quarta-feira, março 21, 2012

21 de março

Consequência tem quatro sílabas de gramática e três sílabas métricas. É paroxítona, tem acento e perdeu recentemente a trema. De um jeito ou de outro, a gente treme com determinadas consequências que aparecem. E elas sempre aparecem, não importa o tamanho das coisas, mas elas têm causa, coisa e conseqüência. Passado, presente e futuro. E consequência é coisa certa, certíssima. Batata, diria Nelson Rodrigues.

Ninguém sabe se aguenta esse tanto de consequência de qualquer mini ato efetuado com cabeça pensante ou por impulso. Mas uma vez me disseram que eu tinha que aguentar, porque elas, todinhas, eram problema exclusivamente meu – e de mais ninguém. Me disseram que era obrigação e fatalidade existir essa coisa de quatro ou três sílabas, paroxítona e acentuada. E, mais, eu ia ter que saber lidar e pronto, com cada microcoisa cósmica.

Estive avisada que ser gente grande doía e nem acreditei o tanto que seria grande essa dor. Também estive avisada de que verdade é o melhor dos caminhos e que, escolhendo este, as consequências acabariam atenuadas. E a ser fria ou quente, morna nunca, jamais. E também a ler sempre e me renovar. Observar o ambiente, caramba, prestar atenção nas coisas porque tem um mundo inteiro em volta que não gira em torno de mim e que deve ser minimamente compreendido. E que a sociedade não vai mudar só por que eu quero, que eu preciso entender como ela funciona até para não querer me adaptar. E tantos es que não cabem mais nesse texto.

Mas a conseqüência e tudo citado acima, aprendi com aquele moço grande em cuja barriga eu pulava de manhã cedinho por querer ver o sol nascer da janela inalcançável. E dessa barriga, já pulei pra tantas janelas diferentes com cada coisinha apreendida em tanto tempo. Mesmo turrona como o dono da barriga, mesmo tendo puxado dele o gênio, as manias, as maçãs do rosto e os defeitos quase todos (e inclusive o dedo mindinho), eu consigo aprender com ele todos os dias.

E é por isso que não bastava dizer só feliz aniversário. Nenhum textinho vai ter espaço pra tanto amor.

Então, pai, obrigada pela barriga, pela conseqüência, pela ortografia, os novos baianos, a carta roubada, o Freud, o Nietzsche e as mensalidades (etc, etc, etc que não acaba mais). Amor a gente não agradece, sente. Te amo.




