sábado, abril 26, 2008

For all




Não são apenas cheiros e pernas. Existe toda a melodia e o ritmo dos corpos inteiros entregues. Acompanha-se a letra da música com os lábios que não cantam e os corpos que tentam requebrar e se agarrar pra não cair. É preciso que se dance junto, rodando, dando passos pra frente e pra trás. É preciso mais que dois pra cá e dois pra lá.
Não são apenas cheiros e pernas por que a beleza vai além disso e a dança, quando de dois, pode ser sim pura e dança. Pode ser apenas espetáculo, com paixão de dança e não de corpo.
Mas é preciso que se sinta todo ritmo e que se dance toda música. É preciso não ter vergonha e mexer bem os quadris. Há que se entregar à melodia e aos sorrisos que ela traz por si só.

Trio virguline e Trio forrozão - Até mais vê


sexta-feira, abril 25, 2008

Isabella é minha vizinha

Eu já sei que a Isabella era linda, uma gracinha, ótima menina, brincalhona e doce. Eu já sei que ela tinha pais que não moravam juntos e uma madrasta passional. Eu já sei que ela tinha alguns irmãos e que gostava deles. Eu já sei de tanta coisa que é como se a conhecesse e ela tivesse vindo algumas vezes à minha casa brincar com os meus irmãos.
A verdade é que todo o dia aparece uma coisa nova, como se a minha vizinha me dissesse da janela o que acontece na casa dela. Eu não quero que o pai e a madrasta da Isabella a tenham matado por que ambos são também meus vizinhos, como ela. Tive mais contato com ela, é verdade. Criança doce que era, vinha volta e meia aqui em casa brincar com meu irmão e comer pipoca. Só me dei conta disso agora. Não me lembrava de tê-la conhecido antes da morte.
Não me lembrava de ter conhecido seus pais, tios, avós e conhecidos. Nunca vi Isabella de uniforme de colégio, mas é como se a tivesse visto e ela fizesse parte da minha vida todos os dias. Por que todos os dias o jornal me mostra uma coisa e eu quero saber de outra. Parece mesmo telefone. Eu fico sabendo mesmo sem querer saber, como se me contassem na cozinha enquanto tomo o café.
A morte da Isabella é como a morte da vizinha. E quem é ela? E por que ela?
Ela era doce e brincalhona como muitas crianças. Ela acabou virando um mártir. Eu não queria que ela morresse, na verdade. Queria mesmo que ela brincasse. E há dois meses atrás nem me importariam os culpados por que eu simplesmente não saberia.
Isabella morou do meu lado a vida inteira, mas só agora eu percebi. Mas não é só a Isabella que morre, nem só o João Hélio. Chorei pelos dois e gosto muito dos dois. Lindos. O João Hélio até fazia Kumon e poderia ter sido meu aluno lá.
Ainda assim, por que Isabella especificamente? Por que a morte dela tem que ser transformada em folhetim?
Alguém disse que a mídia explora isso por conta da cultura de achar que família é sinônimo de segurança e quando a família não trás segurança é notícia.
Mas eu, sem nenhuma base científica a não ser meu achismo, digo que não tenho nada a ver com Isabella. Nunca a vi. Eu não quero saber e nem tenho por que. Nunca nem gostei de páginas policiais.
Só que é tanta gente e tanta mídia e tv e tanta coisa que nem tem como não querer. Me contam da Isabella enquanto eu tomo café. Ela sempre esteve na porta do lado.

terça-feira, abril 22, 2008

Jornada

Um tanto cansada.
Os ossos inteirinhos e a mente funcionando à mil.
A pilha não tarda a acabar.
Come dois quilos de macarrão com molhos diversos, esfihas e coca-cola.
A pilha não deixa de enfraquecer.
Come as unhas.
Não mata a fome, mas desestressa.


domingo, abril 20, 2008

Três meses

Tocou-lhe a face com as mãos exitantes. Talvez não devessem ser tão íntimos em tão pouco tempo, mas ela tinha que admitir que parecia certo e que os dois eram absurdamente bonitos um ao lado do outro.

