Foi a Andréa quem me ensinou o que é ter um amigo, também
foi ela quem disse certinho, sem dizer, como é perder amigo. Nunca mais quis
depois dela perder nada, nem a Flora, mas a Flora foi sem que eu pudesse
impedir.
A pior coisa de todas foi vê-la reduzida à um rótulo quando
por telefone me disseram que era só cadeira de rodas, e tinha ido. Eu nem sei o
que pensei na hora, mas chorei mais do que antes já tinha chorado um dia. E
nunca mais quis rótulo, nem perder amigo.
As lembranças mais fortes são a caixa de sapatos cheia de
roupa de boneca que a gente vendia, e ela dizendo que se eu quisesse logo o
livro de volta ela lia mais rápido e devolvia no prazo.
Não ligo pra prazo não, só pra acesso. Andréa nunca pediu
nada, mas a gente fazia. Minha tia, muito esperta, frisava que ela não era lá
muito flor que se cheirasse, e eu sabia que não era, e era essa a melhor parte.
Andréa tocava o terror na escola inteira, baixava o
capeteiro, abraçava o capeta e ensinava-o como dançar sem pés. E também me
ensinava que o mais importante é conversar.
Sei lá quantos anos ela tinha, quinze? Sei lá quantos anos
eu tinha. Nada. E também eu era difícil e tocava o capeteiro e continuo sendo
pirracenta e chata, mas ainda gosto de conversar e de ler, como ela.
O aniversário ainda lembro a data, mas a rifa não lembro
quem ganhou, nem como entregamos o dinheiro. Ela era tão forte que achava o
máximo quando tinha que tomar sangue uma vez por trimestre porque aí ficava
ativíssima.
Ainda assim, era amarela, e tinha aquele cheiro que eu
aprendi a reconhecer depois como cheiro de prazo curto. Tenho medo de sentir
aquele cheiro em mim, mas depois dela já senti outras duas vezes e não disse.
Também não aprendi a costurar como ela, e não vou sê-la
nunca. Mas preciso volta e meia lembrar dela e sentir falta, porque aí entendo
que sirvo pra contar história, e que isso é útil para moças amarelas que gostam
de costura e têm prazo curto. Que narrativa aumenta a vida já contada, e que dá
pés.
Nenhum comentário:
Postar um comentário