segunda-feira, julho 14, 2008
Anna
Anna foi por que não podia ficar e nem sabia como é que as coisas continuariam naquele lugar de banheiros sujos e brigas constantes. A colega de quarto nem tinha acordado. Se bem que, pra ela, pouco importava o que quer que acontecesse com a outra.
O sono já não era companhia constante e talvez não voltasse a ser enquanto a conciência pesasse mais que a mala. Toda a melancolia ela anotava com letras trêmulas no caderno que não saia de perto dela.
Desceu na rua errada e não sabia mais como seguir, nem pra onde. Ia puxar o caderno pra anotar alguma coisa, mas sentiu um cano frio na altura da cintura.
- Passa a bolsa.
- Por favor, não, moço.
- Eu não tô brincando.
A mala ficou, o caderno foi. No fim das contas, Anna só sentou e chorou.
sexta-feira, julho 11, 2008
O peito
Ele passou a mão na barba branca e disse que a paixão acaba quando o mistério acaba. Gelei. Não podia assumir que ele estava certo por gostar de manter paixões por muito tempo. Mas a verdade é que a inconstância e os segredos e os medos acabam. É a espera e o não-saber que mantém a paixão, feito fogo de dúvida. Lembro ainda dele sorrindo e dizendo que grandes amores não. Logo pensei em ternura. No fim das contas eu concordava com toda a coisa do mistério e queria logo começar minha próxima paixão sem nunca dizer o nome verdadeiro.
Seria eu cada dia uma personagem nova com todos os cabelos que a tesoura permitisse e perucas. Iria à praia e aprenderia novas danças para impressionar de jeitos diferentes as novas e velhas pessoas. E a paixão me faria de besta, não iria quando eu chamasse e depois chegaria na hora não-marcada que eu quereria. Daria telefonemas e me diria como queria cada coisa (que eu obviamente não faria, pra manter a paixão).
E a barba dele me lembrava que eu nem devia pensar em nada daquilo. Devia manter a ternura e não ter dúvidas. Devia gostar de ternura como eu bem gostava e gostar de carinho como eu ainda gosto. Eu devia manter no peito a coisa quente que sempre vem. E me mantive quieta e muda.
Tive que repensar todos os dias uma inconstância cansativa para manter tudo constante e forte.
domingo, julho 06, 2008
Velha
Tinha dito que queria estar longe, ser forte e não ter mais nenhum medo. Mas estava assustada com tudo que poderia ser e inclusive com o que tinha acabado de perceber que já era.
Olhando à volta via pouco além de leite na lata e crianças sujas. Olhando pra dentro via pouco além de mágoas e vontade de não se ser.
Teria que assumir que o problema não era da árvore nem das crianças. O leite deveria ter sido tirado há pouco tempo da vaca e, se ela tivesse forças, derramaria-o e se esqueceria de tudo que não queria se lembrar enquanto ele se misturasse ao chão.
Levantou, devia pegar as goiabas antes que elas caíssem do pé.
segunda-feira, junho 30, 2008
Psi
Entreguei um envelope vazio e fui.
Não sei se a casa está cheia ou vazia, mas os mitos eu guardo na bolsa, na aba do chapéu e na memória.
A verdade é que tenho muita vergonha dos meus atos-falhos.
quinta-feira, junho 26, 2008
Crônica de domingo
Não quis esperar na fila e deixei no balcão dinheiro à mais pelo iogurte que deveria ser meu café da manhã. Acontece que o mau-humor, quando não-ressaca, é muito mal visto aos domingos e eu não sei bem lidar com essas regras. Todos os sorrisos e as lerdezas me incomodam.
Aos domingos, a pressa só está certa quando diz respeito ao último horário do cinema.
domingo, junho 08, 2008
cortina
Com todas as onomatopéias que eu invento e falo
é lá que u me acho e me perco sem nenhum pudor
é lá que eu me sou sendo outras e todas iguais
é a minha gargalhada que ecoa e é pra mim que olham
com qualquer cara
voltei até à fase dos poemas sem nenhuma rima
poemas por puro gozo
por puro palco
poemas pra palco e de salto
pra testar a lingua e passar a lingua nas coisas que vejo
passando as coisas que vejo pra lingua
no palco eu sou tão genial, meu nêgo
toda mulher gosta de rosas
toda mulher gosta de aplausos
sexta-feira, maio 23, 2008
Chico
Ô Bárbara, se deus dará eu não vou duvidar
Nunca é tarde, menina, nunca é demais
Deus dará
E se deus negar
Sou Ana do dique e das docas
De vinte minutos
Sou Ana da brasa dos brutos na coxa.
Vou me indignar e chega!
Deus dará!
Chico e Caetano - Partido alto
Chico Buarque - Bárbara
domingo, maio 18, 2008
quatro
Acontece que o ímpeto vem antes de tudo, até de ter histórias pra contar.
A verdade é que não tenho nada senão ímpeto.
A verdade é que gosto de não falar nada fingindo que falo tudo.
E o título não tem nada a ver.
sexta-feira, maio 16, 2008
terça-feira, maio 13, 2008
Roda
Há dias em que a gente simplesmente não quer.
A gente estancou de repente?
Tem dias que o corpo todo é fumaça e nada de versos.
Há dias em que ninguém versa, nem conversa, nem nada.
Há dias água.
Há dias chão.
sábado, maio 10, 2008
Espetáculo
A gente fica pulando naqueles balanços que ficam no alto.
Como era mesmo o nome?
Vamos botar narizes de palhaço e brincar até mais que meia noite por que não precisamos dormir!
Vamos pular e dançar e eu vou me amarrar naqueles cordas que me fazem balançar e enrolar o pé.
Aí eu vou ser bonita, mais do que já sou.
Por que bailarinas são sempre mais bonitas. Nas cordas, então, ficam estonteantes.
Vamos mergulhar na porpurina e perder o medo.
A gente sabe fazer tudo, beibe!
Show most go on.
quarta-feira, maio 07, 2008
Gota D'água
Não quero sua saliva e não quero seu abraço.
Quero antes o lirismo dos loucos e dos bêbados
o meu lirismo rasgado, como era quando original.
Eu quero meus sais e suor em versos perdidos por paredes, flores e gotas.
Legal pensar que quero todas as gotas d'água.
quero inclusive Joana pra cozinhar temperos de vento e raiva com sangue e botar no bolo de chocolate das crianças.*
Quero tudo ter estrela, flor e estilo.
É que eu sou muito sentimental.
rock'in roll e bossa.
Sou bossal: Samba dançado na fossa.
Eu nem sei rimar, quero empobrecer os fins de versos com sempre substantivos.
Quero aquilo.
É que eu sou muito sentimental.
Quero à quilo.
É que sou mesmo bem racional.
* referência à peça Gota D'água, de Chico Buarque, uma releitura do clássico Grego Medéia.
terça-feira, maio 06, 2008
Um selo que é um abraço.

