quinta-feira, fevereiro 20, 2014

amora catada do pé

não, porra. você não é irmão do colega nem sendo. minha lama meu lombo minha lesma meu consolo lento lendo as coisa tudo lendo partitura. meu leito. minha besta quadrada, minha raiva apertada, meu amor resguardado, aguado, forte, minguado, cospido, vomitado, fogarento. meu amor apagado, amora catada do pé, minha azia.

eu queria você de criança na saída da escola porque tinha brinco e três anos eram aquela coisa toda e você era lindo. hoje você magro, sem brinco, eu besta, burra, alargada, grande, um metro e cinquenta e sete de altura sem nada.


ocê faz um arco nas costas. eu sou moça direita na esquerda. não sei se ainda te esqueço de fato. no nosso retrato estamos felizes. 

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

se fosse samba

acordo todo dia aflita, vez trêmula. maior parte garganta. você vem? achei que fosse falta de cigarro, mas não é mais. desaprendi a reconhecer sensações. não sei qual o lugar em que me encontro.

uma faca. não tem mais polícia. as coisas revoltam, eu sei. as pessoas também. você. só curo com sabão, tudo, agora. o que há além de espuma? espuma é bonito, não é? você. onde é que eu aprendo a respirar de novo sem fumaça muleta.

onde é que eu aprendo a equilibrar.


eu quero dança. 

quarta-feira, dezembro 04, 2013

Sem ataque

De te ver de longe, me incomodo. Não sei mais escrever na ordem direta. Entendo que a palavra perna no plural sempre denota sensualidade, entretanto são as pernas que sustentam o tronco, acima dos pés.

 Estão bambas as minhas de ver que você ainda existe e aparece inconsciente. Penso que queria que você pensasse em mim, mas é inconsistente, a vontade. Não. É densa-densa-tão-difícil-de-quebrar-quanto-uma-gelatina. Nem derreto. Chapo troço na cabeça pra não lembrar. Pronto. As pernas que durmam.

Eu fiquei máquina.

sábado, novembro 09, 2013

Tentativa

Sentir não é bonitinho, nem delicado. O cara que saiu no jornal porque matou a ex mulher à facadas e deixou a faca cravada no pescoço dela não foi frio. Fosse ele frio, não tinha matado, mas sorrido e dito que ia ficar tudo bem. Fosse frio ele se auto-engolia e não matava. O cara se entregou pra polícia antes de dar tempo de ser procurado. O cara confessou o crime.

Se o cara fosse frio, tinha arrumado um revólver e dado um tiro só, ou tinha enfiado no mesmo pescoço uma seringa com ar que faz menos sujeira e é tão eficaz quanto faca em matéria de morte. Frio fosse, estudava exatamente um jeito de sair impune.

O cara podia ser eu, ou você, sabendo menos ainda lidar com dor, e com não, e com rejeição de uma moça que ele ama, ou amou.

Eu não escolhi rir e dizer que estava tudo bem, mas chorar e mandar tomar no cu. Eu podia ter arrumado uma faca e posto um fim e ido pra polícia me entregar. Qual dor que vale? Não sei.

O delegado disse que eu não tenho que ter dó de bandido. A gente acaba aprendendo que bandido é outra coisa que não gente. Qual a linha?


Eu não mato nada, só barata. Nem você dentro de mim eu mato, que não tenho faca, nem seringa, nem revólver, nem força pra confessar crime.

terça-feira, outubro 08, 2013

Terezinha de Jesus: sacudiram três cavalheiros

 Ai coração, hoje não. Eu vi _ eu vi _ que cada canto tem um nome, que cada esquina uma lembrança, que cada acorde um sopro. Sem acordo, coração. Hoje não.
Sem paradeiro, sem para-raio, sem compromisso, sem dança, sem ele também. Entendi, cada esquina um suspiro, cada moço novo um risco, no olho dele um estribilho e eu aqui depenada.
De nada, coração. Outro moço nunca vem, mas aparece. Tem aquele que enrola, e aquele que nunca quer, mas quer, coração. Eu que não quero coração. Só vocativo, coração, me deixe.
Eu vi que na árvore da praça e no banco ele ainda habita, e eu sobressalto sem tempero pra carne, suada, sem nada, e que o outro balança, anda reto, nem olha, e que o que diz que não quer fica ali ajuda corre abraça pega na mão.

