terça-feira, setembro 29, 2009

Para não pensar em açúcar

Eu hoje queria escrever algo que fosse doce. O problema é que não gosto de coisa muito melada. Eu sou dessas pessoas que vivem à mil e são grosseiras de tão francas. Geralmente, eu gosto mais do que rasga e menos do que adoça.

Acontece que ontem, a Marcela Rangel – que é a classe em forma de gente - disse que é preciso ter filtro na língua e que se é para falar sem pensar, melhor tirar o cérebro logo que ele é desnecessário. Eu, que tenho orgulho em dizer que adoro sinceridade, me assustei um tanto com esse discurso.

Depois concordei.

E hoje de manhã eu comprei um chaveiro de leão de pelúcia enorme e uma caneta com cabeça de vaquinha. Me senti tão meiga e terna que nem lembrei que a ternura é das coisas que mais dóem em mim.

Foi quando eu saí da sala de aula e vi uma árvore linda. Foi tanta coisa feliz e doce junta que eu nem pensei em mel. Fiquei imaginando todas as histórias que já se passaram em baixo daquela árvore. E ela continuava parada na minha frente ventando aquelas coisas secas parecidas com vagem que ficavam penduradas ali sem fazer muito barulho.

E eu não sei que árvore é aquela e nem quero saber. Um professor de barba branca uma vez disse que o conhecimento acaba com a paixão. O negócio é o mistério.

Então eu não vou procurar nada sobre a árvore. Me basta olhar o tamanho e saber por dedução que ela é mais velha do que eu.

O resto são histórias em que a árvore bonita é mero pano de fundo. Mas é bom não esquecer que o cenário influencia bastante no drama.

Enquanto isso, as pessoas falam sobre tipos de dor na aula em que eu penso em quantos beijos existiram à sombra daquela mesma árvore.

Então lembro que as árvores da minha rua de criança tinham nome de gente e não podiam ser aparadas sem enfrentar maciça revolta infantil.

A vista da minha janela também sempre foi árvore. E quando chovia, era o melhor cheiro do mundo aquele de umidade com terra e folhas.

E agora as histórias todas continuam - independentemente de mim - e eu tenho certeza: as coisas mais doces são as árvores. Principalmente perto da janela.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Fluidos

Foi furando o ventre de uma vez só. Lançou um jato logo de cara e nem deu pra engolir. Automaticamente todas as coisas pararam diante de Marina quando aqueles olhos castanhos fixaram-se nos seus.
Não parecia ser nada e ela não deu importância. Todavia, foi só pegar no sono que a garganta ficou entalada e o sangue foi vazando pelos poros.
Talvez as duas bolebas castanhas estivessem então dentro do corpo de Marina fazendo internamente o caminho externo que já tinham de cor.
Mas ela queria engolir as bolebas junto com o resto ao invés de sentí-las furando-lhe os olhos e conhecendo um corpo tão desprevenido.
Foram três dias de incômodo e nenhuma solução.
Se estivessem nas órbitas, Marina não perdia tempo em dar um peteleco nas duas bolebas.
Ou talvez apanhasse-as com as pontas dos dedos, cheirasse, lambesse e devolvesse os seus olhos no lugar.
Marina queria troca de coisas que não fossem olhares.
Fluidos.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Descalça

Da última vez que passou por aqui alguma coisa próxima de paixão, ficou toda presa nos pés. Primeiro os ossos pareciam fora do lugar, depois o pé simplesmente doía.
Eu acho que esmaguei a paixão.
Mas não. O certo seria dançar e pensar qualquer coisa como um respiro apaixonado para continuar sempre ofegante.
O homem só respira dignamente quando ofega.
Eu acho que o lance agora é cair no samba (talvez os pés façam subir alguma coisa).

terça-feira, setembro 01, 2009

Mais uma sobre tempo

Vou eu de novo falar de tempo, de medidas, de segundos e ponteiros de relógio. Fiquei sabendo que de maio pra cá ninguém tem notícias do relógio que habitava a casa dos Braga. Os cachoeirenses conhecidos se dividem em indignados e indiferentes.
Para os conhecidos cachoeirenses indignados, é um absurdo alguém ter pego da parede um relógio que um dia pertenceu a Rubem Braga. Porque Rubem além de ser o maior cronista brasileiro é principalmente um cachoeirense nato. E todos nós que tivemos a sorte de nascer naquelas terras quentes temos muito orgulho de tudo aquilo, mesmo as águas barrentas do Itapemirim ou o tempo estranho. Os cachoeirenses de verdade tem por obrigação tácita carregar consigo o bairrismo dos arredores do Itabira.
Mas o fato é que eu não tenho relógio e nem sei se preciso. Se me roubassem um, jamais sentiria falta dos ponteiros. A ânsia louca de marcar todo tempo em unidades de medida me apavora, mesmo sendo eu uma dessas pessoas que gosta de saber a hora do planeta.
É que um relógio em si não é ruim e é bem bonito, mas o contar dos segundos de tudo tira parte do prazer das coisas como todo e qualquer padrão. Tudo que é feito com tempo muito contadinho tem preocupação demais.
Eu tenho uma tia que adora “O pequeno príncipe” e sempre me lembra que as pessoas grandes se preocupam demais com números e esquecem de saber se tem flores em casa. Esses relógios são a marca disso. Dos números que sobem à cabeça das pessoas deixando-as cegas e antipáticas.
Essa minha tia é cachoeirense e não parece se importar com o sumiço de um relógio. Mesmo ele tendo pertencido a Rubem Braga.
Mas tem outra coisa. O relógio pendurado na parede de um museu é uma afronta aos amantes dos números. Como é que pode um objeto com fins tão específicos como contar o tempo servir assim de enfeite? Pois contar o tempo deve ser papel principal e não importa se a medida escolhida é subjetiva ou as ampulhetas e os relógios de sol são muito mais charmosos!
Eu não roubaria um relógio de parede. No fim das contas, só é um enfeite muito bonito quando não está torturando pessoas com horários.
Meu problema não é o tempo, esse amante inevitável que fica ao meu lado todo dia entre flertes e risadas. Meu problema são todos esses números asfixiantes.
Então, eu não tenho relógio. Rubem Braga também não tem mais.