E como é que ia ser se não fosse assim? Botões de rosas e músicas bonitas faziam parte do caminho de pêlos, pernas, bocas e mãos.

Era enfim um romance doce e leve, engraçado e gostoso, como devia mesmo ser. Tocou-lhe a face com as mãos carinhosas. Tinha que reconhecer cada poro e dizer a ele que a simetria do seu rosto era fascinante, mas não vencia os olhos.





*eu imaginei que você esperasse algo.

terça-feira, abril 15, 2008

Choque [trecho]

Ela
Falta alguma coisa.

Ele
A menor distância entre dois pontos é uma reta.

Ela
Botão de flor.

Ele
Falta achar o ponto.

Ela
Talvez traçar a reta.

Ele
Falta o traço.

Ela
Já sabe da reta, dos pontos, sabe que falta. Falta o que?

Ele
Eu achar meu ponto.

Ela
E quem traça a reta?

Ele
É instantâneo. A reta é lógica. Tomo um ponto. Toma outro. Ficamos um de frente para o outro e caminhamos até nos chocarmos.

Ela
E tem mesmo que chocar?

terça-feira, abril 08, 2008

Aplauso



E de repente, todas mãos se espalmam ao mesmo tempo e desritmadas e todos os olhos de todos que estão ali brilham na sua direção. É o ápice e você só pode fazer reverência por que aquilo é seu e você merece toda aquela desritmia. Você se inclina por que sabe que aquilo é bom. E é tão bom que merece a sua reverência e seu agradecimento.
Obrigada por reconhecer como eu sou foda e aumentar um pouco mais meu ego.
É por isso que um ator se inclina.
Obrigada por que o meu show é foda.
Obrigada por perder seu tempo comigo e obrigada por estar de pé. Entenda, te dar prazer a ponto de você aplaudir me dá prazer.
Eu tenho tesão de aplauso. Meu olho brilha mais que o seu e meu coração dispara, os seios ficam rijos e eu entro em colapso positivo e de espasmo. Ai. Aplauso é gozo e eu gosto.
Lembrei hoje qual era a minha com o teatro.
O lance é palco e não texto.
O lance é sempre o aplauso. Ai! Adoro arte que não é solidão. Adoro por que solidão dói e aplauso não. Adoro a responsabilidade de ter que dar um show e ter que ser aplaudida.
Eu gozo e a adrenalina vai à toda.
Eu fico à toda e fico toda e tremo. Eu gosto.

sábado, abril 05, 2008

Casulo

Estou fedendo. Estou flácida. Estou fedendo, flácida e rasgada. Estou aos cacos e com lascas de várias festas.
Estou com pressa e completamente sem direção. Incompleta. Estou com fome e sem fome e com ânsias de vômitos e diarréias que não saem nem sairão por que eu me travo e engulo tudo.
Estou queimando e não é de paixão, mesmo sendo tudo paixão. Estou fedendo paixão e com sono e com fome e com raiva.
Questionaremos então a vida, o universo e tudo o mais. Questiono a roupa que eu visto e o cheiro que eu exalo. Questiono pra tudo e pra nada. Os ombros dóem.
Parece que veio uma furadeira furar minha coluna e me deixar mole.
Estou fedendo e sou uma lagarta.

quinta-feira, abril 03, 2008

Vício



Baralho é das poucas coisas que me descansam de verdade. Me relaxa. Baralho e escrita me relaxam. Se você me disser que são vicios manuais, digo que na verdade não.
Qualquer um dos dois é vício de corpo inteiro, oratória e olhar.
Por que a graça das cartas é o blêfe e a bricadeira. O mistério de mãos e a lógica envolvida.