sábado, março 17, 2012

Crônica do Dia da Mulher

veiculada 8 de março na Rádio Universitária


Dona Candinha disse que é muito feio uma moça de família sair beijando um monte de rapazes. Imagine se eles estão numa roda e mais de um deles já beijou a mesma moça! Segundo dona Candinha, é caso grave de moça refestelada.
Dona Candinha ainda diz que as moças não devem nunca dizer aos rapazes que elas tem algum interesse, pois iniciativa é coisa masculina ou de moça refestelada. Que é muito feio a moça ser fácil.
Com dona Candinha na cabeça nesta crônica de dia da Mulher, resolvi conversar com alguns amigos do sexo masculino buscando saber qual conceito eles tem de vagabunda. Moço x, no alto de seus 20 anos, acredita que vagabunda é a moça que se envolve com vários rapazes do mesmo grupo. Moço x acredita que as moças possam ficar com quem quiserem, desde que isso não seja público e também que não dá pra namorar uma moça que fica com vários rapazes. Questionei Moço x do porquê. Moço x disse que uma moça vagabunda não quer namoro.
Veio em minha cabeça uma pulga que dividi com meu interlocutor. Então uma moça vagabunda está incapacitada para o amor? Moço x não soube responder. Disse nunca ter pensado no assunto.
Mas, então, o Zé me disse que não acredita em vagabunda. Acredita que a mulher deva ter liberdade de estar com quem quiser é que é muito hipócrita aquela velha coisa de um homem ser garanhão e a moça uma refestelada. Respirei um pouco mais aliviada. Me senti de volta ao século vinte e um.
Pra mim, uma moça dizer que quer determinado sujeito significa apenas que ela quer esse determinado sujeito, não todos os outros. Além disso, se ela quer todos os outros, o problema é apenas dela. Mais ainda. Se ela foi fácil para um, não precisa ser para todos. Pois se o corpo é da moça, é ela quem decide o que faz dele. E aí, meus filhos, não tem discussão. O não continua sendo não mesmo quando foi dito pela Geni para o homem do Zepelim.
Também ouvi mais um rapaz. Um amigo meu que disse “Já me deparei em situações que eu pensei "nóóssa, que vagaba". Mas, assim, luto pra caramba contra isso. Sério. É só lembrar que as mesmas coisas que eu quero, elas também querem. A diferença é vetorial, só. E, pô, se a promiscuidade não deteriora meu caráter, por que vai fazer isso com alguma mulher?”
Lembrei-me então da dona Neusa que fazia questão de frisar ter sido sempre muito séria em seus namoros. E ela sempre disse o muito séria no sentido de estar com seus namorados pelos namorados e não por outro motivo qualquer. Pra dona Neusa, com seus 73 anos, o importante é a honestidade das pessoas.
Mandei mentalmente a dona Candinha pastar. Pra mim, o importante é a gente ser honesta com a gente mesma, com o mundo e se auto-respeitar. Não ultrapassarmos nossos próprios limites de um jeito que seja humilhante.
E se fosse possível cair agora na minha frente uma estrela cadente atendedora de pedidos, eu quereria pedir a ela que nenhuma de nós se anule, nunca mais, por nada.

terça-feira, março 13, 2012

o prato

Transpirante, ofegante e trêmula, acordei angustiada. Mesmo sendo você a minha primeira visão todos os dias ao olhar pra frete naquela sua foto bonita, tinha me esquecido de como era seu corpo. Deixei cair no chão um prato azul que, da minha mão ao chão, se fez em mil pedaços. Seu corpo na cabeça.
Eu não era só sentimento, enfim. Eu fora gente perto de você. Eu tinha pele. Não sei que força tem esse esquecimento. Seis meses apagando sexo. Acabou. Lembrei que o amor não veio romântico como havia sido posto. Você era um corpo inteiro no meu pulsante e admirado com a perfeição das medidas.
Não deve haver outro assim complementar. Eu só lembrava do choro e do peito latente e da ternura e dos abraços. Acordei nua e só com sua foto colada na parede.
O prato caiu e eu me espatifei em lembranças muito físicas. Então fiquei densa, dura, contida. Não há volta, por enquanto.
Melhor varrer bem o chão.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Ode à doçura