Eu não sei, coração. Eu nem quero coração. 

terça-feira, setembro 24, 2013

Nem todo texto precisa de um nome

Joana exige demais, mas hoje não. Sou neurótica, sim, e não nego. Tenho um ódio tremendo de talvez. Eu quero um sim gigante. Pode vir também um não, com gelo, por favor.
Não me mate nessa tentativa de chove não molha. Não me mate nessa tensão que eu não agüento. Volátil, volúvel, idiota, neurótica. Sou. Sou. Sou. Todo o tempo e sem olhar relógio também.
Eu só engulo as coisas, meu bem. Não agüento a sua doença, e sabia, mas tentei até te mostrar a minha e você nem tentar.
Neurótica, você disse.
Neurótica sim, muito prazer, frágil também, e burra como não pareço.
Aqui é tudo ou nada, sem meio termo. Só sei ser inteira, então vá, que metade não dou não.

Joana exige demais, e eu sempre soube que Joana era eu. 

domingo, setembro 22, 2013

poema à mão armada

A violência não me assusta mais, como assustava. A solidão, em si, também não. Sempre foi uma amiga.
O que me assusta são esses medos novos que eu nem conhecia. Medo de cair, gente, medo de subir, gente. Medo de ser eletrocutada mesmo com borracha no pé. Medo de poema.
A violência da subtração abrupta não me assusta, mas o desespero do assaltante me comove. O moço magro e gritalhão não parecia acostumado a pegar nada de ninguém, parecia precisar daquele telefone mais do que eu.
Entreguei, quase sem medo, mas atônita, e fui pra longe da solidão. O roubo me assaltou menos que o poema mandado mais cedo. O poema recebido me botava muda, e eu caí de mim no chão, estatelada.
Não sou musa de nada, nem forte, nem bonita assim que nem poema. O assaltante me levou o celular, o poeta me levou o chão.

terça-feira, setembro 17, 2013

Novo eu não sei, ainda

Porque eu estou cansada como se o tempo inteiro, e o corpo inteiro, fosse percussão. Apanho, nêgo, e cansaço é mais caro do que o dia de amanhã. Se me tocasse hoje, mole, se me deixasse o amanhã quieto, e se viesse como valsa, delicado, nem sei.

A bagunça é inevitável. Mesmo arrumada, alinhada, maquiada, e tal, me cai no peito o café. Não existe freio agora que é morro abaixo. Mais um batuque de manhã, outro de tarde. Caixas.

Se você fosse leite eu bebia pra ter cálcio, mas ele sempre volta e eu não tenho área de escape além da pele densa. Ele não dá mais ressaca. Desce garganta abaixo e pronto: um alento.


Não quero mais ir embora porque volta e meia tem mão pra segurar. Estou cansada como se fosse sozinha, e cada dia menos solidão. Há braços. 

domingo, setembro 15, 2013

Encontro

Ele riu e eu comecei a querer que ele risse o tempo inteiro, porque ele fica ainda mais bonito quando ri.

Treinei o olhar pro chiste, e fui rápida nas gracinhas, nos sarcasmos, nas ironias. Ele também deve ter achado graça de me ver rindo. Caprichou na cena, se jogou na parede, impostou a voz.

Aí, de tanto riso, foi bonito à beça.

sábado, setembro 14, 2013

um trauma é só uma marca, ora

Disperso que ele é, de quando em quando me assalta o tempo inteiro. De medo, não vou inteira. Da falta presente, do corpo, do logo ali, do nada. Não sei agir, e ele também não sabe.

Tenho ânsias. Tenho medo de me rasgar de novo. Invento desculpas, compreendo mais do que posso. Apresento-me bandeja. Apresento-me faltosa.

Não vou. Ele também não vem.