A graça da escrita é ela ser paixão no papel. Escreve-se com o corpo inteiro, não apenas com as mãos(acho até que se escreve muito mais com a língua e o sexo do que com as mãos). Como não se joga baralho só com as mãos.

terça-feira, abril 01, 2008

Maybe


Ela disse talvez pra fazer poesia. Tinha um medo grande de cair no chão. Muito mais fácil dançar com vários que se ater a um. Muito mais fácil não se entregasr que fazê-lo.
Então ela sempre dizia maybe. Sempre passava perfume forte e doce e saia bonita pra dançar com vários maybes.
Então surgiu um maybe que virou the one, mas continuaria maybe pra ela ser segura. E ela dizia talvez pra fazer poesia, pra não perder a dança.
Vários poemas pra nada ter estrutura de começo, clímax e fim.

quinta-feira, março 27, 2008

Vinho Barato

Texto velho, do ano passado, por que a falta de tempo e o cansaço não me permitem poesia nova


Gastei cinco reais com aquele vinho barato e acabei fumando um cigarro de menta. Ainda está me arranhando a garganta mais que minha gripe que também parece ter piorado por conta do choro. A cabeça dói do vinho e da raiva. Eu não consigo dormir.
Há tempos que já não tinha desses problemas, eu deitava e dormia onde estivesse.
Talvez eu não esteja cuidando bem nem do meu fígado nem de mim. Mas o fato é que ele disse que eu sou boa demais pra isso e o gosto do cigarro foi embora no ralo da pia depois que eu escovei os dentes.
Talvez o cigarro seja tão necessário quanto o Ed Motta no meu som. Não quero nenhum dos dois e enjoei de Ed Motta. Não to ligando para a Colombina ou o Arlequim.
Eu sou boa demais, ele disse.
Mas eu queimei o braço no ferro de passar e eu estou tão cansada de queimar o braço no ferro de passar. Tão cansada de me queimar tentando ajeitar as coisas pra fazer tudo dar certo.
Eu estou tão cansada de tentar fazer tudo dar certo.
Eu estou tão cansada que nem o vinho e o cigarro deram conta.
Os dois queimaram e não deram conta do meu braço com duas queimaduras leves e pequenas que vão virar marcas pra durar anos e anos a fio.
As queimaduras sempre são leves e pequenas e eu sempre curo com batatas que eu não sei onde foram plantadas ou que tipo de agrotóxico levaram. O importante é que as queimaduras deixam marcas, mas eu sempre agüento.
Mas hoje não.
Hoje eu não agüentei o braço queimado e não me agüentei disposta a me queimar mais. Ele disse que eu sou boa demais pra isso e tem razão.
Eu não preciso me queimar e não preciso não dormir.
São cinco da manhã e minha cabeça dói de vinho e falta de sono.
Não é meu porre de cinco reais que me dá dor de cabeça.
Foi um real o milho, dois reais o cachorro quente, dois reais a coca cola e cinco reais o vinho.
Parece que dizes, te amo, Aline
Na fotografia estamos felizes
Parece bolero te quero te quero
Tenho que ler Eva Luna e aprender a cantar Chico direito. E tenho que editar matérias e tomar sol. Tenho que dormir e tenho que mar e tenho que esfriar a cabeça. Tenho que fugir e tenho que mar e tenho que mar que mar que mar mar.
Tenho que desqueimar.
Tenho que desvinhar e despertar e correr.
Tenho que encarar de frente por que é esse o final que eu buscava para a história.
Ele perguntou enquanto segurava forte o meu braço:
- e o final?
Eu não sabia responder no pânico daquele dia. Mas o final sou eu aqui escrevendo mais um texto de vinho barato e insônia. O final sou eu sozinha mais uma vez e mais uma vez sem chão.
E no fim eu não devo ser tão boa assim.
Ou sim.
Foi cinco reais o vinho que não valeu.
Foi vinte reais o livro e foram muitos reais de nada.
Amanhã vão ser cinco reais de chocolate se o mar não der conta.
Ai eu preciso tanto de mar quanto de texto. Por que o mar sabe me ler e me lamber como ninguém. O mar é tão mar que eu mar no mar. Eu quero me misturar feito leite em pó instantâneo. Vou ver se durmo agora, às 5 e acordo às 8 pra nadar num sol de sete na praia que cheira cocô do show de ontem.
Mas é que eu preciso tanto de mar.
Mar pra me entender e desmistificar. Pra me ser talvez inteira como não tenho sido e provar pra mim que eu não preciso de colo e nem de ninguém e que passou o tempo de ser mimada como eu sou. Passou o tempo do sim.
E passou o tempo dos morangos que estamos em fins de outubro.
É hora de dormir.

segunda-feira, março 24, 2008

Devaneio

E ele me ignora mais uma vez.
Deve ser divertido em algum lugar do planeta.
Eu, no entanto, não me chateio, queria mesmo era estar no cinema.

quinta-feira, março 20, 2008

Beleza

Que bom que são dois meses de mim com você.

segunda-feira, março 17, 2008

Feminices

*sei que a resolução da imagem não está muito boa, mas vale à pena.