O sexto é o Gota D'água.Vejam, eu
também leio o Gota d'Água. Não com a frequência com que leio os outros cinco,
mas este, coisa que já é extremamente conhecida, também é altamente
recomendável. Aline escreve naturalmente: é um fato decorrente de ela mesma,
como as gotas de sereno se juntam numa folha até pingarem, de manhã. E toda
escrita fluente como essa é coisa que não se deve perder, mesmo que, o que não é
o caso, não se goste do que está escrito. Só a fluidez já é suficiente para
deixar os neurônios descansados. Ela não faz a mínima idéia da existência deste
meu blogue, e peço a Darshany que lhe avise do selo, por favor. Não que vá fazer
muita diferença, uma vez que o Gota d'Água já deve ter uns cinco
deste.
Harry, no seu blog modernista
Pois é, eu não sabia mesmo que o blog dele existia, infelizmente. E eu realmente já tinha esse selo e é engraçado, que no mesmo dia a Bia me deu esse selo de cima. E bem, eu não esperava um outro selo, dois outros selos, assim.Eu achei tão bonito isso, moderno e universal e não-totalizante. Achei tão com gosto de abraço.
Eu precisava dizer obrigada. à Bia e ao Harry.
Obrigada.
sábado, maio 03, 2008
De amor e fumaça
Ele nem sabia das vontades todas delas. Achava que ela achava apenas que ele fedia. Passava mais perfume do que agüentava pra que ela sentisse menos cheiro de fumaça e mais cheiro de paixão. Ela reclamava do cheiro de cigarro, mas não confessava que gostava do cheiro de fumaça que ele tinha, especialmente quando misturava suor, perfume e shampoo anti-caspa.
E nessas de cigarro, perfume e nenhuma resposta, os dois dançavam uma bonita história de amor que não era constante, mas entregue e nada saudável. Se gostavam nos detalhes, mas sem respostas. Se gostavam no corpo e na volúpia constante de tentarem se agradar mais do que eles mesmos podiam. A verdade é que eles eram tão bonitos quanto a fumaça que saia da boca dele, vista por ela.
quinta-feira, maio 01, 2008
Lactopurga

- E quando sai o texto?
- Assim que o bloqueio passar.
- E quando é isso?
- Não faço a menor idéia?
- E está assim, calma?
- Escrita não se força, meu bem, é que nem cocô. Se você toma lactopurga dói a barriga e fica mais fedorento que o normal. Cocô bom é o que sai natural, tipo escrita.
- Certo. Você escreve como caga?
- Sim. É fisiológico e tem que sair, se não eu passo mal.
- Interessante.
- Vou desligar, preciso ir.
- E quando me entrega o texto?
- Quando eu não precisar de lactopurga pra escrevê-lo.
terça-feira, abril 29, 2008
O meu amante