crônica veiculada na Rádio Universitária, no início do mês
Eu queria contar uma história bonita, dessas em que passarinhos estão na janela e o sol faz aquela cor amarela num fim de tarde. Eu queria um velhinho e uma velhinha de mãos dadas numa pracinha comendo pipocas.
O romantismo. Eu queria uma ode ao romantismo nesses tempos corridos em que um bom dia é quase sempre seguido por um porque e um tudo bem nunca é respondido. Eu queria, nesta terça, que o mundo todo parasse quietinho pra que a gente pudesse simplesmente sentir rajadinhas de vento quente de verão.
Você que ouve essa crônica deve entender que estamos aqui, entre notícias, bombas, greves de fome, bolsa de valores e horários de avião pra que você possa respirar. Não vou, então, ser agressiva, incisiva, precisa nem nada.
Quero crônica com gosto de bolo de chocolate. Um conto de fadas que venha no carnaval. Deixa o turbilhão pra mais tarde!
Hoje ainda há tempo de brincar de roda sem pensar que não há a menor finalidade em cirandar.
O primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou. Passou também o ônibus lotado sem parar e com uma passagem cara pra dedéu. Você deve ter chacoalhado muito, balançado o esqueleto e se for baixinho como eu, deve ter feito alongamento nas barras do alto. E é claro que isso diariamente é absolutamente desagradável. E é claro que há contas a serem pagas e o dinheiro quase acabando embora o mês não seja ainda nem metade.
Mas no mundo ainda há som de pandeiro. Na tarde ainda há fruta madura e, na noite, lua. E se a lua sorri em quarto crescente e minguante mês a mês, a gente também pode.
Você talvez tenha medo de palhaço, mas isso não impede que seja contada uma piada. Quando foi a última vez que você andou de bicicleta? E o último beijo de língua? O último ombro amigo? O último abraço? O último suspiro doce com casquinha levinha de limão?
Eu acredito que não pode ser triste um mundo em que há cheiro de pipoca e milho verde. Depois de tudo que tem na semana, há sexta à noite e domingo de tarde.
Eu não sou otimista, ao contrário, descrente e desconfiada de tudo quanto é gente nova que se aproxima. Mas e se a gente parasse e comesse uma carambola?
Se for verdade que o universo todo cabe na garganta? Se o seu chefe comprar trinta picolés?
E se houver vitamina de abacate? Língua estrangeira? Pernas bonitas? Olhinhhos brilhantes? Cachorro dizendo eu te amo?
Olha. Passou muita coisa já e o ano mal começa. Eu, você, sua tia e esse senhor aí perto que não para de olhar a hora estamos muito estressados. Temos um medo tácito do mundo.
Mas, lembre: quando chover de novo, vai ter cheiro de terra molhada e a qualquer momento você pode comer um pedaço de pizza. Então, que seja leve o resto da semana! Que seja doce, a vida!

sábado, fevereiro 25, 2012

unha e depois

Você nem tem ainda uma música. Algumas festas e um carnaval. Quem sabe um corpo? Quem sabe? Hoje eu não te vi, mas ontem tinha outra menina até mais bonita, mais fina, mais blush no rosto. Então não vou te fazer rimas, quem sabe? Quem sabe as rimas que um corpo nu é capaz de fazer? De corpo inteiro, você é bom como se fosse sério. não há, ainda, intimidade. Mas seu corpo entende do meu como se fosse machucado ou qualquer coisa de arranhão. Seu corpo flui como se fosse físico e tivesse carne. Como se fosse pênis e eu tivesse algum buraco.
Meu deus! Que coisa é seu corpo nessa madrugada? Que coisa foi seu corpo na manhã?
E como fica, depois de tudo, a boca? A boca iniciou as coisas anos antes até dos dentes. Meu deus a boca premeditou todo e qualquer carnaval.
Então, você, não quero.
Mas me devolva a boca ainda essa semana que ela hoje aprendeu como se faz quando a garganta precisa ao certo dilatar. Você, sem saber, me ensinou. Não volte. Embarque neste mar de coisas matemáticas e me deixe agora com a boca grande e o corpo certo. Arranhe. Arranhe. Vá.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

das carnes prontas

De quando passa o bloco, eu passo os olhos nos ombros e nas barrigas, depois nas caras. Que quando passa o bloco o amor é de confete. Que quando passa o samba o que fica é nadica de nada. Um sopro cujo marco é sorriso.
Ausência completa de gravidade.
Leveza.
Guarde você o tanto que bebe. E não dividamos nada. Nada. Principalmente não telefone. O depois não existe no carnaval. Pensamento, se existe, está errado.
Veja se no sangue circula samba.
E resplandeça.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Lady is a tramp

