Tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Decrépito,
ridículo, feio de doer. Não sei a idade, mas devem ser uns cento e vinte anos. E gente assim devia ficar dentro de casa, porque gente nojenta deve ter seu
direito de ir e vir cerceado. Inclusive questiono se velhos nojentos deveriam
ter direito à liberdade de expressão. Na minha concepção, não.
Na minha concepção gente escrota tem mais é que morrer pra
deixar de ser ridícula e de enfeiar as ruas. Nas minhas ruas, só gente jovem e
bonita. Isso se essa rua fosse minha, mas não é.
E provavelmente todas as coisas que eu disse acima são
assustadoras e desagradáveis de se ler, porque afinal de contas eu não posso me
referir a um idoso chamando-o de velho, e muito menos de feio, babão e nojento.
Isso acontece porque existe o entendimento de que o envelhecimento e a conseqüente
perda da beleza e do viço são coisas naturais, que não podem ser impedidas e,
portanto, não podem ser julgadas da forma como eu fiz acima.
Pois bem, entendemos que o conceito de velhice pressupõe
respeito. Sempre nos disseram que devemos respeitar os mais velhos e tratá-los
com dignidade. Fazemos isso, portanto, e tentamos entender suas limitações e
ajudá-los no que for possível.
Mas tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Repito sem
me desculpar, porque ele dizia que Deus fez o homem e Satanás fez viado e sapatão.
Depois ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que tem nojo
quando vê dois homens namorando.
Qual não foi minha surpresa ao reparar que, em todo o café,
a única pessoa a estranhar essa colocação fui eu mesma. Da mesma forma que é
natural não dizer que um velho babão é um velho babão, porque isso é
desrespeito, é natural dizer que homossexuais são nojentos.
A referência me parece difícil de alcançar, primeiro porque
eu sou jovem, mal completos vinte e cinco anos e muito pouco conhecimento
acerca de preconceitos com a sexualidade alheia. Nunca me ensinaram que um
homem que beija outro homem é nojento. De forma que não aprendi a pensar assim.
Por outro lado, sempre me disseram que todos merecemos respeito e que ninguém
merece ser julgado, e que todos temos direito à defesa.
Fiz-me, portanto, advogada de meus amigos homossexuais, que
por não estarem ali, ou não se anunciarem ali naquele momento, não poderiam
defender-se das acusações de serem nojentos ou filhos de Satanás.
Expliquei, exaltada, que partindo do pressuposto de que
exista um deus_ que eu não sei se existe_, este criou todos os seres humanos.
Mas Deus criou macho e fêmea, retrucou o velho. Sim, genitália
feminina e genitália masculina, mas ninguém é melhor ou pior por ser gay. Ser gay
não é ser ruim. Ser ruim é ser mau-caráter, tentei ser simples na argumentação.
O senhor velho babão, entretanto, não acredita que, da mesma
forma que ele não escolheu ser velho, os viados e as sapatões, como ele disse,
também não escolheram sentir atração por pessoas do mesmo sexo.
Eu talvez não devesse tentar discutir, mas ele insistia em Satanás,
e eu disse que esse tipo de pensamento é ridículo. Ele disse que ridículo é ser
gay. O moço do balcão serviu meu café e disse para que eu deixasse para lá. Eu expliquei
que é ridículo disseminar esse tipo de fala porque é isso que faz com que
depois um homossexual apanhe na rua e isso seja natural.
O velho disse que ele não disse isso. Eu expliquei que se
fica socialmente aceito que Satanás fez os gays, e que todo o pecado deve ser
eliminado, isso motiva a violência contra essas pessoas. O velho insistiu que
eu botava palavras na boca dele.
Eu disse que não estava botando palavra nenhuma, só
explicando as conseqüências do que ele mesmo diz. Aí ele gritou que viado é
tudo nojento. Eu gritei de volta que nojento é gente preconceituosa.
É lógico que eu estou equivocada por entrar nesse tipo de
discussão com um senhor que, ao que parece, não vai mudar de opinião. É lógico,
também, que eu não tenho argumentos bons o suficiente para competir com um
preconceito que eu mesma não conheço, nem sinto na pele. Entretanto, não
consegui evitar a revolta, nem a discussão. Por fim, me sobra contar o que
houve pra ver se mais gente se assombra junto e deixa de ensinar que o inevitável
é nojento.