Eu tinha desenhado no papel um sorriso torto e bonito. As
crianças gostavam mais quando a carinha vinha assim, cabelo bagunçado e sorriso
só de um lado, formando uma única bochecha em monte e deixando a outra
esticada, lisa. É claro que meus dotes de desenhos são tão bons quanto os de
qualquer pessoa em química, mas quando eu desenhava aquele rosto específico,
qualquer um reconhecia. Dois olhos, um nariz pequeno, um sorriso torto e o
desgrenhamento.
Eu tinha a pele e a carne ocupadíssimas de tanta ternura e
aquele sorriso era a única coisa que eu via no mundo. As crianças entendiam que
a tia estava apaixonada, mas a tia não. A tia continuava falando de poemas,
sintaxes e adjetivos.
A tia cortou curto o cabelo e deu um jeito de sentir aquele
cheiro específico a quilômetros de distância sem entender ainda a relação entre
faro e peito. Eu me escondia de mim mesma em tantos livros e poemas.
Depois, vinha a ternura em desenho como prêmio para as
crianças bonitas que acertavam a prova toda. Como se paixão fosse prêmio dos
outros que no sorriso da tia talvez vissem um guia.
2 comentários:
Belo!
Obscuro. Simultâneo explicito.
Enigmático. Simultâneo notório.
Deleitoso. Simultâneo venusto.
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