Pensou em mim como a Olga Benário ou Anita Garibaldi. Olhou e achou que teria uma fiel escudeira que volta e meia se enfiaria nas suas brigas e as tomaria como minhas. Sabia que eu não seria a mãe perfeita de louça lavada e comida no forno.
Pensou que eu pegaria em armas e apanharia e bateria e rodaria a baiana sambando e de salto. Pensou que eu fosse cuspir na cara do guarda e não quis nunca que eu te tirasse do olho do furacão. Nem eu pensei em tirar ninguém do olho de nada.
Mas você não pensou que talvez eu quisesse volta e meia ser Julieta. Que eu quisesse ser protagonista de outra história. Por que o herói é você, Robin Hood, mas eu não sou Mary Ann...
Eu não tenho sangue de briga nem doçura de princesa. Não estou dentro dos seus moldes, nem dos outros moldes.
Você não entendeu o que eu mesma não entendi. Das mocinhas, eu tenho aquela inocência besta de achar que as coisas podem durar e que eu preciso de fazer alguma coisa para que os laços se mantenham. Ao mesmo tempo, eu sou besta a ponto de acreditar em mágica.
Eu podia parar por aqui essa coisa estranha. Mas eu queria que você soubesse que eu sou a atriz principal. A Salomé. A Lady Macbeth. Os meus tapas são sutis, ou são verbais.
Comigo, o lance é veneno.


quinta-feira, fevereiro 02, 2012

BOOM

Eu quero de novo aquele amor doente. Aquela coisa úmida, pastosa, densa, pesada. Aquela coisa que saía da sua boca quando você dizia mole que seria eu a mulher mais feliz do mundo.
Eu quero de novo a lua vista com as minhas mãos nas suas mãos e uma pausa. Eu quero as folhas de janeiro sendo cheiro de janeiro e a gente com cerveja meio batido, meio choco, meio quente se embebedando mesmo da gente.
E se não for você, não importa mais. Eu quero de novo a doença de pele que se pega quando se gosta tanto a ponto de explodir.
Eu quero de novo uma coisa tão grande, tão forte, tão verdadeira que eu mesma não tinha coragem de acreditar que acontecera. Eu quero de novo passar anos duvidando da memória do momento mais bonito da história.
Os roxos no braço. A necessidade. O grito mudo dia a dia todos os dias de mãos dadas e os olhares cúmplices de quem tem culpa por ter absurda, absoluta, inegável paixão.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Um banquinho, um violão

Quando for pra a gente se envolver, que seja lento. Que a gente se conheça antes, um pouco, aos poucos. Que os mínimos detalhes sejam postos na mesa, personalíssimos. Que você implique antes com meu jeito e eu com seu corte de cabelo. As noções de mundo sejam compartilhadas junto com cerveja, vinho, vozes altas e embaraços. A gente se desembarace sei lá como.
Que o toque venha natural e depois fique vulcânico. E a gente se irrite um com o outro, discuta, brigue. Antes. Você se atente para o meu ontem, eu me atente para o seu amanhã.
Então, que eu não te sugue a alma por inteiro em três dias, nem chore. Que você não declare posse de nada, nem do meu corpo. E que nossos corpos se entendam num ritmo outro, menos punk e mais bossa.
Sobre, então: amor, sorriso e flor.

sábado, janeiro 21, 2012

esfinge

Qual o tamanho do medo que você tem das minhas pernas? A velocidade das coisas aparentes talvez não seja sincronizada cabeça a cabeça. Olha, não é nada. Só um sorriso ou outro, umas conversas, sincronia.

Eu não sou exatamente perigosa. Ao contrário, volátil. Uma dessas coisas pequenas de se por no bolso. Só que arde. Queima. Um amontoado ambulante de hormônios e a cabeça cheia de histórias.

Você não sabe a briga que foi pra que eu tivesse hoje essa forma, essa cara e esse furacão. Mas é bem simples, ferro e fogo, pronto.

Não tome cuidado. Abrace e pronto.

terça-feira, janeiro 17, 2012

desconselho

Não requente o amor. Mesmo que dourado. Mesmo que língua presa. Mesmo que um dia excelente, não requente. Deixe pra lá, frio mesmo. Deixe apodrecer num canto longe onde você não veja. Esqueça. As horas nunca voltam para trás e o que foi desfeito que pereça. Mesmo que pareça não ser ainda morte, ou só pequena morte.
Você que é moça sabe de dentro se foi fim ou não. Você sabe o tanto de cartas na manga e o quanto agüenta com as sobras. E se já foi, se partiu, se morreu, não coma. Não arrisque a intoxicação do que o tempo deixa borrachudo.
Não pense em possibilidades, não deixe pra mais tarde.