Uma não gostava da outra. Tinham um caso em comum e se suportavam por política e feminismo. Não podiam admitir que homem fosse motivo de discórdia. Ainda mais um homem baixo feito ele, menor que as duas. Elas não sabiam de onde vinha o imã que ele tinha e se viam no espelho quando se encontravam. Ainda assim, não gostavam de se ver e de saber que ele estava com a outra.
E isso durou até elas sentarem uma do lado da outra e começarem a falar quanto prazer tinham sob a pele quente dele. Como ele gemia e como mordia e como gostava. Discutiram tempos sem chegar a qualquer conclusão e o viram passando com uma terceira.
A terceira não tinha nada do físico das duas, nem nada da personalidade. Parecia oca e sem egocentrismo, chata e mole. Parecia flácida e mulher não perdoa flacidez alheia.
A terceira parecia traição e as duas inflaram as narinas pra brincar de raiva. Não sabiam quão grandes eram e nem queriam tomar forma. Uma não gostava da outra, mas engolia por que as duas eram bonitas e instigantes, mesmo uma para a outra. Todos os defeitos que uma via na outra eram inventados e as duas tinham se acostumado a partilhar. Eram iguais.
A terceira não podia, explodia e era mole. Mulher mole nenhuma das duas agüentaria. Politicamente, então, as duas se juntaram e fizeram uma festa em que ele não sabia que ia encontrar nenhuma, mas não poderia perder.
Começo foi simples, ele dançou e bebeu. O fim foi complicado. Ele tinha que se ajoelhar ante o deus de marfim pra vomitar, mas já tinha ingerido mais laxante do que qualquer pessoa normal agüentaria.

domingo, março 16, 2008

Carta ao Blogger

Venho por meio desta manifestar minha indignação em relação a este provedor maldito que volta e meia me impede de comentar em outros blogs, acessar alguns conteúdos, visualizar algumas imagens e –ultimamente- tem me impedido de postar imagens no meu blog. Saiba, senhor Blogger, que blogueiros de primeira, segunda, terceira ou quinta linha, tem necessidade de postar imagens quando bem entenderem. Não vou transformar isto aqui num fotolog, mas veja bem, não ando conseguindo mexer em html tem UMA SEMANA. Isso não é coisa que se faça com uma blogueira empolgada que se propões a escrever literatura diretamente do seu computador e recebeu selos bonitinhos recentemente. Inclusive, gostaria de linkar a Camila e a Darshany nessa postagem, agradecendo-as pelos selos, mas isso é muito difícil.
Senhor Blogger, querido, o wordpress tem me feito propostas indecentes e tentadoríssimas. Se eu soubesse como passar esse lindo layout rosa-pink-berrante-céquici para o wordpress, mudava logo. No entanto, o seu provedorzinho tem sido minha casa há mais de ano e eu até aprendi a botar contador em janeiro. Ó que bonitinho ali do lado!
Senhor Blogger, eu fico. Eu fico e eu sei que você não vai fazer nada pra que eu continue e nem faz questão da minha presença! EU SEI DE TODA A FARSA! Eu divulgo seu nome naquela comunidade do orkut. E divulgo em cada comentário. Divulgo no meu MSN! E me diga: PRA QUE? À troco de que?
Senhor Blogger, nenhum raio de imagem eu consigo postar. Só vídeo. Nenhum link eu consigo botar, só vídeo. Não vai ler esse meu apelo, que eu sei. Mas saiba que há mais blogueiros insatisfeitos e nós podemos nos unir, te jogar no expresso do oriente e depois iremos direto para o Wordpress. Muahahahahaha!!

terça-feira, março 11, 2008

Vem!

