seria pior.
- Nini, pode tocar violão?
Depois ele tentou bater nos pratos expostos separadamente, mas a mão dele não era capaz de produzir barulho com aquilo. Expliquei.
- Meu bem, pra você fazer barulho aqui precisa de uma baqueta, como aquela ali na mesa do moço.
Mas ele não se inibiu com a presença do gerente enorme que detinha o poder das baquetas. Simplesmente levou toda a sua autoridade em direção ao homem, piscou seus olhos verdes e disse:
- Moço, me empresta a sua baqueta, por favor?
- Só um pouquinho. – o gerente da loja respondeu.
Então ele saiu pulando e batendo com a única baqueta cedida em todos os tambores sem produzir qualquer som coordenado. Quando descemos as escadas, o papai estava esperando de mãos na cintura.
- Eu sabia que era o Heitor fazendo esse barulho!
E aí ficou tudo mais bonito ainda. Na livraria, ele sentou quietinho e ficou folheando livros na seção infantil.

sexta-feira, abril 17, 2009

Surto

Acordou em êxtase, tinha tido um sonho absurdamente real em que havia beijo da melhor língua (exatamente a proibida). Esqueceu durante o dia e caminhou descoberta, sensível e cheia de todas as coisas.
Disse que o coração bombeava sangue 1500 vezes por segundo o dia inteiro. Tratava-se de um sério caso de pressão alta que nenhuma genética podia explicar. Culpou frituras e esqueceu o óbvio.
Embaralhou todos os caminhos e se encheu de café sem lembrar as consequências.
Depois pensava na trema e decidiu que aplicaria Nelson Rodrigues em todas as pessoas. Das pontas dos pés aos diálogos pré-programados.
Parou. Imagens muito brancas e sol muito forte.
Se ficasse nua, correria sério risco.

segunda-feira, abril 13, 2009

Post Coitum

Foi tudo verdade e representação ao mesmo tempo. Os pés meio inchados, meio bestas, meio moles, ficaram misturados sem que se visse quais pernas eram donas de delicados e rústicos pés.
Olhava apenas para baixo pensando em como podia tanta dor num pé tão contente. Talvez fosse culpa do vinho com salto da noite anterior em que não havia outros membros que não fossem seus.
Teve então uma ânsia análoga a ânsia dos amantes românticos em se encontrarem. Precisava ir para casa botar os pés de molho e ficar longe pra fixar o resto.
Os vasos sanguíneos sentiam-se parte de uma coisa maior e universal e as cores todas precisavam ser lambidas como tijolos e pedras de chão.
Os pés doiam e ela sentia-se meio estranha, meio sangrando, meio apertada e mole - mesmo sem corte, prensa ou sono.
Continuaria andando com poses e fingindo tudo, menos a barriga que precisava esconder e não escondia.
Seriam cigarros que lhe queimariam as beiras e fariam da ânsia de casa uma ânsia de gente.
Ela sempre dizia que seu fumar era fuga de timidez.

quarta-feira, abril 08, 2009

Discurso do Método

Eu quero saber de academia
rigor de forma
Tudo bem moldado (martelado)
Consoantes pulsando ritmo
duro
bruto
abrupto
Forte
batendo na cabeça o canto
Quebrando, pulsando, cortando.
Rápido

e depois ficando leve
lento
ritmo de vogais soantes
com ar saindo todo da boca
Ah!

segunda-feira, abril 06, 2009

Mais

Parece que a ânsia só aumenta
enquanto tudo melhora.

quinta-feira, abril 02, 2009

Mariana XXIX - Segunda temporada

Ela me disse assim, sem gravidade,
Foi só um flerte, Aline.
Todavia, eu sei que Mariana estava doendo muito por dentro.
O italiano sumiu e Mariana não tinha apoio.
Mariana sem galho fica chata.
O ombro então seria só conversa,
Mas Mariana não passa de
um amontoado ambulante de hormônios.
- Aline, Um flerte à toa não faz mal!
Ela dizia sem se ouvir e desmoronava.
Não queria ver o que estava na cara
- em baixo do nariz: o ombro -
Ela disse se preocupar com o italiano.
Eu fingi acreditar enquanto eu via
Mariana se embolando cada vez mais
num mesmo novelo
sem sonho, sem óbvio, sem futuro.
Eu tive que calar por que ouvindo
eu-besta não sabia o que fazer por ela
ou o que dizer.
Deixei, mas não sem culpa,
a minha amiga num navio sem vela

à deriva

terça-feira, março 31, 2009

Sobre a casualidade

A Marilyn disse e a Nicole também:
Diamonds are a girl's best friend.
E você acha que eu vou ficar querendo pulseirinha de camelô?