Não se morra por ninguém.

terça-feira, janeiro 10, 2012

A vida é (em dois mil e) doce.

E de todas as coisas grandes e pequenas que eu podia querer falar hoje neste fim de ciclo que vem com o doze, o doce e os números todos é só o eu te amo que sai.
E eu só quero dizer de verdade.
Eu só quero dizer a verdade.
A vida as vezes é muito azeda a começar pela boca e pelos verbos que não sucedem crases - e se fosse tudo crase eu acharia mais bonito. Você não sabe o quanto eu gosto de sinais gráficos e notas musicais, só sabe dos superlativos. Pois este ano eu quero ser diminutiva e mais lenta, mas ele não sabe. Ele não sabe que eu pretendo sorrir e tenho sorrido e me estressado menos.
Ele ainda sabe aquelas coisas do ano passado e sabe que mãe é bom e sabe o que passou e também como me fazer chorar. E eu não vou dizer nada que não seja puríssimo, límpido e verdade, mesmo que me digam que só é possível verdade em pensamento.
Eu não acredito.
Há direito ao primitivo.
Eu quero o bruto da vida. O chifre do elefante e as coisas mais bregas que forem feitas no mundo.
A verdade, essa moeda gasta e quase sem valor. Bruta.

sábado, janeiro 07, 2012

o que os maias fazem comigo

Se o mundo acabar mesmo em 2012, eu quero passar mais tempo com você. O resto dos dias sem o resto do mundo, dormindo de conchinha em cama de solteiro e acordando como se o colchão fosse de molas, o travesseiro de penas e o lençol de seda. Eu quero aprender a cozinhar coisas gostosas, limpar camarão, fazer moqueca de sururu com requeijão pra gente comer, amassar massa de pão, rolar macarrão, massa de pastel, fritar mais coisa. Fazer iogurte, comprar uma máquina de waffle e comer de manhã waffle com mel ou com manteiga ou com sorvete.
Se for mesmo pra ter só até dezembro, eu quero ir com você ao Maranhão e ao Acre. E dançar forró em Itaúnas e voar de asa delta e andar de balão com você. E te levar num karaokê. E cantar a noite inteira com a cara cheia de cachaça que é pra acreditar que meu timbre é aceitável. E eu quero gastar o dinheiro todo que eu vou ter pra a gente comprar um piano pra você que aí você me ensina a tocar e você toca.
Um filho, também, eu quero fazer. E ter a nossa casa. O nosso cachorro. As nossas estantes de livros e partituras. A gente arruma um empréstimo e deixa rolar.
O mundo não vai acabar?
E, também, antes de tudo, se for mesmo o mundo acabar, eu quero ter coragem pra dizer que eu ainda te amo.

segunda-feira, janeiro 02, 2012

red nose

Ele as vezes tem a língua meio presa e isso é bonito. Ele pra mim mostrou os doces, a ternura, a ajuda e o papel de herói. Mui bien composto, escondeu-se em gritos altos, força e nariz.
Eu disse assim que queria um nariz assim num filho meu. Reto. Bonito. Ele pra mim mostrou um monte de loucuras, uns devaneios, uns xingamentos. A cara feia, o adeus, as tatuagens.
Defeito mesmo, qual? As coisas estúpidas eu ria, as brigas eu cria, os risos eu tinha.
Então era conforto todo dia a existência. A língua presa. O jeito de falar que as coisas são bonitas. O nariz.
E do nariz, meu tombo.
Travei.
I don’t believe in that love anymore.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Para o porquinho da índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Manuel Bandeira