Deixa de besteira e vem aqui pra casa. Dorme comigo hoje à noite, eu faço a janta e deixo a cama quente. Lavo as roupas todas e até boto música bonita pra a gente ouvir. Deixa de besteira e confessa que se sente tentado a aceitar mais esse convite ficcional. Meu colchão é dos bons e a vista da janela tem cores bonitas de fumaça e construção.
Depois a gente pode caminhar na praia e dizer coisas idiotas um para o outro. Teríamos um mundo nosso e faríamos séries e séries de besteiras lindas.
Deixa de besteira que a lua está bonita e o céu parece ter sido bordado pra nos emoldurar.

sábado, março 08, 2008

Sobre escrita

Não gosto de palavras complicadas demais, nem de ritmos complicados demais.
Gosto das coisas quando dançam de leve ou pesado.
Gpsto das palavras quando dançam saindo da boca ou da mão.
Gosto de tudo que voa. Palavras que voam.
Gosto de palavras moles e fáceis, ritmos moles e fáceis.
Palavras e ritmos que façam dançar automaticamente, gramaticalmente, infinitamente.
Quero todas as palavras do mundo batidas no liquidificador e formando solos de guitarra.
Gosto quando as palavras me lambem as orelhas e me molham
E quando escorrem

segunda-feira, março 03, 2008

French kiss

Ele era o segundo cliente do dia e seguia o mesmo esquema do primeiro. Abraço, mão nos seios, cama e nada de beijo na boca. Pra ela não importava que ele fosse limpo ou sujo. Usava preservativos e sentia-se mais ou menos protegida. Fazia exames regulares pra nada assustá-la ou se tornar grave. Mais um cliente, um intervalo e nada de beijo na boca.
Naquela tarde, no entanto, alguma coisa fez a casa dela tomar cores diferentes. O cheiro dele invadia o lugar e todos os seus poros. O cheiro dele a dominava por completo e ela não sabia por que. Então ela tentou ser profissional e botou as mãos dele nos seus seios. Não era o que ele queria.
Ele se aproximava ameaçadoramente da boca dela e ela desviava. Pensava que pra isso devia haver mais. O contato entre bocas é mais íntimo que todos os outros. Se ele encostasse nas suas nádegas ela não se ofenderia nem fugiria.
Ela sabia que havia algo estranho na quantidade exagerada de perfume e sabia que tinha vontade de experimentar um beijo na boca simples e casto. Não era simples. Não era casto. Era vulgar e vil e pesado e ela não queria de forma alguma ter que encarar nenhuma boca que não fosse amor. Não podia ser nem paixão. Tinha que ser bonito e mágico e vir acompanhado de flores, danças e estrelas pintadas no céu pra tornar mais bonita a cena.
Ele continuava insistindo e ela o expulsou. Mais um cliente sem beijo depois.
E ele voltou com mais perfume e mais dinheiro e até perguntou-lhe o nome de verdade. Conversaram tardes inteiras com ele pagando o sexo que não queria e o vinho que gostava.
Talvez ela o amasse, talvez não. Mas no dia em que resolveu beijá-lo não cobrou a hora e cancelou todos os outros clientes. Beijou-o um dia inteiro sem nenhum vinho e quase sem mãos.

sábado, março 01, 2008

Perséfone

Olheiras enormes. Maiores do que se espera num rosto de mulher. Havia também alguma coisa no jeito de andar que não parecia simples, nem torto. Ela andava mole e preso ao mesmo tempo, gingado depressivo e lacônico. Olheiras grandes que não faziam o rosto ficar feio de forma alguma. Havia certa beleza nas sardas e na palidez ultrarromântica. E sim, o mal do século era ela que usava saias. Por que qualquer mal do mundo nela era mais intenso e só ela importava.
Gingado mole, olheiras e egoísmo superior a egoísmos leoninos. Ela se via rodar, então. Se via sem lugar e sem drogas que a satisfizessem. O que ela era e o que tinha era o gingado e as olheiras. O que ela tinha era o mistério que as olheiras davam, a curiosidade que o gingado provocava.
Não. Ela não tinha lugar. Continuaria pra sempre a rodar. Peso enorme no peito. Maior do que se espera no peito de qualquer mulher sem filhos.