Invento o fim da história que nem começou.  

domingo, agosto 18, 2013

verde

Eu tinha uns nove anos, e era muito amiga da Mariana. A gente tinha várias coisas em comum: as chiquititas, a tv cruj, Sandy, Júnior, o ódio à matemática e à cor verde. Matemática eu não podia dizer que gostava e sabia, porque isso seria motivo grave de rechaçamento. Mas era bem fácil não gostar de verde, porque verde sempre foi cor de menino.
Então a gente não usava roupa verde, nem escolhia os pinos verdes dos jogos, nem era nunca do time verde. Estava posto que menino gosta de verde, e a gente simplesmente não podia gostar das coisas que os meninos gostavam.
Isso posto, gostávamos de rosa e amarelo. Eu preferia sempre os pinos amarelos, os lápis de cor amarelos e as camisas amarelas, que sempre me caíram muito bem.
Mas aí deu que eu cresci, e mesmo tendo mantido a rejeição ao verde, fui percebendo que me preferi sempre perto de árvores, e que elas precisavam, sim, ser verdes. Também, com a passagem do tempo, vinham vindo presentes e o verde me sendo imposto em roupas: era bastante visível que verde cai muitíssimo bem em mim.
A noção melhor das cores, também veio, e a coisa do azul e amarelo, do cazuza, que eu amei desde a primeira vez que ouvi, com quinze anos. E o disco de cores que azul com amarelo dá verde. Daí cresceu o gosto por poesia, e veio o Garcia Lorca, e a Ufes.
As coisas que eu ia gostando, inclusive de comer, eram sempre verdes. E a vida foi me tirando aquela ideia de coisa pra menino, coisa pra menina, métrica certa e coisa e tal.
O restinho da rejeição ao verde me caiu quando a costureira tinha um pano verde de bolinhas brancas e um rabisco de modelo de vestido, no qual mexi botando a gola maior, a saia mais rodada e a manga diferente. Modelo meu, exclusivo e verde.
Minha roupa preferida, desde então. E toda vez que eu saía com aquele vestido verde arrancava elogios de modelo, de cor, de como verde realça meu próprio tom de pele.
Esses dias, falei com minha irmã que se fosse pra escolher uma cor seria laranja, amarelo ou verde. Ela, tirana:
_ VERDE NÃO.
Fiquei com aquilo na cabeça e procurei ser ainda mais verde, cada vez mais verde, até a gripe vir e a pele ganhar cor de azeitona. Depois saí com o vestido verde de bolinha branca pra encontrar um moço bonito e ele lá, de verde. De antemão eu já sabia que ia ser bom. E foi.
Depois eu fui procurar lugar pra morar, e na hora em que eu vi que a chave da porta tinha um detalhe verde e a janela uma vista verde, entendi que é isso mesmo:
O campo está aberto. É tudo verde daqui pra frente.

Desde então, nunca mais um riso amarelo.

segunda-feira, agosto 12, 2013

dançando sem usar as pernas

Foi a Andréa quem me ensinou o que é ter um amigo, também foi ela quem disse certinho, sem dizer, como é perder amigo. Nunca mais quis depois dela perder nada, nem a Flora, mas a Flora foi sem que eu pudesse impedir.
A pior coisa de todas foi vê-la reduzida à um rótulo quando por telefone me disseram que era só cadeira de rodas, e tinha ido. Eu nem sei o que pensei na hora, mas chorei mais do que antes já tinha chorado um dia. E nunca mais quis rótulo, nem perder amigo.
As lembranças mais fortes são a caixa de sapatos cheia de roupa de boneca que a gente vendia, e ela dizendo que se eu quisesse logo o livro de volta ela lia mais rápido e devolvia no prazo.
Não ligo pra prazo não, só pra acesso. Andréa nunca pediu nada, mas a gente fazia. Minha tia, muito esperta, frisava que ela não era lá muito flor que se cheirasse, e eu sabia que não era, e era essa a melhor parte.
Andréa tocava o terror na escola inteira, baixava o capeteiro, abraçava o capeta e ensinava-o como dançar sem pés. E também me ensinava que o mais importante é conversar.
Sei lá quantos anos ela tinha, quinze? Sei lá quantos anos eu tinha. Nada. E também eu era difícil e tocava o capeteiro e continuo sendo pirracenta e chata, mas ainda gosto de conversar e de ler, como ela.
O aniversário ainda lembro a data, mas a rifa não lembro quem ganhou, nem como entregamos o dinheiro. Ela era tão forte que achava o máximo quando tinha que tomar sangue uma vez por trimestre porque aí ficava ativíssima.
Ainda assim, era amarela, e tinha aquele cheiro que eu aprendi a reconhecer depois como cheiro de prazo curto. Tenho medo de sentir aquele cheiro em mim, mas depois dela já senti outras duas vezes e não disse.