Eu te amo de boca aberta e de boca fechada. De língua. Mordendo. Sobrancelhas absurdas. Eu, então, nem se fala. Absurdíssima, sentida, sentinte. Ouvindo sem ouvir todas as coisas, gostando até de suor. Mantendo.
Eu te amo cabeça nos peitos, pernas enrolantes, boca mordendo nariz. A língua morde as coisas que são suas. Os braços me sustentam de manhã, enquanto dormem.
Eu te amo pelos arrancados, um monte de agrado. Eu te amo sentada. Em pé. Acordada. Dormindo. Absolutamente desconfortável.

quarta-feira, dezembro 28, 2011

água e sal

Metafísico, o amor me come. Músicas que eu não cantei. Sonhos que eu não sonhei. Dores que eu não quis. O amor me açoita. Espreme. O amor de ontem, errado, me entrou na porta de casa com pressa e funcional. O amor de hoje quis dar boa noite.

Cabe nalguém assim tanto amor?

Estico-me.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Da falta

Então agora você me castiga só por existir. Eu fico sabendo que no mundo é possível coisa grande, sentimento puro, afeto gratuito e vontade de ser melhor. Eu fico sabendo que há gente grande, que há um pra mim e sei lá o que mais.
Daí que longe é seu estado imutável. E eu fico tentando jogar com o resto do mundo num lance meio absurdo de desespero enquanto espero você chegar da guerra. Não sei ser assim antiga. Também não sei ser moderna.
A gente quando?
Sem resposta.

domingo, dezembro 18, 2011

a moça bonita

Eu só não quero chegar em casa. Parar. Pensar. Não quero descobrir nada hoje, nem amanhã. Quero tomar algumas pílulas programadas pra tornar a gente mais interessante. Fazer a unha do pé, sobrancelha, cabelo. Ficar mais bonita que ontem.
Não adianta eu ter o mesmo tom de pele, cabelo parecido, olhos assim, sorriso assado. Em mim você nunca vai encontrar o que procura. É ela. Tranqüilidade, ordem, este tipo aí de doçura. Não, eu não tenho isso não. Eu não sou, nem seria, o que você procura.
É ela.
E se você gosta dela, é ela. Pronto. Não vai achá-la em mim nem ontem nem nunca. Nós, eu e ela, não nascemos no mesmo mês, não temos as mesmas unhas, a mesma paciência, os mesmos cílios, nem as mesmas necessidades. Eu não espremo espinhas como ela e não me tornarei o que ela é.
Ela é única, moço. Como ela, só ela. Pronto.
Vá lá.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Macaquinho


Davi tem quatro aninhos e hoje estou de babá dele.

- Davi, você continua namorando a Isadora?
- Não.
- Ela te deu um pé na bunda?
- Um tênis na bunda. Ela pegou, tirou o tênis e chuaaaaaaaaaaaaaaff - Davi fazia gestos e montava no encosto do sofá.
- Mas você não quer mais namorar com ela?
- Não.
- E ela quer namorar com você, Davi?
- Eu sou um macaquinho!
- Davi, ela quer namorar você?
- Ela quer, mas eu não quero.
- Por que? Por que você prefere ser criança?
- Não. Porque eu sou um macaquinho e prefiro pular de galho em galho.


true story.

sábado, dezembro 03, 2011

cantada

E se for? Mais que samba, mexida de quadris, braços longos. E se for, mesmo, atração de olhos castanhos com olhos castanhos e boca pequena com boca pequena. Pele morena com pele morena. Cabelo crespo com cabelo crespo. E se a textura da pele talvez combinar?

E se, mesmo parecidas, duas criaturas forem diferentes o suficiente pra complementarem-se. Se todo o passado não foi acidente prevendo o presente?

Se a gente não dança? Se a gente não ri? Se a sua voz for o que eu preciso pra me ninar e você não me irrita? Se o meu cós for a diferença pra sua inocência acabar?

Se for a manhã?

Se for mais lógico do que a gente pensa. Se dispensa apresentação? Se não tem mais interrogação? Se pulsa forte?

Por que não?