Sem medo

O que eu pensei quando disse aquilo?
Pouco importa, era mero recurso retórico pra flêrte. Entenda que não me importo com causas, mas efeitos.
Xadrez maquiavélico sem nada de conto de fadas.
Foi Vênus que resolveu me acompanhar um dia inteiro e me fazer dizer muito mais do que o que eu digo.
Foi passsar o dia sem desodorante e sentir cheiros naturais. Foi a lembrança das raízes dos pelos(agora sem acento) eriçados tão bonitos que me vinha vontade automática de carícia.
Tenho que parar de ficar ouvindo Rita Lee pra saber bem o que digo e esquecer que as minhas pernas gostam muito mesmo de tremer.
Vou ver se esqueço esses pudores e grito como legítima personagem de Nelson Rodrigues.
Na bandeja outra vez.

sexta-feira, março 27, 2009

Jornalismo e tal

"Pra que tantas aspas, meu deus?", pergunta o meu coração.
Porém a boca não pergunta nada.

segunda-feira, março 23, 2009

Confissão

Esses dias eu ouvi dizerem que pra escrever a gente não pode ter o editor nos ombros, nem o copidesque, nem nada. Entretanto, o leitor continua em cada tecla e cada mexeção de pulso.
Escrevo com a minha avó nos ombros sempre. Provavelmente por que eu sei que ela sempre lê. Quanto mais doce, mais avó no texto. E quando é ácido, é ela quem suaviza.
Então começam a brigar minha avó e minha falta de pudor pra sentimentalismos- que é o que permite a escrita-, mas a minha avó muitas vezes cede. Ela entende que se essas coisas não se soltam e viram palavras elas congelam, mesmo inventadas. Minha avó sabe que quando engulo fico com azia e dor de cabeça e ela nunca nunca me quer doente - me dá água de coco e leite com banana e biscoito que tudo curam.
E mesmo quando eu finjo que não, eu sei que sim. Ela está ali e isso faz parte de mim.

sexta-feira, março 20, 2009

Mariana XXVIII - Segunda temporada

Foi aí que Mariana precisou
de afago preciso.
Surgiu na frente dela,
perdida e sem placa
- mas com love for sale -,
aquele Italiano de outra hora.
Nem fugiu nem nada.
Cabeça de ombro e velho amigo
confusa e cansada.
Queria nada.
Nem sabia.
Entretanto, um aviso de manhã e um colo de noite.
Um cheiro e pronto.
Italiano na mesa com Mariana.
Perdida entre mais pernas.
Sem ombros.

quinta-feira, março 12, 2009

Suruba

Se eu te mordesse a cabeça à Saturno
arrancasse os pedaços
E ainda guardasse Minerva na telha...
Baco na perna todo dia.

segunda-feira, março 09, 2009

Psicosomatismo

Nada de nada.
Foram pares de olhos como um porre.
Palavrões não falados e verdades não ditas.
Foi a bola na garganta que não sai e esquenta e não sai.
Pares de olhos e mais mudez.
Paixão presa na garganta.
mudez mudez.

Acordei gripada e a garganta dói.

terça-feira, março 03, 2009

fim de caso

Agora que está tudo muito bem engolido
eu posso até voltar a dançar
assim, sem compromisso.

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Outra paixão rotineira


Tinha sido um dia um caso de amor.
- Olhe, eu conheço muito bem todas as peças do meu xadrez. – ele disse, olhando bem no fundo dos olhos dela com seu sorriso sacana.
E ela:
- Se é um jogo, combinemos de não sacrificar a dama.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Mariana XXVII - segunda temporada

Mariana confundiu
as pernas com o velho amigo
e se confundiu
com palavras mais
que versos(que não tocam)
Mariana esqueceu do mundo
e queria assim um sonho virtual
pra ela quase óbvio
tudo no velho amigo
que era delírio - e nada.
Mariana devia verter-se
em mãos apenas
Mas as trocas de palavras
fizeram dela peixe
na rede
do velho amigo
que, sabendo,
arredou para o lado.
Mariana queria mais que pernas.
Aconteceu: Mariana escorregou com força
mesmo estando peixe na rede.

Então houve choro
e pra choro: ombro.

Calma

Na casa dela há muitas flores. Olhando, Olívia pensava que queria ter dinheiro apenas pra ter flores assim na janela. Então ela entrava na casa escura e era como atravessar um portal pra entrar num túnel de calma, paz e doçura. A tia estava sempre deitava na cama e mantinha-se muito bonita e aprumada apesar dos seus quase setenta anos.
Olívia, de dezoito, queria ficar mais velha tendo aquela pele e aquele gosto por comprar jóias. Sentava-se ao lado da tia e então conversavam sobre tudo, principalmente sobre flores na janela.
A tia dizia que não adianta nada ter carro se na casa não tem nenhuma flor. E todas as vezes perguntava a Olívia se ela já tinha lido O Pequeno Príncipe. Olívia fingia que não notava aqueles lapsos de memória e dizia que sim, que lia todo ano e que a história era das mais bonitas e tocantes.
As duas então recordavam-se da raposa falando que a rosa era única por ter cativado o príncipe.
Aí falavam de outros livros e de muita calma. Gostavam de samba e de vermelho da mesma forma, mesmo em idades tão distintas. Queriam conhecer a França e Olívia tinha ainda que aprender toda a língua. Ao contrário da tia, ela não tinha lido Madame Bovary no idioma original, muito menos a Simone de Beauvoir.
Depois risadas. Muitas e sem qualquer freio.
Era pouco depois que a tia tinha sono e Olívia ia embora pensando que queria uma casa cheia de flores.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Quarta-feira de cinzas

Decidi.
Vou enterrar a paixão - com encanto e tudo - bem no fundo do estômago
e deixar o coração batendo forte
a torto e a direito
Por várias bocas
distintas
do que significa úlcera.