Também não aprendi a costurar como ela, e não vou sê-la nunca. Mas preciso volta e meia lembrar dela e sentir falta, porque aí entendo que sirvo pra contar história, e que isso é útil para moças amarelas que gostam de costura e têm prazo curto. Que narrativa aumenta a vida já contada, e que dá pés. 

sexta-feira, agosto 02, 2013

Alvará

Chega com sirene acesa e gritando ao olhar fundo e imponente e ser maior. Grande bosta. Disse que aqui não passava, e não passa.
Insistiu que direito de ir e vir existe. Comigo não.
Em mim, senhor, quem decide sou eu. E não importa em qual categoria de poder você se enquadra: polícia, cachorro, bandido, duque, marechal.
Digo não.

Dê ré. 




Sem essa cara de pateta, por favor, que não é tão incrível entender que exista não. 

quarta-feira, julho 31, 2013

Nojento e babão

Tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Decrépito, ridículo, feio de doer. Não sei a idade, mas devem ser uns cento e vinte anos. E gente assim devia ficar dentro de casa, porque gente nojenta deve ter seu direito de ir e vir cerceado. Inclusive questiono se velhos nojentos deveriam ter direito à liberdade de expressão. Na minha concepção, não.

Na minha concepção gente escrota tem mais é que morrer pra deixar de ser ridícula e de enfeiar as ruas. Nas minhas ruas, só gente jovem e bonita. Isso se essa rua fosse minha, mas não é.

E provavelmente todas as coisas que eu disse acima são assustadoras e desagradáveis de se ler, porque afinal de contas eu não posso me referir a um idoso chamando-o de velho, e muito menos de feio, babão e nojento. Isso acontece porque existe o entendimento de que o envelhecimento e a conseqüente perda da beleza e do viço são coisas naturais, que não podem ser impedidas e, portanto, não podem ser julgadas da forma como eu fiz acima.

Pois bem, entendemos que o conceito de velhice pressupõe respeito. Sempre nos disseram que devemos respeitar os mais velhos e tratá-los com dignidade. Fazemos isso, portanto, e tentamos entender suas limitações e ajudá-los no que for possível.

Mas tinha um velho nojento, babão e beiçudo no café. Repito sem me desculpar, porque ele dizia que Deus fez o homem e Satanás fez viado e sapatão. Depois ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo, que tem nojo quando vê dois homens namorando.

Qual não foi minha surpresa ao reparar que, em todo o café, a única pessoa a estranhar essa colocação fui eu mesma. Da mesma forma que é natural não dizer que um velho babão é um velho babão, porque isso é desrespeito, é natural dizer que homossexuais são nojentos.

A referência me parece difícil de alcançar, primeiro porque eu sou jovem, mal completos vinte e cinco anos e muito pouco conhecimento acerca de preconceitos com a sexualidade alheia. Nunca me ensinaram que um homem que beija outro homem é nojento. De forma que não aprendi a pensar assim. Por outro lado, sempre me disseram que todos merecemos respeito e que ninguém merece ser julgado, e que todos temos direito à defesa.

Fiz-me, portanto, advogada de meus amigos homossexuais, que por não estarem ali, ou não se anunciarem ali naquele momento, não poderiam defender-se das acusações de serem nojentos ou filhos de Satanás.
Expliquei, exaltada, que partindo do pressuposto de que exista um deus_ que eu não sei se existe_, este criou todos os seres humanos.

Mas Deus criou macho e fêmea, retrucou o velho. Sim, genitália feminina e genitália masculina, mas ninguém é melhor ou pior por ser gay. Ser gay não é ser ruim. Ser ruim é ser mau-caráter, tentei ser simples na argumentação.

O senhor velho babão, entretanto, não acredita que, da mesma forma que ele não escolheu ser velho, os viados e as sapatões, como ele disse, também não escolheram sentir atração por pessoas do mesmo sexo.
Eu talvez não devesse tentar discutir, mas ele insistia em Satanás, e eu disse que esse tipo de pensamento é ridículo. Ele disse que ridículo é ser gay. O moço do balcão serviu meu café e disse para que eu deixasse para lá. Eu expliquei que é ridículo disseminar esse tipo de fala porque é isso que faz com que depois um homossexual apanhe na rua e isso seja natural.