Por mais que os ombros doam, os olhos fechem e eu não queira fazer mais nada, só durmo se for pra acordar amanhã e fazer as mesmas coisas, ou mais.
Talvez o cansaço seja um temperamental. Amante desses de uma noite ou outra, que chega sem querer compromisso, me toma e me deixa em paz quando acordo.
Imagino agora o cansaço de chapéu preto e sorriso malandro me massageando os ombros e querendo me beijar a boca. Ele vem como um apaixonado que não quer largar meu braço. Ele vem como paixão e não me deixa ver mais nada. Ele vem e vai, constante e inconstante ao mesmo tempo.
O cansaço é engraçado. Estou apaixonada por ele, mas ele não pode saber. É um cafageste.
domingo, abril 27, 2008
Todos os selos do mundo ao mesmo tempo


Aí, depois da Camila, a Darshany lindona me indicou um selo, que é esse aí:
Este selo verde, com essa cara psicopata, tem cara de Flora. E é pra ela mesmo que ele vai. Um blog se desmanchando.Por último, a Fiorella me indicou de novo o mesmo selo que a Camila tinha me indicado, do blog muito bom sim senhora. Só que a Fiore é mais exigente que a Camila e quer que eu indique 7 blogs.
Aí vão:
Ipsis Litteris
De amor e de letras
Thiara Pagani
Saco de Filó
Cacos Blog
Caio Lamas
Penny Lane
Enfim, todos os blogs linkados nesse post valem totalmente à pena.
beijos e queijos!
sábado, abril 26, 2008
For all

Não são apenas cheiros e pernas. Existe toda a melodia e o ritmo dos corpos inteiros entregues. Acompanha-se a letra da música com os lábios que não cantam e os corpos que tentam requebrar e se agarrar pra não cair. É preciso que se dance junto, rodando, dando passos pra frente e pra trás. É preciso mais que dois pra cá e dois pra lá.
Não são apenas cheiros e pernas por que a beleza vai além disso e a dança, quando de dois, pode ser sim pura e dança. Pode ser apenas espetáculo, com paixão de dança e não de corpo.
Mas é preciso que se sinta todo ritmo e que se dance toda música. É preciso não ter vergonha e mexer bem os quadris. Há que se entregar à melodia e aos sorrisos que ela traz por si só.
Trio virguline e Trio forrozão - Até mais vê
sexta-feira, abril 25, 2008
Isabella é minha vizinha
A verdade é que todo o dia aparece uma coisa nova, como se a minha vizinha me dissesse da janela o que acontece na casa dela. Eu não quero que o pai e a madrasta da Isabella a tenham matado por que ambos são também meus vizinhos, como ela. Tive mais contato com ela, é verdade. Criança doce que era, vinha volta e meia aqui em casa brincar com meu irmão e comer pipoca. Só me dei conta disso agora. Não me lembrava de tê-la conhecido antes da morte.
Não me lembrava de ter conhecido seus pais, tios, avós e conhecidos. Nunca vi Isabella de uniforme de colégio, mas é como se a tivesse visto e ela fizesse parte da minha vida todos os dias. Por que todos os dias o jornal me mostra uma coisa e eu quero saber de outra. Parece mesmo telefone. Eu fico sabendo mesmo sem querer saber, como se me contassem na cozinha enquanto tomo o café.
A morte da Isabella é como a morte da vizinha. E quem é ela? E por que ela?
Ela era doce e brincalhona como muitas crianças. Ela acabou virando um mártir. Eu não queria que ela morresse, na verdade. Queria mesmo que ela brincasse. E há dois meses atrás nem me importariam os culpados por que eu simplesmente não saberia.
Isabella morou do meu lado a vida inteira, mas só agora eu percebi. Mas não é só a Isabella que morre, nem só o João Hélio. Chorei pelos dois e gosto muito dos dois. Lindos. O João Hélio até fazia Kumon e poderia ter sido meu aluno lá.
Ainda assim, por que Isabella especificamente? Por que a morte dela tem que ser transformada em folhetim?
Alguém disse que a mídia explora isso por conta da cultura de achar que família é sinônimo de segurança e quando a família não trás segurança é notícia.
Mas eu, sem nenhuma base científica a não ser meu achismo, digo que não tenho nada a ver com Isabella. Nunca a vi. Eu não quero saber e nem tenho por que. Nunca nem gostei de páginas policiais.
Só que é tanta gente e tanta mídia e tv e tanta coisa que nem tem como não querer. Me contam da Isabella enquanto eu tomo café. Ela sempre esteve na porta do lado.
terça-feira, abril 22, 2008
Jornada
Os ossos inteirinhos e a mente funcionando à mil.
A pilha não tarda a acabar.
Come dois quilos de macarrão com molhos diversos, esfihas e coca-cola.
A pilha não deixa de enfraquecer.
Come as unhas.
Não mata a fome, mas desestressa.
