domingo, julho 29, 2012

conversa de pele batida


Quero saber como anda a sua tosse. Você mandou eu não rir e eu disse trinta e três trinta e três trinta e três enquanto tentava chutar o mais alto que podia.
Não boto meu pé atrás da cabeça, mas queria que você daqui gostasse. Quando eu danço, é por cima de você. Que você olha.
Mas você é duro, José.
Tinha pensado te mandar um poema mole mole do Bandeira, que é mais duro que você e talvez te amoleça. Você me bate na cara e manda calar a boca. Eu continuo falando mais ainda, que é pra te irritar.
Você faz uma enquete na praça pra ver se é constante a minha chatice e descobre que ela foi feita no seu molde. Eu descubro que daqui há um tempo você deve emagrecer.
Tenho medos de mudança e você quer que eu voe.
Vou. Mas volto. Veja se cuida longe de mim essa tuberculose. 

sexta-feira, julho 27, 2012

A roda da fortuna e o rei de paus

texto meu publicado no caderno Pensar do jornal A Gazeta

A sala era fumaça pura à meia luz. Um cheiro forte de incenso e cigarro e uns olhos pretíssimos, pintados com kohl. Adalgisa, mesmo vendo muitas cores na cartomante, achava que nos olhos estava o principal. Quis, logo de cara, aquele negrume para si. Sentou-se tímida, afoita, desatada e destrambelhada – desesperada de primeiro amor. Não disse nada além de boa noite e do nome perguntado de cara pela cartomante.

quarta-feira, julho 25, 2012

porque também, além de tudo, a cabeça-dura é quase que genética


E você também não sabe nada de mim. Não tire fora a graça do descobrimento. Você precisa navegar uns mares e eu preciso nadar contra a corrente. Sim, claro, com terra vista em mim, havia meta depois da meta, ou coisa alguma, mas corpo visto.
 É que, ainda seca e quente, a pele é pele. Está comprovado que você tem mãos e um corpo todo, inteiro, grande, denso. Todavia, eu quero coisa respiratória: que você, ou alguém, me invada todos os pulmões.
Vi sim que houve certo caminho narina à dentro e que o cheiro ocupa um mundo todo. Pensei que o querer não era fato. Achei a beleza que incide de uma interrogação, ou de um afastamento.
Saiba ao menos isso de mim: sou puríssimo afrontamento. 

terça-feira, julho 17, 2012

Tubo de ensaio


Fui ficando sem perspectiva. Ele tão bonito que nem parecia meu. Tão meu que nem parecia bonito. Não tentei entender as cores, que são óbvias. Quis mesmo entrar naqueles olhos grandes, enormes.
Encostei a testa e olhei dentro. Encostei a testa e olhei forte. Encostei a mão e disse que seria pra sempre nós dois. Junto. Junto. Junto.
Não concebo sem ele a vida. Quero a vida sóbria. Ele ali me transferindo a dimensão. Escorbuto é quando não tem laranja. Ele é cor de rosa. Não vou passar mal.
A testa dele disse “Não faz assim”.
Cantou. Tão alto, tão forte. Não vá pensando que eu sou seu.
Foi embora. Bonito como se nem existisse. 

terça-feira, julho 03, 2012

Bússola


A coisa está ruim no peito porque o mar estava calmo. E calmo, o mar, atrai os peixes que são homens para o fundo. O mar é um engano.
A vida não vem com bula em que assumidas estão indicações e contraindicações de atos. Não há sapiência justa para dor de amor. Nem mesmo atenuante, há. O inconsolável vem seguindo a maresia.
A ressaca convida para as lambidas das ondas. Vai o homem se dissolver ali pra digerir as dores. Volta o homem dali porque não é possível morrer sem conclusão.