O velho disse que ele não disse isso. Eu expliquei que se fica socialmente aceito que Satanás fez os gays, e que todo o pecado deve ser eliminado, isso motiva a violência contra essas pessoas. O velho insistiu que eu botava palavras na boca dele.

Eu disse que não estava botando palavra nenhuma, só explicando as conseqüências do que ele mesmo diz. Aí ele gritou que viado é tudo nojento. Eu gritei de volta que nojento é gente preconceituosa.

É lógico que eu estou equivocada por entrar nesse tipo de discussão com um senhor que, ao que parece, não vai mudar de opinião. É lógico, também, que eu não tenho argumentos bons o suficiente para competir com um preconceito que eu mesma não conheço, nem sinto na pele. Entretanto, não consegui evitar a revolta, nem a discussão. Por fim, me sobra contar o que houve pra ver se mais gente se assombra junto e deixa de ensinar que o inevitável é nojento. 

quinta-feira, julho 18, 2013

cáustica

É que estou toda entupida. Só posso escrever.
Eu até vi primeiro, mas ela viu melhor. Daí ganhou. Não sei.
Fica assim combinado: te ofereço juventude, viço, energia e chatice. Você me oferece conselhos, olhar reprovativo e compreensão. Eu não preciso te entender, nem você a mim, mas a gente se ajuda e vai. Eu como o mundo, você avisa pros outros que isso é necessário.
Meu útero resolveu que tem vida própria, e doeu pra ver se o sangue desce, contrai que é uma beleza. As vias respiratórias também, e os poros.
Meu deus, o que que falta desentupir além de mim mesma antes do resto? Se durmo não dá. A Amanda é mais bonita porque tem olho azul.
Bonita eu não sei pra que serve, mas o planeta Vênus faz um arco com Mercúrio, daí brilha e eu preciso vazar.
O moço não liga pras besteiras que eu falo. Diz ele que não pode, nem gosta de julgar. Nem sei se ele escuta. Meus olhos são estrábicos e sempre serão.

O bom é que eu sempre vejo mais do que uma flor, e sempre entorto. 

sexta-feira, julho 05, 2013

Tem gente na Assembleia Legislativa do Espírito Santo

“A flor e a náusea

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Carlos Drummond de Andrade


A polícia chegou a dizer que não poderiam levar comida para os manifestantes, mas um deputado enfrentou o coronel e disse, fica você sem comida, então. Na rua a polícia desceu o cacete, mas os moços de dentro e fora da casa de leis permaneceram. Permanecem.
Do alto de nossas cadeiras e computadores ligados na câmera ao vivo, apoiamos a permanência, a força, a resistência. Por algum motivo, não nos sentimos capazes de tomar posse de uma casa nossa que nunca nos pareceu lar. Mas assistimos e torcemos. Agora parece lar. Um homem levou nutella para os manifestantes.
Um homem levou nutella e mais de duas mil pessoas viram o pote sendo dividido ao vivo, no live stream. Um homem que leva nutella manifesta-se tanto quanto quem acampa, ou mais. O que ele diz não é apenas tenho esse pote aqui e acho que vocês precisam de comida.
O que ele diz é: vocês que resistem por mim, merecem comer e receber o que há de melhor. A alegria dos meninos com frio, acampados por uma ideia, os meninos que nem precisam tanto desse dinheiro do pedágio, mas que entendem que todos precisamos de investimentos em outras áreas e que pessoas são mais importantes do que um pedágio.
Os meninos, os moços, as meninas, com nome de comida, com apelido, com frio, com uma força que, meu deus, eu não tenho. Eu de covarde não acampo, não durmo fora de casa, não quero que me vejam feia e fico aqui prezando pela privacidade do meu próprio bafo matinal, das minhas remelas.
Eu que sou tão egoísta, tão pequena, não posso deixar de derreter porque nasceu, em mim, que sou de asfalto, uma flor. Um homem levou nutella para aqueles que têm a coragem que eu não tenho, uma coragem absurdamente necessária.


quarta-feira, julho 03, 2013

Ba-der-na

Esse siso vandaliza minha boca mais que fio dental. O cabelo parece que memória. Entre os braços, hidratação de pele. Entre pele, memória de vulcão. Calores de falta de vento, maquiagem bloqueando poro, peito aberto. O corpo anda dizendo aos quatro ventos que não sou mais ontem.

