Flertes de ônibus tem um problema: eles acabam no ponto. Não há paixão sem exagero ou pontos perdidos.
Fui a primeira a olhar. O cabelo me parecia o de um conhecido. Depois ele virou a cara e era mais um desconhecido. Barba por fazer. Óculos. Cabelo mal-cortado e bagunçado. Olhos castanho-claros. O rosto ainda me era familiar e eu olhei por isso. Mas ele olhou de volta então mudei de motivo.
Num excesso de despudor, mantive-me olhando e desviando ritmicamente. Troquei de lugar e ele sentou onde eu estava antes.
Ficamos de frente um para o outro. Da boca dele surgia um começo de sorriso e eu ainda olhava. Acabei sorrindo também.
E reparei nos detalhes. Tênis gasto, jeans, blusa grossa e mochila velha no colo. A manga do moleton tinha uma mancha escura. Ele tinha cara de quem dorme pouco e não ouvia música. Olhava a paisagem quando não olhava para mim. Parecia se perder.
Quis desesperadamente que saltássemos no mesmo ponto. Abri um livro que não li pra tentar me distrair. Troquei de rádio algumas vezes.
Sorrimos quase gargalhando um para o outro.
Descemos no mesmo terminal.
Ele disse um 'Opa', eu disse uma coisa ou outra, banal.
Só sei o nome e mais nada.
Paixões que começam no ônibus deviam ser intinerantes.
4 comentários:
“Quando a porta do ônibus se abria e eu vagorosamente subia aqueles degraus, eu escolhia um”
Desculpe Dias, não pude evitar! Dejá vú do Mulheres de Nelson, a la Dama da lotação.
trocou os trocadores por passageiros?
Nossa! Todo mundo detesta andar de onibus, eu acho um laborátorio cênico, uma terapia (Exceto quando tem um psicopata musical com MP3 sem fone)
Dormir tropicalha numa noite bossa nova deve ser ruim não, é muito ruim.
Nãoe star na mesma frequencia é ruim.
Beijos Moça!*
Pagani, você me ofende assim. tem que falar que é repetição da vida como ela é.
MUITO MAIS CHIQUE.
*Tropicália
Te ofender? Faça-me um favor Dias! No final é tudo obra do menino que diz ver o amor pelo buraco da fechadura, o anjo pornográfico.
Nelson Rodrigues escreveu a Aline, mas não publicou.
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