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Conto de fadas

Aviso aos navegantes: o texto que se segue tem trilha sonora. Fica melhor ao som da música do vídeo do que sem ela.


- Casa comigo?
- Tá com algum problema?
- Não, na verdade eu tenho pensado nisso há muito. Casa comigo e a gente passa a ter dois violões e uma casa e muitas pipocas.
- Não me parece certo.
- Sim, na verdade eu já quero há muito tempo, mas eu sou menina e não devia pedir por que é o homem que tem que ficar de joelhos. Mamãe que ensinou. Mas casa comigo e destrava que nem eu destravei quando senti seu cheiro?
- Pense bem, vamos estragar tudo.
- Não acho. Quero casar fugido e sem chamar ninguém. Vamos? A gente pode ter um sonho romântico de outono e inverno e primavera e verão e pular de problema em problema. A gente pode brigar um monte de vezes e depois dormir na mesma cama abraçado e de pazes feitas.
- Não pode ser simples assim, menina.
- Ah! Vamos! Deixe de ser bobo que casado a gente pode sempre brincar de roda e você pode me trazer flores. E eu nunca mais vou doer por homem nenhum que só você vai valer pra sempre até a morte ou mais.
No rosto dele então fez-se um sorriso por que ele se lembrava que sempre pensou que Romeu e Julieta deviam se encontrar depois em algum lugar. E tudo parecia tão simples quanto a simetria do rosto dela. Tudo parecia tão bonito quanto ela. Ele de sério e frio e travado foi ficando mole. Aí ela percebeu e pulou em cima dele num abraço e beijo de menina que é mulher.
E a fada madrinha providenciou muitas cenas de contos de fadas e brigas de romances adultos. Por que era assim que a mocinha pensava o final feliz.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Capitu

à Rayane almeida

Foi num dia como hoje que nasceu meu italiano. Um dia em que eu não tinha nada
pra escrever, mas aquela vontade enorme. O italiano não é um personagem meu. Me
encomendaram e ele tomou forma, até se tornar meu. E foi bom, por que ele é
grande e sórdido e nojento. Eu gosto de personagens que as pessoas me mandam
escrever. Por não ter nada que venha de mim, pego então o que vem de fora.
Comecemos:




Se Nabokov a tivesse visto, sua Lolita não seria ruiva nem sardenta. Teria pele branca rosada e lisa, rodeada de cabelos muito pretos e enfeitada por uma boca naturalmente rosada. Seria também magra e pequena, com a voz um pouco arrastada e um sotaque forte de quem se criou na roça. Seria brasileira e teria gingado de funk.
É uma pena, mas Nabokov nunca a viu. Morreu antes que ela desabrochasse e nem pode saber que ela desabrocha novamente a cada dia com sorrisos e teorias maléficas sobre conquista e dominação mundial.
Raio de Sol, como a chamam, poderia muito bem ser estrela de seriado adolescente americano e encareceria o orçamento com exigências monstruosas e muito justas. Contaria a história de sua própria vida com trilha sonora interessantíssima de quem tem um bom e eclético gosto musical. Por que Raio é daquelas que anda como se ouvisse Pretty Woman e sorri como se fosse Adriana Calcanhoto cantando. Então haveria Judy Garland over the rainbow, pra poder tornar bem bonita a trilha toda.
É que Raio tem cara de Dorothy, bate os sapatos e precisa achar um lugar. Dorothy e lolita ao mesmo tempo, mas sonhando ser Cinderella.
Fica assim, então, pra dizer que ela já foi inventada e é boa personagem sim. Menina feito Dorothy, atraente e mimada feito Lolita, princesa feito Cinderella e dona dos mesmos olhos de cigana oblíqua e dissimulada de Capitu.
Bento e Capitolina escrito no muro de trás da casa e olhos grandes de ressaca.