_ Abriu-se, danou-se. Simples assim. 

terça-feira, junho 25, 2013

Açaí

Me esconda no céu da sua boca e chupe qualquer líquido que haja.
Esfarele tudo o que seja osso, que seja denso, duro, constante.
Reinvente a moça cuspida com saliva em lugar de costela e a desconheça pra nunca mais ver.
O que sobrar, você nega, encosta num canto, esfola e chuta pra rolar no morro e te tirar de dentro forever.

quarta-feira, junho 19, 2013

Mais vinagre, mais amor, juntinho, moço.

Olha, moço. Estou desesperada com essa arruaça que virou meu facebook, meu instagram, a rua da minha casa. Não me acostumei ainda com tanta revolta não sendo só minha, com esse cheiro agudo de vômito coletivo.
Olha, moço, a gente quer que o mundo seja mais bonito, mais florido, todo mundo mais educado, a gente quer conseguir ir ali sem passar raiva, a gente quer poder ficar calmo. Não quer?
Moço, me desculpe, mas eu nem posso dizer que meu cansaço do entorno é maior do que o seu, então vamos juntos dar mais uma vomitada pra ver se o cheiro cresce, a Pec desce, a cura o gay, o resto todo.
Ai, moço. Todo dia alguém me violenta quando cai meu telefone, quando de noite dá medo de atravessar a rua, quando tenho que trabalhar por pouco dinheiro. Ai, moço, tá bom não, moço. Sei lá porque você também acha tudo. Sei lá de onde veio esse grande dedo na goela da galera toda. Mocinho querido, nem te conheço, mas tenho medo de amanhã a gente não lembrar que hoje a gente faz tanta questão de mudança geral.

segunda-feira, junho 17, 2013

churrasquinho

Das coisas que eu não entendo, seus olhos ocuparam presentemente o centro do arquivo. Divido-me em cinquenta e nada de fazerem sentido. Queria que fosse você mais vesgo pra eu saber que não é pra mim que olha, ou saber menos. Entretanto, há brilho. De brilho, meu bem, só sei que derreto.
Já sou de fogo, posso muito pouco com faísca. Quando esvazia parece que caio num fosso, num poço, num breu. Por favor, me olhe desse jeito mesmo, de brilho, de besta, igual ao cachorro que queria que eu jogasse carne pra ele na calçada e comia com afinco a gordura do resto de picanha fria.

A gente podia ser bicho e o resto além da carne podia ser nada. A gente podia só se comer. 

sexta-feira, junho 14, 2013

A culpa é do Marlon Brando

Um nome que eu sempre gostei foi Victor, com c mesmo. E Daniel, Danilo, Marco Antônio, Thalles. Thalles tem que ter a frescura toda, que parece que Tales não tem a mesma graça. Nenhum desses nomes gostaria que fosse de filho meu.
 Filho meu é Francisco. Os outros nomes de homem são nomes que eu só gosto de saber que existem. A verdade é que eu não gosto de falar os nomes das pessoas que eu gosto, a não ser que fosse cria. Chamo de outra coisa. A Natasha eu chamo de Marcelinha, a Marceliha eu chamo de Natasha, a outra Marcela eu chamo de irmã.
Só o Heitor eu chamo de Heitor, mas é só porque ele anda meio chato. Se ele estivesse apenas fofo, sem chatice nem chantagem, se chamaria meu lindo, não Heitor. Que nem Davi, que só é Davi quando é pra se referir a ele. Quando ele é ele, é essa coisa linda, meu amor, meu doce, lindeza, pequeno ou qualquer outra coisa que não o nome.
Explico: peguei medo de nomes depois de ver O último tango em Paris.
E me perdoe se não vê motivo. Digo apenas que Marlon Brando e manteiga são motivos enormes pra filme. Depois a gente conversa.

quarta-feira, maio 29, 2013

ternurinha

Meu benzinho, se você soubesse a diferença e o tamanho do carinho. Se você soubesse dos meus armários, do volume de doçura, da tendência ao cafuné e do resto, nem ligava pra falta de força no braço. Meu benzinho, se você soubesse a graça desses diminutivos e a suavidade da ternura, se você soubesse que sou suavíssima casca grossa, permitiria a delicadeza. Meu benzinho, eu sei que não te permito a entrada, mas calme-se. Qualquer dia me envolvo e te envolvo num abraço tão doce que a gente fica sendo praticamente um danoninho.