domingo, abril 29, 2012

quando ama a passarinha


Como se faltasse um je ne sais quoi,
Deixou semiaberta a cartola,
Fez firula lá, mesura cá,
inclinou mão,
puxou moço
Coelho, não.
Porém, ele com pêlos eriçados,
Ficava gosto de fofura.
Cuidou ela então da curvatura
Própria das mãos próprias
Focou as juras no tato
E a língua no palato
Do outro.

E como se não faltasse nada
Ficou ereta, discreta, direta.
Jogou fora a cartola.
Guardou na garganta o dentro e o fora.
Depois, de bicicleta,
seguiu linha reta,
que embora bom, era hora.

sábado, abril 28, 2012

a moça de esquerda


- Mas, moça, você não quer ganhar nada?
- Ué, precisa?
- Precisa sim, oras, você está fazendo, tem que receber.
- Mas moço, nas histórias eu sempre fui fada madrinha, nunca princesa. Então a parte em que eu ajudo move muito e eu fico alegre.
- Entendo, mas e o dinheiro?
- Se você insiste, eu aceito, mas olhe: abraço apertado, beijo molhado, banho de chuva, cheiro de terra e cheiro de milho não custam dinheiro. Além do mais, eu gosto de ver quando as pessoas sorriem.
- Entendi, a fada madrinha.
- É! Pense comigo, quem move a história é sempre a fada madrinha. Quem dá volta na madrasta, quem garante a noite, quem faz a princesa resolver o seu problema?
- A fada madrinha.
- Pois então. Princesa tem a voz muito passiva. Fica lá sofrendo pelo príncipe, sofrendo na mão da madrasta, sofrendo na mão da bruxa, sofrendo limpando o chão, sofrendo a ação... Eu não!
- Gramática?
- É, sim. Se eu for a fada, fico com voz ativa. 

quarta-feira, abril 25, 2012

excesso


Está, a parede, vazia. Não fico oca por falta de enquadramento. Não paro quieta, e quando paro, não paro. Alguma coisa escondo de mim e não sei ainda o quê, se do moço agradável que tem aparecido grave eu nem falta sinto.
Devia ter algumas tintas e especialmente mãos precisas. Não. Ela comprou massa de modelar e eu pensei que as mãos deviam aprender algum caminho que não esse de teclado e tinta de caneta. Ele compôs um samba tão bonito que nem podia um dia ser pra mim.
Teci um tratado sobre métrica e rima. Torci um bocado a função de um sentimento. Ora, não devo eu entender nada, e nem tentar. Eu quis dançar noites inteiras e pensar que as pernas não sentem saudade do meu sono. Então, de novidade, não escrever mais meia linha, nada, nada, nada. Só o que fosse automático, a parte paga. Direcionar todas as coisas como quem sabe propor palavras cruzadas.
Quis também andar na praia, e não andei. Oca, não fico.  

segunda-feira, abril 16, 2012

geometria

Você assim obtuso prum lado, eu assim aguda pro outro. Suplementar, complementar, sei lá, oposto. Seu ângulo não se mistura com o meu. Eu mais pra reto, você mais pra raso. Um monte de volta. 360 motivos pra girar pra longe. Ou um só.

Geometricamente as suas costas e a curva da minha cintura fazem figuras bonitas no encontro. Fisicamente a gente é só calor.

Eu aguda prum lado, você obtuso pro outro, e lado a lado a gente não se vê. Ponho seus óculos e fico tonta. 180 motivos de não.

Pra que princípio, crença, kriptonita?

Se fosse só corpo, se fosse só ângulo e a gente retas paralelas se encontrando no infinito. Se fosse infinito. Se fosse frente a frente e pronto, boca e pronto, mão e pronto. Mundo é pouco se fosse tudo noite. Se a gente fosse tarde. Se não fosse tarde pra esquecer que eu não consigo não pensar no que eu não sabia de você e sei agora.

Então você obtuso prum lado, eu aguda pro outro.

segunda-feira, abril 09, 2012

Mercado

Tenho medo do aumento de preços cardíacos. Uma veia está pela hora da morte. As artérias, pulsando espalhadas, andam cobrando frete. A Aorta funciona como central de tudo e cobra caríssimo pela pulsação sentimental.
Então quanto mais perto, o cliente-credor-objeto, mais caro o transporte de sangue. Mas longe, meu deus, que preço fica?
Ausência estabelecida na bolsa de valores. Agora sobe a cotação do amor, mas a persistência da influência da ausência gera uma incerteza nos lucros. Se ela permanece muito, danou-se. Todos sabem, o negócio é de risco.

sexta-feira, abril 06, 2012

down with love

Não quero seu perfume forte, nem mão no pescoço, nem costume. Não quero as mesmas coisas que queria antes. Entenda, it’s time for cleaning myself. Don’t know anything about feelings. Don’t want to know. Does not matters what are your staff.

É. Eu sou mesmo o centro do mundo. Sim. Eu não faço questão de ser clara. Não pre-ci-so. E não importa quanta história tenha havido antes, ou a cor dos seus olhos ser uma das mais bonitas do mundo. Não faz diferença a espera que foi minha tanto tempo, ou eu ter um dia pensado num mundo inteiro contigo ao lado.

Eu só não sou a mesma coisa e não sei o que você espera. O corpo. Entenda. O corpo. Nuances, derme, mão, pêlo, língua, dente e curvas falam mais do que eu ou você precisamos dizer. E eu só funciono quando eu quero, sem concessões de qualquer tipo. Não faço favor pra ninguém usando as pernas.

E não importa quem é você, não vai haver exceção. Então, não ame nada em mim agora. Aguarde. Quem sabe o tempo não me leve um dia até você como te trouxe tão depois pra mim do prazo de validade?

domingo, abril 01, 2012

horizonte

Não fique posto, não morra, nem nada. Vá, mas volte. Principalmente vá. Pensei em seguirmos aquele acordo visto nos livros. Um encontro, depois três semanas, depois outro encontro, depois três semanas, depois outro encontro.

Não quero hoje nada que não vá. A permanência que seja tácita. Paixão, não, obrigada, mas o corpo tem coisas capazes de nem a gente imaginar além.

Volte porque sua companhia é agradável, pelo cheiro da pele, pelo baixo custo coincidente com alto benefício. Pela graça das coisas, volte. Pela cotação do mercado de ações, pelo tato, pelo paladar, pra contar como é o mundo a quem não vê, tocar piano, fazer conta, fazer janta, criar calo, machucar.

Não fique porque o mundo é grande e não cabe nem nessa janela sobre o mar. Volte porque o mundo é pequeno e cabe no espaço de deitar.