segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Ode à doçura

crônica veiculada na Rádio Universitária, no início do mês
Eu queria contar uma história bonita, dessas em que passarinhos estão na janela e o sol faz aquela cor amarela num fim de tarde. Eu queria um velhinho e uma velhinha de mãos dadas numa pracinha comendo pipocas.
O romantismo. Eu queria uma ode ao romantismo nesses tempos corridos em que um bom dia é quase sempre seguido por um porque e um tudo bem nunca é respondido. Eu queria, nesta terça, que o mundo todo parasse quietinho pra que a gente pudesse simplesmente sentir rajadinhas de vento quente de verão.
Você que ouve essa crônica deve entender que estamos aqui, entre notícias, bombas, greves de fome, bolsa de valores e horários de avião pra que você possa respirar. Não vou, então, ser agressiva, incisiva, precisa nem nada.
Quero crônica com gosto de bolo de chocolate. Um conto de fadas que venha no carnaval. Deixa o turbilhão pra mais tarde!
Hoje ainda há tempo de brincar de roda sem pensar que não há a menor finalidade em cirandar.
O primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou. Passou também o ônibus lotado sem parar e com uma passagem cara pra dedéu. Você deve ter chacoalhado muito, balançado o esqueleto e se for baixinho como eu, deve ter feito alongamento nas barras do alto. E é claro que isso diariamente é absolutamente desagradável. E é claro que há contas a serem pagas e o dinheiro quase acabando embora o mês não seja ainda nem metade.
Mas no mundo ainda há som de pandeiro. Na tarde ainda há fruta madura e, na noite, lua. E se a lua sorri em quarto crescente e minguante mês a mês, a gente também pode.
Você talvez tenha medo de palhaço, mas isso não impede que seja contada uma piada. Quando foi a última vez que você andou de bicicleta? E o último beijo de língua? O último ombro amigo? O último abraço? O último suspiro doce com casquinha levinha de limão?
Eu acredito que não pode ser triste um mundo em que há cheiro de pipoca e milho verde. Depois de tudo que tem na semana, há sexta à noite e domingo de tarde.
Eu não sou otimista, ao contrário, descrente e desconfiada de tudo quanto é gente nova que se aproxima. Mas e se a gente parasse e comesse uma carambola?
Se for verdade que o universo todo cabe na garganta? Se o seu chefe comprar trinta picolés?
E se houver vitamina de abacate? Língua estrangeira? Pernas bonitas? Olhinhhos brilhantes? Cachorro dizendo eu te amo?
Olha. Passou muita coisa já e o ano mal começa. Eu, você, sua tia e esse senhor aí perto que não para de olhar a hora estamos muito estressados. Temos um medo tácito do mundo.
Mas, lembre: quando chover de novo, vai ter cheiro de terra molhada e a qualquer momento você pode comer um pedaço de pizza. Então, que seja leve o resto da semana! Que seja doce, a vida!

sábado, fevereiro 25, 2012

unha e depois

Você nem tem ainda uma música. Algumas festas e um carnaval. Quem sabe um corpo? Quem sabe? Hoje eu não te vi, mas ontem tinha outra menina até mais bonita, mais fina, mais blush no rosto. Então não vou te fazer rimas, quem sabe? Quem sabe as rimas que um corpo nu é capaz de fazer? De corpo inteiro, você é bom como se fosse sério. não há, ainda, intimidade. Mas seu corpo entende do meu como se fosse machucado ou qualquer coisa de arranhão. Seu corpo flui como se fosse físico e tivesse carne. Como se fosse pênis e eu tivesse algum buraco.
Meu deus! Que coisa é seu corpo nessa madrugada? Que coisa foi seu corpo na manhã?
E como fica, depois de tudo, a boca? A boca iniciou as coisas anos antes até dos dentes. Meu deus a boca premeditou todo e qualquer carnaval.
Então, você, não quero.
Mas me devolva a boca ainda essa semana que ela hoje aprendeu como se faz quando a garganta precisa ao certo dilatar. Você, sem saber, me ensinou. Não volte. Embarque neste mar de coisas matemáticas e me deixe agora com a boca grande e o corpo certo. Arranhe. Arranhe. Vá.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

das carnes prontas

De quando passa o bloco, eu passo os olhos nos ombros e nas barrigas, depois nas caras. Que quando passa o bloco o amor é de confete. Que quando passa o samba o que fica é nadica de nada. Um sopro cujo marco é sorriso.
Ausência completa de gravidade.
Leveza.
Guarde você o tanto que bebe. E não dividamos nada. Nada. Principalmente não telefone. O depois não existe no carnaval. Pensamento, se existe, está errado.
Veja se no sangue circula samba.
E resplandeça.

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Lady is a tramp

Pensou em mim como a Olga Benário ou Anita Garibaldi. Olhou e achou que teria uma fiel escudeira que volta e meia se enfiaria nas suas brigas e as tomaria como minhas. Sabia que eu não seria a mãe perfeita de louça lavada e comida no forno.
Pensou que eu pegaria em armas e apanharia e bateria e rodaria a baiana sambando e de salto. Pensou que eu fosse cuspir na cara do guarda e não quis nunca que eu te tirasse do olho do furacão. Nem eu pensei em tirar ninguém do olho de nada.
Mas você não pensou que talvez eu quisesse volta e meia ser Julieta. Que eu quisesse ser protagonista de outra história. Por que o herói é você, Robin Hood, mas eu não sou Mary Ann...
Eu não tenho sangue de briga nem doçura de princesa. Não estou dentro dos seus moldes, nem dos outros moldes.
Você não entendeu o que eu mesma não entendi. Das mocinhas, eu tenho aquela inocência besta de achar que as coisas podem durar e que eu preciso de fazer alguma coisa para que os laços se mantenham. Ao mesmo tempo, eu sou besta a ponto de acreditar em mágica.
Eu podia parar por aqui essa coisa estranha. Mas eu queria que você soubesse que eu sou a atriz principal. A Salomé. A Lady Macbeth. Os meus tapas são sutis, ou são verbais.
Comigo, o lance é veneno.


quinta-feira, fevereiro 02, 2012

BOOM

Eu quero de novo aquele amor doente. Aquela coisa úmida, pastosa, densa, pesada. Aquela coisa que saía da sua boca quando você dizia mole que seria eu a mulher mais feliz do mundo.
Eu quero de novo a lua vista com as minhas mãos nas suas mãos e uma pausa. Eu quero as folhas de janeiro sendo cheiro de janeiro e a gente com cerveja meio batido, meio choco, meio quente se embebedando mesmo da gente.
E se não for você, não importa mais. Eu quero de novo a doença de pele que se pega quando se gosta tanto a ponto de explodir.
Eu quero de novo uma coisa tão grande, tão forte, tão verdadeira que eu mesma não tinha coragem de acreditar que acontecera. Eu quero de novo passar anos duvidando da memória do momento mais bonito da história.
Os roxos no braço. A necessidade. O grito mudo dia a dia todos os dias de mãos dadas e os olhares cúmplices de quem tem culpa por ter absurda, absoluta, inegável paixão.