sexta-feira, novembro 30, 2007

Poema cansado

Dormi desde ontem
A noite inteira e de cansada.
Não ficava pensando em compromissos ou versos.
Nem sonhei.
Só deixei que o corpo parasse e fosse.
Talvez minha escrita mole não seja tão boa quanto alguns versos rasgados.
Não quero que minha escrita dance, hoje.
Quero minha escrita sono e confissão.
Ironia talvez.
Quero escrita comendo carne vermelha e doce.
Por que dizem que carne humana é meio doce.
Não gosto mais de poemas,
Já disse?
Não tenho paciência pra essa rapidez de versos que se alongam quando ecoam.
E também não quero essa prosa curta que ecoa por que bate em mim.
Quero nenhuma história.
Desaprender a ler pra retomar a inocência.
Utópico demais.
Talvez seja hora apenas de um banho e não de escrita ruim.
Talvez seja dia para cerveja e preparo pra futura cirrose.
Não é hora pra canto,
São dez da manhã.
Não é hora, então forço.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Mariana XVII

Ele era o segundo Lucas de Mariana.
Ela não se lembrava de ter encontrado nunca um homem tão boçal.
É claro que havia o bicho papão.
Mas ela tinha se acostumado ao sonho e ao óbvio
E ela não gostava que lhe puxassem o cabelo assim, vulgar.
Mariana sentia-se suja e não gostava da própria boca
Por que a barba dele machucava e as mãos dele não tinham freio.
Tudo ali machucava e ela fez-se forte pra firmar um tapa.
Ele se encheu de razão.
Ela teve saudade da paixão.
Pular de galho em galho já não tinha tanta graça.
O corpo do sonho era tão carinho.
As mãos do óbvio eram como as dela.
Esse Lucas tem nome por ser mais um número.
Não era homem pra Mariana. Não era homem.
Todos os galhos pareciam tão firmes, mesmo sem raiz.
Mariana gosta de segurança, mesmo com medo de fall in love.
‘cause she is falling in love again every day
and she likes flirt
but is not the time.
Mariana não sabe o timing.
Ela está perdida.
E todos os homens eram iguais até a última noite.
São pessoas, ela me disse. “Não são números como eu não sou.”
Mariana queria banhos mil e sal purificante.
Um óbvio a mais.
Um sonho a mais.
Nenhum dos dois e os dois juntos.
Ou nada.

segunda-feira, novembro 19, 2007

O italiano

Tenho um italiano.
É uma personagem que me mandaram escrever eu aceitei o desafio. Ele deixou de ser algo postável logo na primeira parte. Tenho medo de personagens grandes demais e ele se tornou um problema agora. Tudo nele é intenso, vazio e cheio ao mesmo tempo.
Meu italiano é frustrado e não gosta de si. É muito difícil escrever sem me enfiar na história.
Ele não é o avesso de mim. Ele não sou eu. O italiano me toca e eu preciso escrever por ser um bom canal.
Foi ele quem me escolheu. Sabe que sou piegas e que terei dó de dar-lhe um fim triste. Mas a verdade é que eu ainda não sei qual será seu fim ou o que ele merece. É sujo. É vil. É sórdido e bonito. Gosto da sordidez dele, por mais que me assusto. Ele tem a vida toda mal resolvida e cancros que se espalham por toda a sua alma.
Li que os sintomas da sífilis são cancros duros.
Eu diria que ele é sifilítico de alma. Ele é duro. Ele não convive bem consigo e quer que o mundo pare pra que ele passe.
O nome ele não fala, mas o sobrenome é Giordano e é assim que ele gosta de ser chamado. Meu italiano não conseguiria mascar a própria língua por não gostar de jiló.
O lance é que a Esfinge o persegue desde o começo.
- Decifra-me ou te devoro?
Meu italiano vai ter que sair de cima do muro e deixar de ter medo. Vai ter que parar de atirar e botar flores no cabelo.
Acontece que eu não estou na história pra ser pontinho de luz.
Meu italiano vai ter que se resolver sozinho e talvez deixe de ser só.

E aí o problema fica comigo.

Decifro-o ou ele me devora?

quarta-feira, novembro 14, 2007

Hamlet

Ele disse que cresci. Disse que o corpo mudou e a voz e a cara e o jeito de me vestir. Talvez eu tenha mesmo perdido um pouco do pudor que eu tinha de me ser. Ora, não sei qual o problema nisso. Crescer não é como construir personagens pra teatro. Exato oposto. Desconstrói-se a princesa de conto de fadas e constrói a mulher. Até aí não sei pra onde vai e de onde vem e nada.
E o depois também não sei.
E sentimento não é de se saber.
Ela disse que psicólogo deve ganhar uma grana sem resolver os problemas dos outros. Aí eu pergunto se os outros não devia saber resolver seus próprios problemas.
Todos somos Atlas e temos que carregar nosso mundo nas costas.
Crescer é fazer escolhas, uma terceira pessoa cujo sexo não me lembro disse.
Então eu devia ganhar um martelo e sair quebrando todas as dores e estourando bolhas de felicidade.
Agulha talvez fosse mais eficaz.
E ficas, fixas, fichas e sentas.
A segunda pessoa eu não sei usar bem. Ou sei? Ambiguidadegramaticaldespropositadaeproposital.
No fim, todo poeta é um inconseqüente num mundo de letras e sons.

sexta-feira, novembro 02, 2007

O sonho

Tive mais um sonho daqueles que cortam na alma e dóem no peito. Então estou doendo até agora. Sei que aquele sonho inteiro é pura vontade minha nua. Se fosse vida aquele sonho naquelas formas eu sorriria ao invés de doer. O problema do sonho é que ele é só desejo e desejo é falta. O problema desse sonho é que ele me falta e eu não quero essa falta. Eu quero o sonho inteiro e pra mim até de ponta cabeça.
Eu era eu descabelada e desleixada. Ele era ele nos mesmos moldes, só que homem. E ele sussurrava que me amava e de novo eu não sabia o que fazer. E eu ficava distante e esperava que ele dormisse pra me aninhar nele e deitarmos juntos no chão. Harmonia visível à quem passasse, mas ninguém passava por que nós dormíamos e nós dois estávamos enroscados só pra nós dois. Ligados. Foi ele acordar e eu disse que o amava.
E eu acordei.
Não tem felizes para sempre quando a gente está acordado. E o que eu desejo me falta. Aí eu fico doendo mesmo. Eu fico só. Eu fico.